• Nenhum resultado encontrado

Memória e lembrança, memória e esquecimento

2. OS ESPAÇOS DA MEMÓRIA

2.3 Memória e lembrança, memória e esquecimento

Lidar com o passado não é empresa fácil. Disso certamente sabem as narradoras dos dois romances. Reconstituição que resvala para vias quase sempre duvidosas, de traçado sinuoso ou mesmo incompleto. No entanto, se nunca se recupera totalmente o que passou, ainda assim o passado se erige como referência para o presente: seja o passado buscado pela história, pela memória coletiva ou pela memória individual. O conhecimento do passado, conforme vem apontando a análise, mostrou estarem as narradoras voltadas à história familiar como fonte de modelização coletiva das experiências que informaram suas próprias histórias individuais. Deste modo, tangências e/ou interseções entre campos distintos são inevitáveis:

seja a relação entre memória e história, aí incorporadas a tradição e a coletividade, seja a busca da memória individual propriamente dita (tema a ser tratado nesta seção), no dilema constante entre o lembrar e o esquecer, relação pendular que afeta, sem dúvida, as narradoras dos romances.

Talvez se pudesse tentar, ainda que preliminarmente, uma configuração da trajetória da memória individual em cada romance. No romance de Hatoum, a despeito das dificuldades manifestadas pela narradora para a reconstituição do passado, sua busca parece enfrentar o desafio da memória, através da opção declarada pela lembrança dos fatos que ficaram para trás; ainda que vislumbre um possível fracasso, a narradora quer resgatar o passado da família a todo custo, fazendo com que a memória desse passado tente pautar-se pelos ditames do lembrar, aqui compreendidas todas as lembranças que possa recolher por si mesma e pelos outros membros da família. Já em Antunes, a memória parece ser buscada a partir de outro jogo relacional, no qual o lembrar não se configura como tentativa manifestada pela narradora para o recolhimento dos fatos do passado, mas parece camuflar-se, inversamente, no esquecer; por não poder e/ou não querer lembrar, a memória de Maria Clara opera em campo oposto ao da narradora de Hatoum, já que, quanto mais esquece, mais é levada a lembrar-se de um passado que passa a ter expressão como factualidade construída e manipulada por vias da ficção. Memória que, por não ter de que se lembrar (ou não querer), se inventa (ou se reinventa) como esquecimento.

Naturalmente que essa formulação inicial não poderá ser considerada com base em uma articulação dicotômica entre uma linha construída integralmente pelo lembrar e outra pelo esquecer. Os movimentos da memória seguidos pelos romances não os colocam em polos diametralmente opostos. O esquema suposto amplia-se, então, buscando acompanhar tais movimentos em cada romance, considerando o percurso de cada um, seja pela pretensão do romance de Hatoum de abarcar o passado pela lembrança, seja pela opção mais ostensiva do de Antunes por dele distanciar-se e enveredar por uma trajetória marcada pelo esquecimento, procurando perceber também em que medida tais linhas supostamente contrárias se vão interpenetrando, absorvendo propriedades que pressupõem a reciprocidade entre as mesmas. A análise, cabe reafirmar, está atenta a formulações teóricas da memória24

24

cf. Todorov, em seu Les abus de la mémoire (trad.nossa): “É preciso de início fazer lembrar uma evidência: a memória não se opõe de modo algum ao esquecimento. Os dois termos que se opõem são o apagamento (o esquecimento) e a conservação; a memória é, sempre e necessariamente, uma interação entre os dois termos. A recuperação integral do passado é algo certamente impossível (mas que Borges imaginou em sua história Funes

o memorioso), e , por extensão, aterrorizante; a memória é necessariamente uma seleção: alguns acontecimentos

que situam o lembrar e o esquecer para além da relação de exclusão, seguindo-os mesmo em sua relação de interação e/ou pressuposição.

No romance de Hatoum, encontram-se inúmeras passagens em que a memória nomeia explicitamente a lembrança como modo de recuperação do passado. O lembrar, textualmente reiterado por todo o romance, parece ser o eixo em torno do qual deve gravitar a busca do passado.

Logo no primeiro capítulo, em que a narrativa está a cargo da narradora principal, é a lembrança que vai estabelecer as marcas da memória a ser recuperada. O romance, que se inicia com o retorno da narradora à casa da infância, articula a lembrança a partir de distintas dimensões de temporalidade. A primeira constatação da lembrança é imediata à sua chegada, memória mais próxima, portanto: “Lembro que adormecera observando o perfil da casa fechada e quase deserta, tentando visualizar os dois leões de pedra entre as mangueiras perfiladas no outro lado da rua”. (HATOUM, 1989, p.9). Ora, essa lembrança, dada a explicitar sua chegada ao lugar do passado, também a coloca já em uma situação retrospectiva, se considerarmos que a ela é imposta a identificação dos dois leões de pedra: simples tentativa de visualização, mero ajuste ótico, portanto, ou tentativa de reconhecimento de uma lembrança do passado?

Mais adiante, à memória é exigido um mover-se esgarçado em direção ao passado, desta vez como prova incontestável da opção da narradora por fazer da lembrança o motor que desvendará os enigmas da casa e da família. Qualquer lembrança deve ser perseguida e tentada como esclarecimento do que ficou para trás; deste modo, explica-se o empenho da narradora em identificar dentre as lembranças do passado a mulher que a recebeu por ocasião de sua chegada:

Eu procurava reconhecer o rosto daquela mulher. Talvez em algum lugar da infância tivesse convivido com ela, mas não encontrei nenhum traço familiar, nenhum sinal que acenasse ao passado. Disse-lhe quem eu era, quando tinha chegado, e perguntei o nome dela.

- Sou filha de Anastácia e uma das afilhadas de Emilie – respondeu.

Com um gesto, pediu para eu entrar. Já havia arrumado um quarto para mim e preparado o café da manhã. A atmosfera da casa estava impregnada de um aroma forte que logo me fez reconhecer a cor, a consistência, a forma e o sabor das frutas que arrancávamos das árvores que circundavam o pátio da outra casa. (HATOUM, 1989, p.9-10)

O reconhecimento do rosto daquela mulher em algum lugar da infância coloca a narradora diante da busca de uma imagem do passado que possa esclarecer o presente. Deste modo, como considerar essa atitude da narradora, ávida do reconhecimento do passado no presente e depositando na imagem que venha recuperar do passado a garantia de sua empresa de acionar as lembranças da infância? Como não deixar de acompanhar, por isso mesmo, sua opção por se distanciar de uma imaginação precipitada do passado e por se fixar, inversamente, no que essa temporalidade venha resgatar como imagem plausível desse passado no presente?

Aqui o encaminhamento da análise segue mais uma vez as pegadas de Paul Ricoeur (2007), mais especificamente na primeira parte da obra referida no capítulo inicial deste trabalho, parte esta intitulada “Da memória e da reminiscência”. Partindo do confronto entre memória e imaginação, o autor deste modo situa a questão:

O problema suscitado pela confusão entre memória e imaginação é tão antigo quanto a filosofia ocidental. Sobre esse tema, a filosofia socrática nos legou dois

topoi rivais e complementares, um platônico, o outro aristotélico. O primeiro,

centrado no tema da eikon, fala de representação presente de uma coisa ausente; ele advoga implicitamente o envolvimento da problemática da memória pela da imaginação. O segundo, centrado no tema da representação de uma coisa anteriormente percebida, adquirida ou aprendida, preconiza a inclusão da problemática da imagem na da lembrança. É com essas versões da aporia da imaginação e da memória que nos confrontamos sem cessar. (RICOEUR, 2007, p.27)

A herança grega, sintetizada por Ricoeur em sua formulação platônica e aristotélica, pode certamente orientar a leitura do trecho inicial do romance, acima destacado.

Deste modo, pensando a questão da memória como “a representação presente de uma coisa ausente”, pode-se supor a eikon produzida pela narradora não propriamente em sua dimensão fantasmática, segundo Platão, mas como uma distorção a ser necessariamente desfeita, haja vista ser a relação passado/presente marcada pela relação de reciprocidade entre presença e ausência, reciprocidade essa tomada pela narradora como ausência que se recupera e se torna presente. Ora, conforme o exemplo destacado, parece-me que a narradora de Hatoum não quer ver seu projeto de memória abalado por essa aporia entre memória e imaginação; daí, enfrentar o desafio da eikon não pelo envolvimento da memória à imaginação, mas buscando eliminar a aporia pela afirmação da imagem que efetivamente possa ser reconhecida como marca indelével do passado no presente, aproximando-se, talvez,

da inclusão aristotélica da problemática da imagem na da lembrança, como diz o texto de Ricoeur.

No entanto, conforme atesta o exemplo destacado do romance, a busca da narradora, ainda que privilegie a imagem como possibilitadora da memória, é também determinada pela reconstituição de uma imagem que possa referendar o reconhecimento do rosto da mulher que vê no presente de sua chegada a casa como adequação, plausibilidade ou mesmo verdade, o que ainda parece de certa forma circunscrever sua memória na chave da verdade platônica. Seu empenho pela lembrança do passado deve ser direcionado à recuperação da imagem mais fiel possível do mesmo; e, ainda que a tentativa seja vã, firma a narradora sua opção por buscar “em algum lugar da infância”, conforme diz no texto, a imagem adequada entre passado e presente, entre a mulher que lhe “acenasse ao passado” e que lhe pudesse explicar a mulher que tinha diante de si no presente. Talvez se possa ver aqui representado no exemplo o confronto aludido por Ricoeur entre as duas versões da aporia da imaginação e da memória, confronto esse que tensiona a memória da narradora nesta passagem do romance.

Ainda a observar, no exemplo destacado, a memória mais facilmente recuperada pela narradora, ao reconhecer no aroma da casa no presente o aroma das frutas da infância, memória do passado que se dá também pela identificação sensorial entre o agora da casa e o que a casa recendia outrora. A essa memória sensorial a análise ainda voltará.

A consideração da imagem como possibilidade de consecução da memória também está expressa em algumas passagens do romance, como a seguinte a respeito do fotógrafo Dorner:

Mas a memória era também evocada por meio de imagens; ele se dizia um perseguidor implacável de “instantes fulgurantes da natureza humana e de paisagens singulares da natureza amazônica”. Há tempos ele se dedicava à elaboração de um “acervo de surpresas da vida”: retratos de um solitário, de um mendigo, de um pescador, de índios que moravam perto daqui, de pássaros, flores e multidões. (HATOUM, 1989, p.59)

Ou então em relato do próprio Dorner:

No percurso entre o porto e o restaurante tive que evitar algumas pessoas que já sabiam da notícia. É assim a vida na província: um amigo teu desaparece, e logo uma atmosfera mórbida toma conta da cidade; surgem, primeiro, as indagações indiscretas; depois, as insinuações perversas e delirantes sobre a vida da vítima, quando ainda não acreditamos na perda do amigo, e o nosso sentimento oscila entre

a esperança de sobrevivência e a nostalgia que já se configura, até se tornar uma comunicação secreta, uma conversa silenciosa com o passado. Não sem um certo arrependimento, eu pensava: por que não levara Emir para a casa dos Ahler? Por que fotografá-lo com a orquídea na mão e deixá-lo vagar, atordoado, a um passo do desastre? Aquelas imagens de Emir, ainda vivas na minha memória, estavam registradas no filme da câmera que eu esquecera no La Ville de Paris. (HATOUM, 1989, p.66)

Naturalmente que os trechos destacados, diretamente relacionados ao fotógrafo

alemão, não podem ser desvinculados da representação imagética que o mesmo faz dos fatos tanto do presente quanto do passado. Talvez o “acervo de surpresas da vida”, a que se refere o primeiro exemplo, possa sintetizar seu modo próprio de resgatar, através dos retratos, as marcas dos seres que passaram por sua câmera fotográfica; tais retratos, por não se confinarem ao espaço físico do registro pelo filme, passam a ser redimensionados como instância de uma memória que se dá a perceber através de imagens evocativas do passado e que são obtidas a partir das imagens concretas e particulares das fotos. Ou seja: cada imagem evocada pelo retrato parece ir além, sempre mais além de si mesma, evocando, entretanto, uma temporalidade aquém dela mesma, como passado que é. Quanto às fotos de Emir, especialmente relacionadas a um episódio doloroso do passado, passam a aludir à forma tensa e conflituosa da memória para Dorner: o filme esquecido no restaurante registra uma imagem, a fotográfica, que se expande retrospectivamente em direção às tantas imagens da dor pela perda do amigo, imagens essas que povoam sua memória e preenchem, como lembrança viva, o vazio insuportável de sua conversa silenciosa com o passado, segundo expressão do próprio Dorner. Se sua memória do passado não tem sons ou ruídos, tal silêncio é compensado por uma memória em que imagens fotográficas desencadeiam imagens do passado, constitutivas das lembranças de Dorner; mais uma vez, portanto, a imagem concebida na consecução da lembrança.

Em outras passagens, a busca pelas lembranças do passado também parece direcionar a empresa da memória da narradora. Daí que expressões como “lembrar perfeitamente”, reiteradas nas páginas iniciais do romance, constituem marcas textuais dessa obsessão pela lembrança, tanto mais que a plena recuperação do passado é empresa vã, disso sabe a narradora. Quer certamente compensar a resistência da memória na elucidação do passado pela afirmação de uma lembrança que deve ser buscada e expressa também textualmente, referendando sua posição de narradora que narra sua própria tentativa de resgate do passado pela memória.

Ao longo do romance, várias são as passagens em que nos deparamos com a formulação da lembrança como instância interativa entre personagens, já que o lembrar parece ser dado como um pacto a ser firmado entre os membros da família. O resgate do passado não é projeto apenas estabelecido pela narradora, mas contingência a ser experienciada por todos, uma vez que a memória individual da narradora passa também pela recuperação das memórias individuais de todos que viveram na casa libanesa e cujas lembranças devem ser resgatadas como uma memória que dê conta do espaço da infância, talvez irrecuperável, pressente a narradora.

Provavelmente por esse motivo o romance enfatize a lembrança da narradora sempre articulada à dos demais personagens. Na segunda parte do primeiro capítulo, em que a narradora tem como interlocutor o irmão biológico, suas lembranças estão voltadas à pequena Soraya Ângela e a seu triste destino.

Tu ainda engatinhavas naquele natal de 54 e Soraya Ângela era a minha companheira. Quase sempre choramingavas quando ela aparecia, querendo brincar contigo e te acariciar; é verdade que o olhar dela, de espanto, e os gestos bruscos eram de meter medo a qualquer um. Lembro que era rejeitada pelas crianças da vizinhança e ela mesma percebia isso porque resignava-se a brincar com os bichos e fazia diabruras com eles, montando nas ovelhas e torcendo-lhes as orelhas ou enodando o rabo dos macacos. Ela malinava com uma fúria que realmente amedrontava, mas depois ria e aquietava e nos olhava com aqueles olhos graúdos e escuros, como se algum prodígio fosse acontecer após aquele olhar: o som de uma palavra, mesmo mal articulada, ou de uma sílaba soprada pela impaciência ou revolta. (HATOUM, 1989, p.13)

A lembrança, sem dúvida, é o eixo em torno do qual se dá a busca do passado pela narradora – “Lembro que” -, empresa que pressupõe o envolvimento do irmão em um deixar- se levar pelo mar de lembranças da infância: a considerar no exemplo que o papel da lembrança se torna tanto mais decisivo para a narradora quanto mais for ela capaz de incorporar o irmão a seu universo memorialista. Deste modo, vale ressaltar o modo pelo qual a narradora inicia o capítulo, com uma explícita referência ao irmão como um tu a quem cabe também passar pela experiência da memória, comprometendo-se com a lembrança como forma de desvendar as névoas da infância.

O trecho a seguir também integra o primeiro capítulo:

Não sei se tu te lembras de Soraya Ângela, do seu sofrimento e da sua morte atroz. Ela engatinhava para brincar contigo, e vocês catavam os sapotis crivados de

dentadas de morcegos. Quantas vezes tu te acordaste assustado com os cachos negros pendurados no teto do quarto, e no dia seguinte eu te mostrava o rombo na tela dos janelões, por onde transitavam os morcegos até que a claridade os levasse à caverna escura da copa do jambeiro para sorver o soro das frutas.

Estavas ausente naquela manhã. Emilie te levara ao mercado, os tios dormiam e Samara Delia madrugava na Parisiense com vovô. Tudo aconteceu de uma forma rápida e inesperada, como se o golpe fulminante da fatalidade perseguisse o corpo de Soraya Ângela. (HATOUM, 1989, p.14-15)

Aqui, não se trata apenas da afirmação da lembrança a cargo da narradora, mas de um lembrar insinuado como percurso a ser efetivamente seguido também pelo irmão – “Não sei se tu te lembras” - e, indiretamente, fazendo menção à esfera do esquecer. Assim, fecha-se o ciclo: se a lembrança de um pode ser o esquecimento do outro, ao irmão deve ser aventada a possibilidade do lembrar não só como fator de sua inclusão no próprio projeto de memória da narradora, mas também como forma de evitar o risco maior do esquecimento.

Essa afirmação da lembrança para impedir o esquecimento também aparece em outras passagens do romance através do enunciado “Tu deves lembrar”.

Seja na fala de Hakim à narradora:

A amizade de Emilie com Lobato foi louvada por uns e tripudiada por outros. Tu deves lembrar o atroz sofrimento de seu Américo, genro do Comendador, nossos vizinhos de linhagem lusitana; desde que aprendeu a andar tomava diariamente uma injeção de insulina. Emilie não se conformava com essa terapêutica “bárbara” e aconselhou Esmeralda a procurar Lobato. Foi uma afronta para os médicos daqui. (...) Soube que viveu muitos anos aos cuidados da medicina de Lobato. (HATOUM, 1989, p. 94)

Seja na própria fala da narradora ao irmão:

Tio Emílio chegou antes do médico. Acompanhava-o duas freiras da Santa Casa de Misericórdia, que prestaram em vão os primeiros socorros.Tu deves lembrar dessas religiosas que às vezes apareciam em casa após as novenas, e, certa vez, foste repreendido por Emilie quando quiseste manusear como um brinquedo ou uma espada o crucifixo que brilhava no centro do hábito negro. Elas quiseram levá-la ao hospital, mas Hector, ao examinar a fenda na cabeça dela e tirar-lhe a pressão, afundou o rosto na almofada, ao lado da cabeça de Emilie. (HATOUM, 1989, p.139-140)

Em ambos os exemplos, o “tu deves lembrar” pode ser tomado como uma estratégia discursiva para que fatos permaneçam na memória dos personagens: no primeiro, a necessidade da lembrança, relacionada a um personagem referido textualmente como vizinho na linhagem lusitana, passa na verdade a direcionar-se mais amplamente às crendices de Emilie, decisivas para a compreensão de seu mundo de dubiedades, em que à religiosidade professada pela matriarca misturam-se as coisas da terra, com suas ervas milagrosas e sua medicina natural; no segundo, a lembrança das duas freiras como necessária à afirmação da vivência religiosa de Emilie, considerada a situação limite de sua morte, assistida pelo médico e motor das lembranças da dor que afeta a família. Assim, os exemplos do texto parecem fazer do lembrar uma premência rememorativa de fatos ou situações da vida da família, lembranças essas que passam a irradiar algo maior que o indicado pelo “tu deves lembrar”. Lembrar do vizinho, genro do Comendador, faz-se necessário como forma de, extensivamente, lembrar da matriarca e de sua condição de imigrante libanesa em Manaus, aí implícita sua forma singular de absorção da terra manauara. Lembrar das religiosas e do crucifixo sobre o hábito negro, por ocasião da morte de Emilie, talvez também corrobore (a despeito de sua absorção das crendices, conforme mencionadas acima) o contexto católico no

Documentos relacionados