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3.3 NOVAS TECNOLOGIAS: INTERNET E EDUCAÇÃO

3.3.1 Memória e Transmissão Cultural

Os modos como a história tem sido guardada desde os primórdios nos dão a direção do quanto é importante o passado do coletivo social das antigas gerações para a aprendizagem das novas gerações. Essa aprendizagem está relacionada com a passagem do ser biológico para o ser cultural da criança.

A história da memória se divide em períodos. O primeiro é o período da história da memória primária que nos remete aos tempos em que ainda não existia a escrita. As lembranças dos indivíduos são a base cultural daquelas sociedades. A inteligência está ligada à capacidade de memorização. A memória coletiva que Le Goff (2003) designa para os povos sem escrita diz respeito aos mitos de origem que confundem história e mito, como os relatos do início do reino. Na constituição social dos povos sem escrita, existem os governadores da história, responsáveis por guardar genealogias, códigos, histórias objetivas e ideológicas que mantinham a coesão do grupo. A idade coletiva do grupo, o prestígio dos dominadores e o saber técnico ligado

às questões religiosas são as características que marcam a maioria das sociedades sem escrita.

Nas sociedades de tradição oral algumas estratégias foram e são usadas para que suas histórias possam perdurar. O aprendizado cultural é possibilitado pela oralidade como modo de preservação e passagem das tradições para outros, dando continuidade às histórias locais. Também as regras, os valores são passados de uns para os outros mais novos pela palavra oral, único mecanismo de ligação entre as gerações durante séculos. Os problemas gerados pela transmissão oral começaram a ser resolvidos com a invenção do alfabeto na Grécia por volta do ano 700 a.C. Segundo Castells (2006), esse acontecimento se deu no percurso de três mil anos, onde se evoluiu da tradição oral para a nova comunicação da humanidade.

A escrita foi uma invenção que marcou o segundo período da história da memória. Sua invenção aconteceu em tempos diferentes e em lugares diferentes. Na visão de Flusser (1985) “os textos foram inventados, no segundo milênio A.C., a fim de desmagiciarem as imagens” enquanto que “as fotografias foram inventadas, no século XIX, a fim de remagiciarem os textos” (p.11)

A invenção da escrita, onde ela existe, traz consigo um novo modo de pensar diferente de quando só se tinha a cultura da oralidade. Segundo a antropologia, os humanos das sociedades escritas pensam por categorias, enquanto que os de sociedades orais pensam por situações, por acontecimentos. A memória escrita, aos poucos, vai progredindo até ao passo de ser enriquecida, complementada com a fotografia que guarda a memória do tempo e do espaço (LE GOFF, 2003) em imagens instantâneas diferente das demoradas pinturas de óleo sobre tela. As imagens que foram guardadas no papel fotográfico contam, até hoje, passados de mais de um século, a história dos antepassados.

O terceiro período da história da memória, no qual nos encontramos, nos força a refletir as significativas mudanças que as novas tecnologias da informação e da comunicação têm executado na memória e na transmissão cultural. Nas palavras de Le Goff (2003), “a memória eletrônica não é senão um elemento, sem dúvida o mais espetacular” (p.462). A evolução da memória eletrônica trouxe duas revoluções: uma em relação aos documentos da história, ao conceito de memória, e a outra em relação

à comparação entre humano e eletrônico. Quanto a segunda como produto da ação humana, o computador com internet é passível da constituição da mediação.

Dessa forma não só o homem age sobre o computador, mas este também interfere na formação desse homem que, mediado pela tecnologia, transforma o conhecimento existente, dando a ele diversos sentidos, de acordo com suas experiências que vão sendo modificadas e ampliadas à proporção que vão surgindo novos conhecimentos. Nesse sentido as novas tecnologias são produtoras de conhecimento real e simbólico, já que interferem no modo de pensar e de agir das pessoas.

Flusser (1985) argumenta que como os aparelhos (máquinas) não trabalham, pois não são instrumentos que arrancam objetos da natureza e os informam; a intenção destes não é a de “modificar o mundo” (grifo do autor), mas a de modificar o cotidiano humano. Esse cotidiano é modificado, ressignificado pelas informações produzidas, manipuladas e armazenadas simbolicamente. “A maioria da sociedade está empenhada nos aparelhos dominadores, programadores e controladores” (FLUSSER, 1985, p. 14).

Um exemplo dessa realidade de mudança e ressignificação é que os conteúdos diversos armazenados na memória de computadores, que podem hoje ser acessados de qualquer canto do mundo, tira da escola o título de único espaço privilegiado de aprendizagem. Na era informacional:

O lugar para aprender pode ser qualquer um: uma fábrica, uma casa para idosos, uma empresa, um hospital, os grandes e pequenos meios e especialmente a internet. Estamos passando de uma sociedade com sistema educativo para uma sociedade do conhecimento e aprendizagem contínua, isto é, sociedade cuja dimensão educativa atravessa tudo: o trabalho e o lazer, o escritório e a casa, a saúde e a velhice (MARTIN-BARBERO,2014, p. 121).

Nesse rol de abrangentes mudanças na grande parte das produções do homem, a construção da materialidade exige a utilização de meios técnicos, por isso, o desenvolvimento das novas tecnologias pressupõe uma produção técnica constante para acompanhar as mudanças do desenvolvimento da humanidade. O computador ligado à internet, produto da capacidade simbólica e material do saber humano, tem como fruto dessas duas capacidades a função de mediação na construção de outros sentidos possibilitados nas interações entre os sujeitos (FREITAS, 2011).

Compreendemos, portanto, que a importância do computador não se dá apenas por se constituir em moderna máquina, mas por se constituir em objeto cultural para além dos meios, possibilitando a criação de uma rede de referências que se constroem pelas trocas simbólicas. No sentido exposto, a internet contribui com o desenvolvimento do trabalho colaborativo por se constituir em mediação cultural. Para que possamos compreender como as produções da área da informática interferiram no âmbito da educação, veremos alguns aspectos do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação no mundo e no Brasil.