• Nenhum resultado encontrado

2 RÁDIO E TELEDIFUSÃO COMO INSTRUMENTOS DO DIREITO À LIBERDADE DE

2.4 Meios para o exercício da liberdade de expressão: corte epistemológico

324 BARROSO. Luis Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988. In ______. Temas de direito constitucional, tomo I. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 365.

325 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito à informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 51.

Vista a liberdade de expressão como direito fundamental assegurado na lei maior, a partir do qual se permite a expressão do sentimento religioso e do proselitismo, e firmadas as principais posições jusfundamentais relacionadas a dimensão defensiva e protetiva deste direito, faz mister dedicar algumas linhas a respeito dos meios que poderão ser empregados no seu exercício.

O desejo de expressar ideias e concepções é tão antigo quanto a própria existência humana. Prova disto é a descoberta de diversas pinturas rupestres realizadas pelos humanos mais primitivos, com o intuito de retratar o seu modo de vida. O desenvolvimento da fala seguramente representou uma revolução no que toca a comunicação humana, possibilitando os indivíduos expressarem e defenderem suas ideias , concepções e percepções dos diversos domínios da vida.

A revolução neolítica, que marca o período em que o desenvolvimento da agricultura e da pecuária permitiram ao homem fixar morada em um local, deixando a condição de nômade, possibilitou o surgimento das cidades. Tão logo, surgiu a escrita verificada em civilizações cuja existência data de milênios atrás. Agora o homem poderia propagar ideias sem a necessidade de estar no mesmo local do seu interlocutor.

Como dito alhures, a prensa móvel, um processo gráfico aperfeiçoado por Johannes Guttenberg no século XV, passou a ser utilizada a partir do século XVIII para imprimir jornais, o que representou a possibilidade de pulverização de ideias. É o berço da imprensa e até os dias de hoje um importante instrumento a serviço das liberdades comunicativas.326

Conforme exposto no tópico anterior, Guglielmo Marconi no começo do século XX, desenvolveu técnicas para a transmissão de ondas de rádio, o que lhe rendeu o prêmio Nobel de física de 1909 e propiciou o nascimento da radiodifusão. Na década de 1920,o rádio se desenvolveu revolucionando a comunicação social, uma vez que "a técnica de emissão de ondas hertzianas ampliou a capacidade de comunicação

326 A palavra imprensa é contemporânea do surgimento da prensa (maquina de imprimir) e originariamente conotava o próprio produto da maquina, o papel impresso. Contudo, com o passar do tempo, a palavra se desvinculou do seu sentido original e passou a designar uma atividade ou conjunto de atividades de caráter profissional e empresarial, transformando-se em um sinônimo de jornalismo. Assim, imprensa passou a designar um conjunto de processos de difusão da informação jornalística por veículos impressos (imprensa escrita) ou eletrônicos (imprensa falada). Neste sentido confira-se. LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 31-32; PIEROTH, Bodo; SCHILINK, Bernhard. Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 271.

simultânea, para alcançar a multidão dos iletrados, primeiro em lugares fixos e depois em qualquer lugar, mediante aparelhos portáteis" 327

Nos anos de 1950 a teledifusão surgiu e se desenvolveu no Brasil para se tornar, sem dúvida, o maior meio de comunicação social. Nesta senda, deve-se ter presente que "a única situação especial é que a mensagem televisiva pode atingir público de menor maturidade ou discernimento – muitas vezes destinatário passivo da comunicação -, sujeitando-o a efeitos socialmente indesejáveis na sua formação ou no seu comportamento.”328

Surgida na década de 1970, a rede mundial de computadores se popularizou na década de 1990 e nos anos 2000, transformando-se em um meio eficaz de difusão de ideias e, portanto, em um importante instrumento a serviço do direito à liberdade de expressão, inclusa a liberdade de expressão religiosa.

Neste quadrante, visto que não somente o rádio e a TV são meios de comunicação social que podem ser utilizados pelos indivíduos e pelas confissões religiosas com o intuito de disseminar sua doutrina e conquistar novos fiéis, faz-se mister esclarecer o corte epistemológico ora realizado.

Primeiramente, deve-se destacar que o alcance da mensagem comunicada no rádio e televisão é muito maior do que o promovido por outros meios. Ademais, o poder exercido por estes meios de comunicação em massa não pode ser ignorado, visto que atualmente se mostram "elementos objetivos da alteração da forma de fazer política e das relações entre o povo e seus governantes. O contato pessoal entre o político e o cidadão é cada vez mais sobrepujado pela comunicação via rádio e televisão." 329

Atualmente transformados nos maiores meios de se obter informação, não há como ignorar o poder de determinação da agenda que o rádio e a televisão possuem, ou seja, determinar os assuntos merecedores de destaque e da atenção dos cidadãos/espectadores e, via de consequência, de serem exigidos dos Poderes Públicos tornando-se pauta de reivindicações. Deve-se ter presente que a comunicação por intermédio destes meios dispensa uma postura ativa do interlocutor que tão somente

327 COMPARATO, Fábio Konder. A democratização dos meios de comunicação em massa. Revista USP. n. 48, p. 6-17, dezembro/feveriro. São Paulo, 2001, P. 10.

328 BARROSO. Luis Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988. In ______. Temas de direito constitucional, tomo I. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 347.

329 LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 143.

ouve ou a assiste a programação, permitindo aos comunicadores alcançar aqueles que não sabem ler, por exemplo.

Destaque-se ainda que, a radiodifusão necessita de meios físicos para transmissão seja dos sons, seja de imagens e atualmente a comunicação realizada por estes meios ainda é feita em grande parte por meio de ondas. Lado outro, o espectro eletromagnético por onde se transmitem tais ondas é um bem natural e limitado, o que tem por consequência a diminuição drástica do número de indivíduos (ou confissões religiosas) que se utilizarão destes meios.330

Então, tendo em vista o tamanho da população brasileira que passa dos duzentos milhões de pessoas, enquanto poucos poderão ter acesso à utilização do rádio e da televisão para difundir suas ideias, muitos ou quase todos terão acesso apenas para ouvir e assistir as mensagens.

Ocorre ainda que o espectro eletromagnético enquanto bem ambiental é um bem de titularidade coletiva e difusa, como dito alhures, de modo que não pode servir exclusivamente aos interesses de ninguém, seja do Estado seja dos particulares, pois pertencente a todos. Daí resulta justamente a necessidade de democratização do acesso a estes meios de comunicação em massa.

Nesta senda, Celso Antonio Pacheco Fiorillo assevera que:

O direito de captação da comunicação, bem como o de sua transmissão, quando baseado em ondas eletromagnéticas, teve sua gênese como direito adaptado a bem de uso comum do povo, vale dizer, tanto o Estado, a sociedade civil organizada, como o cidadão, ainda que solitário, podem exercer o direito de antena, regrados que estão, fundamentalmente, pelas diretrizes descritas no art. 1º, I a V, da Constituição Federal de 1988.331

Além do poder exercido pelo Rádio e pela Televisão, a exploração do espetro eletromagnético há muito encontra-se sob os auspícios do Estado sendo concebida como serviço público. Assim, a titularidade da exploração deste bem ambiental foi conferida ao Estado, que pode permitir que sua exploração seja realizadas por particulares, incluso confissões religiosas.

Há inclusive quem defenda que a concepção da rádio e teledifusão como serviços públicos justifica-se ante a necessidade de estabelecimento de um uso

330 Neste sentido confira-se LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 148.

331 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 183.

racionalizado do espectro eletromagnético, um bem limitado por natureza. Neste sentido, Vera Maria de Oliveira Nusdeo Lopes argumenta que "da junção da escassez com a necessidade de uso racionalizado surge inequívoca a necessidade do Estado para possibilitar o bom uso de um bem escasso e relevante para o desenvolvimento dos cidadãos e da nação."332

Assim, partindo da noção de que a prestação de um serviço público está relacionada com a satisfação de necessidades dos indivíduos, o que envolve a utilização de bens e serviços a partir de recursos escassos,333 verifica-se a inserção da rádio e teledifusão nestes requisitos da caracterização do serviço público já que diz respeito a satisfação de necessidades (a comunicação é uma necessidade fundamental no mundo contemporâneo) e a utilização de recursos escassos.

Sendo assim, uma vez que o rádio e a televisão se tornaram os meios mais privilegiados de divulgação de informações, ideias, debates, doutrinas religiosas, entre outros, e tendo em vista que poucos terão acesso a estes meios para divulgar seu pensamento, emerge para o Estado não somente o papel de disciplinar o uso racional do espetro eletromagnético do ponto de vista técnico (impedindo interferências na comunicação, por exemplo), mas de estabelecer regras para eleição dos concessionários de rádio e TV, visto seu importante papel no desenvolvimento da sociedade e o grande privilégio que possuem de explorar estações de rádio e televisão.334

Nesta quadra, a própria Carta Constitucional em seu artigo 221 determina uma série de princípios cuja realização é imperiosa no que toca à produção e a programação das emissoras de rádio e televisão. Segundo este dispositivo a produção e programação no rádio e na TV deve: preferencialmente atender a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (inciso I); buscar promoção da cultura nacional e regional além de estimular a produção independente bem como sua divulgação (inciso II); buscar a regionalização da produção cultural, artística e jornalística (III); e respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Então, em virtude do preceito constitucional supra, o Estado tem o dever de fiscalizar a observância dos princípios constitucionais da comunicação social, e de

332 LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 148.

333 Neste sentido confira-se por todos. GRAU, Eros Roberto. Contribuição para a interpretação e a crítica da ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 138-139.

334 Neste sentido, confira-se LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e televisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 149-150.

tomar o cuidado de conceder a exploração do espetro eletromagnéticos àqueles que observarão tais princípios.

Neste cenário, interessante notar se, como e em que medida o Estado pode interferir em uma manifestação religiosa quando realizada por intermédio destes meios de comunicação, tendo em vista tais princípios constitucionais a serem observados e o fato de que, não raras vezes, a liberdade de expressão religiosa poderá entrar em rota de colisão com outros direitos fundamentais daqueles que captam as mensagens veiculadas.

Tudo isto sem descurar que a proteção da liberdade de expressão religiosa é dever decorrente de dois direitos fundamentais, quais sejam: a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, emergindo como um transbordamento de ambas as liberdades que se encontram conectadas pela ponte matricial representada pela liberdade de consciência.335 Está é justamente a temática central do próximo capítulo.

335 Neste sentido, confira-se WEINGARTNER NETO, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição: fundamentalismo, pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 119.

3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO: Soluções constitucionalmente adequadas para as colisões entre o direito à liberdade de expressão religiosa e outros direitos fundamentais dos ouvintes e telespectadores

O presente capítulo, que encera este trabalho, tem por escopo o estudo acerca das soluções para o conflito do direito à liberdade de expressão religiosa, quando este se dá por intermédio do rádio e da televisão, com outros direitos dos ouvintes e telespectadores. Para tanto, ele é dividido em quatro partes: primeiramente é necessário delimitar o que se entende por discurso religioso (a mensagem religiosa expressada), delimitação esta que passa inexoravelmente pela definição do que vem a ser religião no sentido jurídico da acepção.

Em seguida se faz necessário dedicar algumas linhas à problematização do chamado discurso de ódio, perscrutando-se se de alguma forma um discurso religioso pode revelar-se como tal, o que tornaria imperiosa uma ação estatal no sentido de limitá-lo com o intuito de proteger as vítimas de tal discurso.

Após, analisa-se a colisão entre a liberdade de expressão religiosa daqueles que se utilizam do rádio e da televisão para exercitá-la e alguns direitos da personalidade dos ouvintes e telespectadores, o que revela a necessidade de compatibilização entre tais direitos, utilizando-se da ponderação como instrumento e sempre em vistas do caso concreto.

Finalmente, busca-se traçar parâmetros para soluções constitucionalmente adequadas para os conflitos entre o direito à liberdade de expressão religiosa, quando exercido no rádio e na televisão, e os demais direitos fundamentais dos ouvintes e telespectadores.