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3 A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA: UMA TEORIA

3.2 ARGUMENTAÇÃO LINGUÍSTICA E ARGUMENTAÇÃO RETÓRICA

3.2.1 A argumentação retórica por Aristóteles

3.2.1.2 Meios de persuasão: a retórica aristotélica

A retórica aristotélica é uma continuidade daquela apresentada em Fedro, de Platão, não procurando persuadir, mas ver seus meios de persuasão, teorizando sobre eles. Dessa forma, Aristóteles acaba contestando (apesar de se basear na retórica apresentada em Fedro) a retórica como duas vertentes, a saber, a sofística e a filosófica. Para o retórico grego, ela abrange três campos: 1) uma teoria da argumentação (eixo principal que fornece o nó de sua articulação com a lógica demonstrativa e a filosofia), 2) teoria da elocução e 3) teoria da composição do discurso, formando a tríade retórica- prova-persuasão.

Podemos afirmar ainda que ela aborda dois tratados: a retórica e a poética. A retórica trata da arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos; já a poética é uma evocação imaginária, um discurso feito com fins específicos e imaginários. Com esses dois sistemas, delineiam-se duas formas de compreender a retórica aristotélica: a divisão da retórica e da poética constitui a retórica puramente aristotélica e a junção delas se denomina uma neorretórica. Neste estudo, abordaremos a retórica clássica, ou seja, a retórica da prova, do raciocínio, do silogismo retórico, formando uma teoria da argumentação persuasiva, podendo ser aplicável em qualquer assunto.

A partir do entimema e da persuasão, Aristóteles (2012) apresenta seus meios para alcançar tal objetivo. Delineando ambos, vamos desenvolver, brevemente, em um primeiro momento, o entimema. O entimema é um silogismo composto de duas premissas e uma conclusão. É formado por poucas proposições que, em geral, são aceitas pela maioria das pessoas, facilitando a compreensão dos ouvintes e a persuasão, apresentando duas formas de aplicação: o entimema demonstrativo e o entimema refutativo. Explicando melhor, podemos dizer que o entimema demonstrativo é aquele em que a conclusão se obtém a partir de premissas com as quais se está de acordo, o refutativo conduz a conclusões que o adversário não aceita. Um exemplo de silogismo clássico é o enunciado Todo homem é mortal (premissa maior), Sócrates é homem (premissa menor), logo Sócrates é mortal (conclusão).

Considerando o exemplo, eles são baseados em fatos que acontecem repetidamente, relacionando partes e semelhantes. O exemplo é dividido em duas vertentes: 1) os que provêm de fatos passados e 2) os que são criados pelo próprio

orador, como as parábolas e as fábulas esópicas e líbicas. Resgatando um exemplo de parábola em Aristóteles (2012:136), temos: “os magistrados não devem ser escolhidos ao acaso, porque isso é como se alguém escolhesse atletas por sorteio, não os que são capazes de competir, mas o que a sorte designasse”. O exemplo conduz, então, à indução, sendo um segundo meio de persuasão efetivo.

Logo, percebemos que tanto o entimema quanto o exemplo são meios de persuasão que utilizam recursos diferentes para conseguir convencer seu público-alvo. Baseando-nos nessas ferramentas, mostraremos como funciona a retórica de Aristóteles, tomando os dois meios de persuasão no detalhe.

Figura 33: Meios de persuasão

Fonte: Figura elaborada pela autora

Os meios de persuasão de Aristóteles são entimemas representados por silogismos que têm duas formas de aplicação: o entimema demonstrativo e o entimema refutativo. Já o exemplo é representado por uma indução e tem duas formas de aplicação: os fatos passados advindos da história e os fatos criados pelo próprio orador, como fábulas e parábolas.

Primeiramente, vamos reforçar o que é retórica para Aristóteles: faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada. Assim, as suas regras podem ser aplicadas a quaisquer gêneros. Desmembrando a retórica aristotélica, temos as provas técnicas e as provas não técnicas. Essas dizem respeito aos testemunhos, às confissões sob tortura, documentos escritos, entre outros. Já aquelas são todas as que podem ser preparadas pelo método e por nós próprios.

Em relação ao segundo passo, temos as três formas de persuasão. A primeira, a lógica do assunto (logos) procura mostrar o que é verdade ou parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular. O caráter do orador (ethos) considera que ele é digno de fé, ou seja, ele é uma pessoa honesta. Aristóteles ratifica, no entanto, que essa credibilidade deve vir a partir do discurso proferido, e não da opinião prévia sobre o caráter do orador. Já a emoção dos ouvintes (pathos) trata da emoção despertada (tristeza, alegria, amor, ódio) por meio do discurso. Com a reação do ouvinte, o orador saberá se sua retórica está provocando os sentimentos “certos”.

Como as provas de persuasão se obtêm através dos três meios mencionados, o orador que for capaz de formar silogismos e conseguir teorizar sobre os caracteres, as virtudes e as paixões será bem sucedido. Essa configuração se estabelece porque a retórica surgiu a partir da dialética69, que oferece um contraposicionamento de ideias visando chegar a um objetivo. Cabe à dialética e à retórica utilizar as mesmas ferramentas para comprovar os seus meios de persuasão: indução, silogismo e silogismo aparente. O exemplo é uma indução, o entimema é um silogismo e o entimema aparente é um silogismo aparente. Aristóteles ainda afirma que a demonstração de certas premissas faz resultar delas uma proposição nova e diferente, uma vez que elas são quase sempre verdadeiras. A consequência disso é que teremos na dialética o silogismo e na retórica o entimema. A essas duas formas de persuadir, o filósofo grego chama de exercício paradigmático e de exercício entimemático. Este tem aceitação maior, apesar de usar os mesmos recursos daquele.

Explicando detalhadamente o silogismo e o entimema, podemos afirmar que os silogismos se formam a partir de relações feitas por premissas. Essas premissas não são admitidas por todos e nem são plausíveis. Entram aí o entimema e o exemplo, o

69 De acordo com Stanislas (1964), dialética é uma forma de diálogo que apresenta a contraposição e a contradição de ideias que levam a outras ideias.

exemplo como indução, o entimema como silogismo, com poucas premissas, compreendidas, muitas vezes, pelo ouvinte. Derivam dos entimemas probabilidades e sinais, tornando essencial a identificação de cada entimema com sua classe correspondente. Por probabilidade compreende-se como o universal se relaciona com o particular. Por sinais, a relação do particular para o universal e do universal para o particular. Desses sinais, têm-se os necessários e os não necessários. Os necessários são argumentos irrefutáveis, capazes de formar um silogismo, já os não necessários não têm uma terminologia específica.

Exemplificando esses sinais, Aristóteles afirma que temos o particular em relação ao todo quando temos o sinal de que os sábios são justos e disso conclui-se que Sócrates era sábio e justo. O sinal necessário, por sua vez, relaciona o fato de uma pessoa estar doente e por isso ter febre. Já a relação do universal ao particular acontece quando alguém diz que a respiração rápida é sinal de febre.

Quanto ao exemplo, ele é uma indução da parte para a parte, do semelhante para o semelhante. Assim, para a existência de um exemplo, têm-se dois termos de um mesmo gênero, sendo um mais conhecido que o outro.

Retornando aos silogismos retóricos e dialéticos, Aristóteles reitera que são aqueles que temos em mente quando falamos de tópicos, ou seja, quando falamos de princípios ou fontes de argumentação de natureza lógica ou retórica, sendo lugares- comuns em questões de direito, de física, de política e de muitas outras áreas. Distinguir ambos os silogismos é uma tarefa difícil, visto que se torna necessário buscar seus princípios para estruturar o silogismo, escapando da dialética e da retórica. Por exemplo, as premissas sobre questões de física não admitem nenhum silogismo ou entimema aplicável à ética, obrigando o orador a especificar sua escolha, particularizando o assunto. O filósofo grego afirma que há uma prevalência de entimemas específicos e particulares em relação aos comuns. Os entimemas têm uma espécie70 e um lugar71 diferente e são determinantes para a compreensão do diálogo persuasivo.

70Premissas próprias de cada gênero. 71 Premissas comuns a todos os gêneros.

Figura 34: “Esqueleto” da retórica de Aristóteles

Fonte: Figura elaborada pela autora

O “esqueleto” da retórica de Aristóteles é composto por sete fatores: 1) as categorias formais de persuasão, 2) as formas de persuasão, 3) as espécies de retóricas, 4) os argumentos retóricos, 5) os tópicos, 6) o estilo e a composição e 7) a classificação e a ordenação do discurso. Cada uma dessas funções oferece ao orador diferentes ferramentas para chegar a uma persuasão efetiva.

Vemos, então, que a retórica de Aristóteles está centrada nos entimemas e suas provas, sendo elas provedoras das verdades. Notamos que Ducrot (2005) se serve de Aristóteles para elaboração de seu quadrado argumentativo. Abordaremos no capítulo 5 que Ducrot utiliza apenas o desenho do quadrado para formar os blocos, não sua noção lógica que remete à verdade e nem as relações assim formalizadas. Como a Teoria da Argumentação na Língua busca no discurso uma explicação para a língua, compreende- se que o quadrado aristotélico não possa ser usado em sua plenitude, uma vez que a semantização é desconsiderada. Na seção a seguir, mostraremos a argumentação retórica de Chaïm Perelman, que reforça a retórica de Aristóteles e nega aquela de Platão.