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Medidas tecnológicas de protecção e a limitação das utilizações livres de obras colocadas à

3. A obra audiovisual no ambiente digital

3.3 A substituição do modelo de propriedade pelo modelo de acesso

3.3.2. Medidas tecnológicas de protecção e a limitação das utilizações livres de obras colocadas à

Os sistemas de gestão digital de direitos permitem o controlo individual da exploração da obra, desde a autorização de acesso, à cobrança do preço, passando pela restrição de utilizações indesejadas.

220 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL NILS WAHL, apresentadas em 4 de maio de 2016,

Processo C‑110/15, ECLI:EU:C:2016:326, nºs 23 e 24

Não obstante, existem certas utilizações que o titular não pode impedir, pois são tidas como legítimas pela lei e, nessa medida, não estão sujeitas a qualquer autorização. Neste sentido, analisámos acima os progressos recentemente conquistados pelos beneficiários destas utilizações livres, que passam a poder opor-se de forma mais efectiva aos constrangimentos impostos pelas medidas tecnológicas de protecção.

No entanto, as limitações à protecção das medidas tecnológicas não são aplicáveis às obras disponibilizadas ao público ao abrigo de condições contratuais acordadas entre titulares e utilizadores de tal forma que os particulares possam aceder a elas a partir de um local e num momento por eles escolhido. Assim o estabelecem os

arts. 6º, nº 4, §4 da Directiva 2001/29 e art. 222º do CDADC.

Esta protecção acrescida das medidas de carácter tecnológico destina-se a garantir “um ambiente seguro para a prestação de serviços interactivos a pedido”.222 O que

é dizer por outras palavras que as relações contratuais e os interesses económicos dos titulares de direitos se sobrepõem aos limites e excepções ao exclusivo jusautoral e aos interesses dos utilizadores.223

Assim, quando o utilizador tem acesso ao exemplar da obra, pode fazer dela uso pleno, reproduzindo-a, tranformando-a, adaptando-a, nos limites do uso privado e de outras liberdades fundamentais. Mas quando não tenha acesso a uma cópia material e permanente da obra, a sua utilização é limitada.

Ora, sabemos já que o uso de uma obra não passa apenas pela leitura de um livro ou pela audição de uma música. Todavia, os novos modelos de acesso, que conjugam medidas de protecção e termos contratuais restritivos, permitem impedir as utilizações que excedam o mero gozo.224

Assim, o utilizador pode consumir a obra, mas já não poderá realizar qualquer reprodução ou alteração da mesma, ainda que para os mesmos fins privados, ou no âmbito de outras utilizações livres, como a citação ou o acesso à informação.

A este respeito, questiona-se se a protecção jurídica das medidas tecnológicas não terá permitido, para além do controlo de acesso enquanto instrumento técnico

222 Considerando 53 da Directiva 2001/29 223 TRABUCO, Cláudia, op. cit, cap .VI

para a protecção dos direitos, a afirmação de um “direito de acesso” a favor do autor no ambiente em linha.225

Jane Ginsburg responde afirmativamente àquela questão, dizendo que no ambiente digital, o exclusivo do autor não é apenas um “copy”-right mas igualmente um

access right, embora sujeito às mesmas limitações que o primeiro.226

Oliveira Ascensão recusa a existência de tal direito do autor, esclarecendo que o exclusivo do autor é relativo à autorização para a colocação da obra em rede, e não à utilização da obra em rede, pois esta violaria somente o direito do titular do sítio227.

Sendo embora a distinção muito importante, já que deixa de poder sustentar-se que a neutralização das medidas de protecção constitui crime de usurpação de obra protegida, a verdade é que a crescente relevância da colocação à disposição do público no conjunto das formas de exploração, o poder de controlo fáctico do titular sobre a mesma pode também constituir uma ameaça ao exercício da liberdade de expressão e ao direito à privacidade, na medida em que as condições contratuais, muitas vezes unilateralmente estabelecidas, se sobrepõem às restrições e limitações ao direito estatuídas pela lei.

Neste sentido, a Comunicação da Comissão Europeia de 2004, relativa à gestão do direito de autor, relembrou que os sistemas de gestão digital de direitos não constituem, eles próprios, uma alternativa às políticas jusautorais definidas pelo legislador, que estabelecem os critérios de protecção dos direitos bem como de previsão de excepções e limitações.228

A este propósito, Oliveira Ascensão alerta para o desequilíbrio criado pela generalização das formas de acesso condicionado, uma vez que estas “têm o efeito perverso de eliminar na prática as formas de utilização livre ou os limites do

225 Questionando a emergência de um tal direito, ASCENSÃO, José de Oliveira, A transposição da

Directriz nº 01/29 sobre aspectos do direito de autor e direitos conexos na sociedade da informação,

op. cit., nota 22; e PEREIRA, Alexandre L. Dias, Informática, Direito de Autor e Propriedade

Tecnodigital, op. cit., p. 417

226 GINSBURG, Jane C., From Having Copies to Experiencing Works: the Development of an Access

Right in U.S. Copyright Law, Columbia Law School, Public Law & Legal Theory Working Paper Group,

Paper Number 8, p. 3

227 Dispositivos tecnológicos de protecção, direitos de acesso e uso dos bens, op. cit., pp. 105-106 228 COMISSÂO EUROPEIA, Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao

Comité Económico e Social Europeu - Gestão do direito de autor e direitos conexos no mercado interno, COM/2004/0261 final, nº 1.2.5

direito de autor, pois todos os acessos passam a ser condicionados e onerosos, ainda que por lei estejam cobertos por um limite em benefício do utilizador.”229 Este modelo de “acesso condicional” levanta, por isso, sérias dúvidas quanto à sua constitucionalidade, pois não garante o respeito pela liberdade de cópia privada.230

Oliveira Ascensão faz por sua vez uma interpretação restritiva do art. 222º, à luz do art. 75º, nº 5 do CDADC.231 Para o Professor, o acordo entre titulares e

utilizadores referido pelo art. 222º, que excluiria a aplicação das normas que garantem o exercício das utilizações livres aos seus beneficiários, não pode abranger toda e qualquer comunicação a pedido (interactiva), sob pena de esvaziar o sentido do art. 75, nº 5, que fere de nulidade toda e qualquer cláusula contratual que vise eliminar ou impedir o exercício normal pelos beneficiários das utilizações livres. Assim, o art. 222º ressalva apenas o livre acordo entre as partes quanto às formas de exercício daquelas utilizações, nomeadamente em relação às remunerações equitativas.

Como tal, o acordo a que se refere o art. 222º deve ser interpretado como um “acordo específico, seja colectivo seja individual, entre o prestador do serviço em rede e o utente”; caso contrário, tratando-se por exemplo da “mera adesão forçada do utente às condições preformuladas em linha”, aplica-se o “princípio de injuntividade” do art. 75º, nº 5, que impede as cláusulas contratuais de suprimirem as utilizações livres garantidas pela lei.232

Neste sentido, é muito relevante a recente proposta de Directiva sobre os direitos de autor no mercado único digital233. Esta proposta introduz certas excepções e

limitações aos direitos, que beneficiam a prospeção de textos e dados (art. 3º), a utilização de obras e outro material protegido em atividades pedagógicas transnacionais e digitais (art. 4º) e a conservação do património cultural (art. 5º).

229 ASCENSÃO, José de Oliveira, Obra audiovisual. Convergência de tecnologias. Aquisição originária

do direito de autor, op. cit., p. 256. Ver também VICENTE, Dário Moura, Direito de autor e medidas

tecnológicas de protecção, op. cit., §10 e 11.

230 PEREIRA, Alexandre L. Dias, Pirataria e cópia privada, op. cit., p.133

231 ASCENSÃO, José de Oliveira, Dispositivos tecnológicos de protecção, direitos de acesso e uso dos

bens, op. cit., pp. 116-117

232 Ibid.

233 Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos de autor no

Estabelece-se de seguida, no art. 6º, que “o artigo 5.º, n.º 5, e o artigo 6.º, n.º 4, primeiro, terceiro e quinto parágrafos, da Diretiva 2001/29/CE são aplicáveis às exceções e limitações previstas no presente título.” Ou seja, aplica-se a regra dos três passos, e obrigam-se os Estados-Membros a assegurar que os beneficiários têm à disposição os meios que lhes permitem beneficiar dessas excepções.

Por outro lado, ao omitir a aplicação do parágrafo 4º daquela disposição, que afirma os Estados não podem tomar medidas para garantir para assegurar as utilizações livres no caso de obras colocadas à disposição do público, isso significa que os Estados poderão assegurar o cumprimento das novas excepções mesmo em relação a serviços a pedido.

3.3.3. Afastamento do princípio do esgotamento do direito de distribuição