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Capítulo VIII. Discussão geral e conclusões finais 205 Referências Bibliográficas

1. A História Conceptual

1.2. Memória de Trabalho

Os défices ao nível da memória de trabalho têm sido extensivamente estudados em indivíduos com esquizofrenia e estão subjacentes a muitas perturbações cognitivas que se encontram associadas à perturbação (Goldman-Rakic, 1994).

Habitualmente descrita como um sistema de armazenagem de capacidade limitada para a manutenção e a manipulação temporária da informação, a memória de trabalho permite a manutenção das representações mentais em estado ativado, ao serviço do processamento cognitivo e do comportamento que está a ocorrer.

Os instrumentos de avaliação da memória de trabalho podem ser divididos em dois grupos: por um lado, aqueles que avaliam apenas as funções de manutenção transitória da informação e por outro, as que envolvem a avaliação da capacidade de também realizar a manipulação e a manutenção da informação, consideradas já na charneira com as funções executivas. Os estudos de memória de trabalho relacionados com as funções executivas envolvem provas de vigilância, manutenção da informação e a manipulação da mesma, tal como é o caso das sequências letras-números da WMS. Os testes de memória de trabalho fornecem, assim, um paradigma para a compreensão das funções executivas, tendo sido extensivamente estudadas na esquizofrenia (Lee & Park, 2005). Deste modo, a memória de trabalho é considerada a base do controlo executivo, dado que as regras das tarefas necessitam de estar permanentemente ativadas no sentido de influenciar a seleção e o direcionamento de outras funções cognitivas (Dickinson, Goldberg, Gold, Elvevag & Weinberger, 2011).

Os indivíduos com esquizofrenia mostram consistentemente défices significativos da memória de trabalho em variado tipo de tarefas, tendo sido demonstrado que os maiores défices se verificam naquelas que envolvem manipulação e manutenção da informação (Lee & Park, 2005).

Os effect sizes obtidos nos testes de memória de trabalho não são dos mais elevados, quando confrontados com a restante literatura na área cognitiva da esquizofrenia. Lee e Park (2005) encontraram um effect size total para a memória de

94 trabalho de 0.45, valor substancialmente inferior ao effect size global (0.92 no estudo de Heinrichs & Zakzanis (1998) e 0.98 no estudo de Dickinson e colaboradores (2007). Esta discrepância pode explicar-se considerando que o comprometimento da memória de trabalho é substancialmente amplificado no âmbito de outros processos cognitivos.

A utilização de paradigmas mais complexos para demonstração de défices executivos graves evidencia effect sizes maiores (Gur et al., 2007b). Assim, Horan e colaboradores (2008) compararam o desempenho em paradigmas de memória de trabalho verbal simples vs complexas em indivíduos com esquizofrenia, seus familiares e controlos, tendo obtido valores elevados para os doentes para os paradigmas mais executivos e médios para os paradigmas mais simples.

Os défices da memória de trabalho evidenciam uma grande estabilidade, dado que se encontram em todas as fases da patologia (Gur et al., 2007a,b; Mesholam-Gately et al., 2009; Keefe et al., 2006; Lee & Park, 2005; Heaton et al., 2001), estão presentes com a utilização ou não de medicação antipsicótica (Barch et al., 2001; Keefe et al., 2007), não sendo secundários aos sintomas clínicos da esquizofrenia (Heaton et al., 2001).

Outra questão a considerar é que os familiares não psicóticos de indivíduos com esquizofrenia demonstram défices menores, mas significativos, ao nível desta função (Conklin, Curtis, Calkins & Iacono, 2005; Horan et al., 2008; Snitz et al., 2006), pelo que o desempenho nas tarefas de memória de trabalho evidencia uma hereditabilidade significativa, tanto em indivíduos sãos (0.43 – 0.49) (Ando, Ono & Wright, 2001; Hansell et al., 2005), como nas famílias de indivíduos com esquizofrenia (Calkins et al., 2010; Tuulio-Henriksson et al., 2002; Greenwood et al., 2007; Husted, Lim, Chow, Greenwood & Bassett, 2009).

Na esquizofrenia, a neuroanatomia funcional da memória de trabalho tem sido bastante estudada, sabendo-se atualmente que o córtex dorsolateral pré-frontal e o sistema dopaminérgico, conjuntamente com o córtex parietal posterior, estão centralmente envolvidos (Wager & Smith, 2003; Cannon et al., 2005; Seidman et al., 2006).

Estes achados têm sido corroborados por estudos de neuroimagem funcional, onde se evidenciam anomalias do funcionamento pré-frontal durante a realização de tarefas de memória de trabalho (Glahn et al., 2005).

95 Em face dos resultados de inúmeros estudos de avaliação desta capacidade em indivíduos com esquizofrenia, o comprometimento da memória de trabalho tem vindo a ser considerado um endofenótipo putativo.

1.3. Aprendizagem verbal e memória

A associação entre esquizofrenia e défices ao nível da aprendizagem e memória verbais também se encontram bem estudados; estes também são considerados dos défices mais graves que qualificam a patologia (Aleman et al., 1999; Heinrichs & Zakzanis, 1998; Seidman, Cassens, Kremen &Pepple, 1992; Cirillo & Seidman, 2003), com effect sizes oscilando entre 1.0 – 1.5 desvios padrão da normalidade.

Estes défices aparentemente são estáveis, ocorrendo em diferentes fases da psicose (Cirillo & Seidman, 2003; Kristian, Beers, Kmiec, Keshavan & Sweeney, 2004; Kravariti, Morris, Rabe-Hesketh, Murray& Frangou, 2003; Turetsky et al., 2002; Tuulio-Henriksson, Partonen, Suvisaari, Haukka & Lönnqvist, 2004; Mesholam-Gately et al., 2009) e existem previamente à instalação da patologia, não sendo influenciados significativamente pelo uso dos fármacos antipsicóticos (Thornton, Van Snellenberg, Sepehry & Honer, 2006).

Os familiares biológicos dos indivíduos com esquizofrenia também evidenciam défices ao nível da aprendizagem e memória verbais, mas geralmente estes são mais ligeiros (Gur et al., 2007b; Faraone et al., 1999; Kremen & Hoff, 2004; Cirillo & Seidman, 2003; Faraone et al., 1995; Faraone et al., 2000), o que sugere que estas perturbações devem refletir características intrínsecas da patologia.

A memória nos adultos jovens evidencia uma elevada hereditabilidade, havendo evidência de que os défices a este nível na esquizofrenia também o sejam (Husted et al., 2009; Wang et al., 2010; Calkins et al., 2010).

Da conjunção destes dados, a memória tem sido considerada uma boa candidata a endofenótipo putativo da esquizofrenia.

1.4. Funções executivas

As funções executivas são capacidades cognitivas de elevada ordem de complexidade, podendo ser definidas como o conjunto de processos que estão