A seguir, iremos abordar de forma pormenorizada os depoimentos individuais
colhidos em audiência pública realizada pela CEVPM/PB no município de Sapé, PB. Os
depoentes desta audiência foram: Assis Lemos, Ophélia Amorim, Elizabeth Teixeira, Antônio
Dantas e Josineide de Araújo.
Trataremos também das oitivas dos remanescentes da Liga Camponesa de Sapé, a
saber: Ana Justino de Oliveira, Hilda Maria da Conceição, Francisca Freitas de Sousa, Isabel
Regina dos Reis, Severino Francisco da Silva e Antônio Domingos de Oliveira.
3.1 – Audiência pública em Sapé
78Na banca, alguns dos que prestaram depoimento na audiência e membros da CEVPM/PB. Da esquerda para direita: Ophélia Amorim (em pé), Josineide Araújo, Assis Lemos, Waldir Porfírio, Paulo G. A. Nunes, Maria Rita Khel, Luiza Erundina, Lúcia Guerra, Fábio de Freitas e Irene Marinheiro. (Arquivo particular de Laíze Santos, integrante da CEVPM/PB).
78 O material que tivemos acesso foi divulgado pela Comissão Nacional da Verdade no sitio eletrônico do
youtube, no link: https://www.youtube.com/user/comissaodaverdade . A filmagem foi apresentada de forma
subdividida, na qual cada depoente constituiu um vídeo separado. Durante minhas pesquisas, percebi a falta do depoimento de Assis Lemos e decidimos entrar em contato via e-mail com a Comissão Nacional da Verdade que, prontamente, adicionou ao youtube o vídeo que faltava.
A audiência pública em Sapé, realizada no dia 15 de julho de 2013, foi organizada de
forma conjunta pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), Frente Parlamentar da Verdade e
pela Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória na Paraíba (CEVPM/PB),
tendo como tema abordado a perseguição às Ligas Camponesas. Foi realiza num auditório
improvisado, dentro da quadra poliesportiva da Escola Estadual Monsenhor Odilon Alves
Pedrosa (EEMOAP)
79.
A abertura do evento se deu com a apresentação de uma quadrilha junina
80, realizada
pelos próprios estudantes da escola. Após a apresentação, prestaram depoimento as seguintes
pessoas: Francisco de Assis Lemos de Souza, Ophélia Amorim, Elizabeth Teixeira e Antônio
José Dantas – todas relevantes partícipes do movimento das Ligas Camponesas da Paraíba –
além de Josineide Araújo, filha de Pedro Inácio de Araújo, destacado líder do movimento
camponês. Compuseram a mesa dos organizadores do evento: Maria Rita Kehl
81,
representando a Comissão Nacional da Verdade; Luiza Erundina, membro da Frente
Parlamentar da Verdade; e Paulo G. A. Nunes (presidente da CEVPM/PB), Lúcia de Fátima
Guerra Ferreira, Fábio Fernandes de Freitas, Irene Marinheiro Jerônimo e Waldir Porfírio,
todos estes membros da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da
Paraíba
82.
No que se refere ao público espectador, destacamos estudantes da referida escola, bem
como diversos cidadãos locais e trabalhadores rurais da região de Sapé, diversos estudantes e
professores de universidades e faculdades paraibanas, além também dos diversos membros
que integram os diversos Grupos de Trabalho da CEVPM/PB.
A seguir, abordaremos os diversos depoimentos prestados no evento, no qual serão
destacados alguns temas contemplados que nós julgamos relevantes. Antes, porém, cabe
reiterar que não tivemos pretensão de reafirmar as memórias dos nossos depoentes, mas, ao
contrário, nossa intenção foi confrontá-las sempre que necessário com outras fontes, no
sentido de problematizá-las, sabendo que as memórias são constituídas não apenas de
79 Vale ressaltar que o nome da escola é uma homenagem a um espectador das Ligas Camponesas, Monsenhor Odilon Alves Pedrosa, pároco da cidade de Sapé durante e depois o referido movimento. Mantinha diálogo sobre a situação do campo paraibano com a Igreja, trabalhadores e donos de terra. Para mais informações, ver: PEDROSA, Odilon. Caminhos andados, terras mares e céus. João Pessoa: Editora Local, 1986.
80 Uma dança tradicional em várias localidades do Nordeste, em especial da Paraíba.
81 Para a psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl, esse evento em Sapé constituiu a quinta parada de sua viagem de pesquisa nas regiões do norte e nordeste do Brasil, que visava apurar as violações de direitos humanos das populações camponesas e indígenas.
82 A coordenadora do Grupo de Trabalho Repressão do Estado e das milícias privadas aos camponeses, Professora Dra. Iranice Gonçalves Muniz, não pôde comparecer ao evento devido uma viagem que fez a trabalho. Entretanto, enviou alguns membros do seu Grupo de Trabalho, a saber: Victor Gadelha Pessoa; Laize Santos e Natália Araújo, encarregando-nos de registrar as principais ocorrências do evento.
lembranças, mas também de esquecimentos, além de nunca serem despretensiosas e
carregarem consigo intenções e compromissos, muitas vezes com grupos sociais, visando
preservá-los.
Assim, o fato das fontes orais serem subjetivas e estarem sujeitas a falta de veracidade
e distorções não a inviabiliza ou a desqualifica enquanto fonte de pesquisa, desde que o
historiador faça as ressalvas necessárias, utilizando da erudição histórica e conhecimento da
bibliografia disponível sobre a temática. Assim, nossa pesquisa se caracteriza pela busca da
verdade, embora esta não absoluta, mas respaldada em fontes verificáveis.
No que concerne às citações que fizemos dos depoentes ao longo da dissertação, vale
explicar que elas não seguem necessariamente a ordem sequencial de seus respectivos
depoimentos. Assim fizemos porque, nas diversas oitivas analisadas percebemos, geralmente,
que um determinado assunto tratado no início do depoimento voltou a ser abordado no
decorrer do depoimento. Assim, nosso objetivo foi, mais uma vez, tentar beneficiar o leitor
com um texto menos enfadonho, propiciando uma leitura mais agradável e sem repetições
desnecessárias.
3.1.1 - Assis Lemos
Aos 84 anos de idade, Assis, como prefere ser chamado, inicia seu depoimento
destacando a sua satisfação de voltar à Paraíba para participar de um evento que considera de
grande relevância para a história local. Considerou como uma boa oportunidade para mais
uma vez tratar do caso de pessoas como João Alfredo Dias e Pedro Inácio de Araújo, que
estiveram presos juntos consigo após o golpe de 1964, no quartel do 15º RI, sob o comando
do Major José Benedito Montenegro dos Magalhães Cordeiro
83, nome que disse nunca
esquecer.
De acordo com Lemos, os três estavam sendo acusados de terem responsabilidade pela
morte de Rubens Régis
84, que fora assassinado em conflito com camponeses. Desse crime
Assis Lemos possuía um álibi desde antes do golpe civil-militar, pois no mesmo dia em que
ocorreu o assassinato, estava na cidade do Rio de Janeiro e fora no gabinete do então senador
Rui Carneiro, que, de acordo com as palavras de Assis, disse-lhe surpreso:
83 Vale ressaltar que o então Major Cordeiro não comandava o referido quartel, inclusive, em carta enviada a CEVPM/PB, o próprio chegou a reforçar que não foi o comandante do 15º Regimento de Infantaria. Apesar disso, este militar tinha contato direto com os presos políticos, e é sempre retratado na memoria de Assis Lemos como repressor.
84 Segundo Assis Lemos, Rubéns Régis tinha sido seu colega de turma no colégio Pio X e tinha como característica ser uma pessoa de muita coragem.
Você está chegando da Paraíba agora?” Eu digo: “não, estou aqui há mais de uma semana”. Ele disse: “pois eu vou lhe dar uma informação: aqui o jornal, estão lhe acusando de ter assassinado o fazendeiro Rubens Régis. Pode me colocar como o seu testemunho. Sou eu que estou dando a notícia, senador Rui Carneiro”. Depois o próprio governador Pedro Gondim e o deputado Arnaldo Lafayete também se prontificaram a ser, a atestar a minha presença no Rio e não tinha nada que ver com o assassinato na Paraíba85.
Lembra-se que sua prisão ocorreu no dia 6 de abril de 1964, em Recife, e que logo em
seguida fora transferido para João Pessoa, para no dia 9 de abril ser transferido para ilha de
Fernando de Noronha. Com pouco tempo volta para João Pessoa, onde ficou preso no 15º RI,
na mesma cela de Nego Fuba, e ao lado da de Pedro Fazendeiro. Num de seus relatos, Assis
Lemos diz:
O Nego Fuba voltou do interrogatório e disse: “vou morrer na prisão. O Major Cordeiro quer que eu confesse o crime que eu não cometi”. Foi solto, entre aspas, nesse mesmo dia. A noite do dia 7 de setembro foi solto, até hoje não apareceu. Com Pedro Fazendeiro a mesma coisa, estava preso, acusado da mesma coisa e foi solto também, e até hoje não apareceu. Portanto, hoje, eu quero prestar homenagem a esses dois grandes lutadores: Pedro Fazendeiro e João Alfredo.
O depoente apresentou uma versão de que esses dois camponeses foram soltos e
entregues ao coronel Luiz de Barros, da Polícia Militar da Paraíba. De acordo com suas
palavras:
Essas duas figuras [Pedro Fazendeiro e Nego Fuba] estavam comigo, foram soltos, foram entregues ao Coronel Luiz de Barros, da Polícia da Paraíba. Eu vi, quando os dois foram entregues... e até hoje desapareceram. Então, são denuncias que a gente precisa retornar a fazer para que a História da Paraíba não passe no escuro do que aconteceu de violência, de maldade na época do golpe militar aqui no nosso país. Portanto, meus amigos, essa é uma oportunidade muito importante e eu quero aproveitar exatamente para denunciar que quem se encarregou de entregar aos matadores, Luiz de Barros da Polícia Militar e o Coronel Cordeiro do 15º RI. Então, agradeço essa oportunidade de mais uma vez poder denunciar a Paraíba fatos tão importantes para a nossa história, do assassinato de dois grandes lutadores pela reforma agrária em nosso país: João Pedro e Pedro Fazendeiro, [o depoente corrige] João Alfredo e Pedro Fazendeiro. [grifo nosso].
85 As oitivas, conforme mencionado, foram transcritas pelo pesquisador, autor deste trabalho. Procurou-se transcrever o texto oral, de modo que este não perdesse suas marcas da oralidade e originalidade. Por tanto, há momentos em que é possível notar alguns truncamentos por parte dos depoentes, bem como alguns comentários do pesquisador a fim de situar o contexto em que tais depoimentos foram gravados.
Vale ressaltar que este depoimento acima se trata de uma sugestão dada por Assis
Lemos, baseada no que ele acredita ter ocorrido. Não existem evidências sólidas que
confirmem o que foi dito. Em se tratando do trecho em que diz: “Eu vi, quando os dois foram
entregues”, possivelmente o depoente tenha se expressado mal, pois ele nunca antes dissera
tais palavras, nem em seu livro Nordeste – o Vietnã que não houve: as Ligas Camponesas e o
golpe de 1964.
Em se tratando das condições de trabalho dos trabalhadores rurais do Brasil, naquele
período antes do golpe de 1964, Assis Lemos faz a seguinte consideração:
Eu como agrônomo observei no campo, naquela época, a injustiça que estava acontecendo, que era o chamado cambão, que era o trabalho de graça, para o camponês morar numa fazenda ele tinha a obrigação de dar alguns dias de graça, de trabalho de graça na fazenda, e era chamado cambão, que na Idade Média era a corveia, então nós estávamos aqui no Brasil na Idade Média, e a luta que na época se dizia que era pelo comunismo, pelo socialismo, foi na realidade uma luta pelo capitalismo. Sair do sistema feudal para entrar no sistema capitalista. Era o trabalho de graça. O camponês trabalhava e para morar na fazenda, plantar alguma coisa, ele dava dois ou três dias de trabalho gratuito na propriedade, que era o chamado cambão, aqui no nordeste. E na Idade Média chamava-se corveia. Então, meus amigos, aquela luta foi muito importante, e como eu afirmei, quando diziam que era uma luta pelo comunismo na realidade era uma luta pelo capitalismo. Nós estávamos no sistema feudal e íamos passar para o sistema capitalista. O trabalhador trabalhava de graça e ia receber dinheiro. E isso era importante, porque milhares e milhares de camponeses trabalharam, viveram a vida toda, e alguns chegavam a aparecer sem nunca ter colocado uma moeda no bolso, porque o trabalho era gratuito. E isso prejudicava o quê? Prejudicava as cidades do interior. Porque o camponês não tendo dinheiro, não ia a feira, não ia ao comércio e portanto não havia o progresso necessário no interior do nordeste brasileiro.
Especificamente sobre sua prisão em Recife (PE), no dia 6 de abril de 1964, o
depoente nos contou que ficou escondido na casa do então deputado Osmar de Aquino, e que
este chegou a ter sua casa cercada por militares com ordem de prisão para Assis Lemos. Sua
transferência, da prisão de Recife para a de João Pessoa (PB), foi realizada pessoalmente pelo
Coronel Hélio Ibiapina. No meio da viagem, Assis Lemos foi torturado, como nos conta
brevemente:
Na saída do Recife ele parou o jipe que vinha me trazendo, tirou minha roupa, me pendurou numas cordas e colocou um jornal no ânus e tocou fogo. Por felicidade eu consegui retirar e ele então me trouxe para a Paraíba e eu fiquei do dia 6 ao dia 9 [de abril] preso no 15 [15º Regimento de Infantaria]. No dia 9 fui transferido para Fernando de Noronha, onde fiquei mais de um mês por lá. Depois fui trazido novamente para as prisões da Paraíba. A prisão do 15 Regimento de Infantaria era um absurdo, mas tinha uma prisão no Brasil que merece ainda hoje a homenagem dos prisioneiros: a do Grupamento de Engenharia, onde o Major Aquino e o Capitão Hernandes interrogavam os prisioneiros, mas com o maior respeito, inclusive levavam os presos para almoçar com eles no refeitório do quartel. Mas, no resto do Brasil era a tortura, a miséria, a morte dos prisioneiros. [grifos nossos]
Assis Lemos finaliza seu depoimento agradecendo ao público, a quem chamou de
companheiros, e também aos seus amigos da Paraíba, dizendo ter uma satisfação muito
grande em voltar ao seu estado, lugar onde pretende viver até os seus últimos dias. Lembrou
que já tem 84 anos e, de acordo com suas próprias palavras “não tou muito longe de, de dar
um adeus a todos vocês”. Antes de se retirar, destaca também a sua satisfação de ter à mesa a
presença de uma pessoa que sempre admirou, uma paraibana que, de acordo com o depoente,
venceu em São Paulo: Luiza Erundina.
3.1.2 - Ophélia Amorim
Ophélia Amorim foi advogada e militante das Ligas Camponesas da Paraíba,
chegando a ser indicada pouco antes do Golpe de 1964, pelo mesmo movimento, para atuar na
Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA). Com o advento do Golpe, foi presa e
respondeu Inquérito Policial Militar. Depois de libertada, respondeu a sete processos-crime.
Apesar da não condenação jurídica, sua situação na Paraíba tornou-se insustentável devido à
vigilância e constantes ameaças de prisão. Decide, então, sair da Paraíba para São Paulo, onde
vive até os dias atuais.
Em seu depoimento, que durou cerca de trinta minutos, Ophélia destaca que entrou
para as Ligas Camponesas da Paraíba através de seu amigo Leonardo Leal
86. Entretanto,
reconhece como fundamental a formação humanista que teve a partir da sua participação
como membro da Juventude Universitária Católica (JUC), durante o período em que era
estudante da faculdade de direito da UFPB, em João Pessoa. A JUC era assistida por padres
imbuídos com ideias de mudança, muito dos quais, segundo Ophélia, recém-chegados de
Roma. Assim, de acordo com a depoente, a organização não se enquadrava na ala reacionária
da Igreja Católica que predominava na Paraíba, pois detinha um viés progressista, que se
sensibilizava pela causa dos marginalizados do país, sobretudo dos camponeses. Ophélia
destaca os padres Juarez, Luiz Fernandes e Chico Pereira como responsáveis por “abrirem os
olhos” dela e de outros estudantes vinculados a JUC.
86 Além de dentista por profissão, militou nas Ligas Camponesas da Paraíba, chegando inclusive a ocupar o posto de tesoureiro da Federação das Associações dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas da Paraíba, uma organização criada em 1961 que congregava as Ligas Camponesas existentes no estado da Paraíba. (SOUZA, 2008, p. 62). Foi membro da direção do Partido Comunista na Paraíba e foi suplente de vereador, em João Pessoa, cassado logo após o golpe, juntamente com outro suplente, também ligado ao PCB, o advogado José Gomes da Silva, conhecido como Zé Moscou e o vereador Antônio Augusto Arroxelas de Macedo.
No movimento social e político das Ligas Camponesas, Ophélia atuava como
advogada, sempre dentro da legalidade, conforme afirma. As leis vigentes do país, como o
próprio Código Civil do período, por exemplo, permitiam uma defesa dos trabalhadores
rurais, chamados pela depoente de camponeses. Muito embora, os camponeses antes das
Ligas muito dificilmente utilizavam a Justiça do Trabalho para reclamarem seus direitos. Em
geral, tratava-se de reclamações trabalhistas, como as altas jornadas de trabalho e a falta de
recebimento de salário. Dessa forma, os advogados que militavam no movimento tiveram a
relevante função de levar esses problemas à justiça. Sobre seu primeiro trabalho para as Ligas
da Paraíba, lembra que João Pedro Teixeira, Assis Lemos e Leonardo Leal a designaram para
soltar um camponês da prisão, mediante um requerimento de um habeas corpus.
A depoente destaca também as posturas diferenciadas entre os juízes do trabalho e
juízes da justiça estadual, diante das causas camponesas. Os primeiros muitas vezes se
colocavam dispostos a levar as reclamações dos camponeses à diante, diferentemente dos
juízes da justiça estadual que, geralmente, arquivavam os processos que contestavam o poder
do latifúndio, pondo-o em xeque.
As ações das Ligas iam ao sentido de conter as muitas faces de exploração que os
trabalhadores rurais eram submetidos, tentando, assim, modificar um conjunto de
características próprias do latifúndio. Essas ações não foram recebidas de forma passiva pelo
grupo de latifundiários. Eles reagiram de forma bastante violenta, sendo bastante comum a
expulsão de moradores, desconsiderando quaisquer direitos
87.
De acordo com Ophélia, a luta que travavam não se limitava ao latifúndio, pois havia
uma luta ideológica também. A mentalidade que predominava no período estigmatizava os
associados das Ligas e os comunistas, havendo uma verdadeira propaganda anticomunista.
Contribuía para isso, inclusive, parte do corpo eclesiástico que sofria influência do poder dos
latifundiários
88. Eles prestavam um desserviço ao movimento camponês ao discriminar os
associados das Ligas através de um discurso anticomunista. Padres chegavam a ameaçar,
afirmando que quem possuísse carteira das Ligas Camponesas sofreria excomunhão e
87 Vale ressaltar que os latifundiários não resumiam a luta camponesa em curso apenas como uma luta por direitos e melhorias trabalhistas. Ressaltamos que grande parte da classe dos proprietários de terras estava receosa de que estivesse em curso a formação de uma república sindicalista aos moldes da argentina peronista. Havia receio também de uma possível comunização do país, sobretudo em clima de Guerra Fria e do processo revolucionário em Cuba, local, inclusive, que recebia constantemente membros das Ligas Camponesas.
88 Lembremos que era uma prática comum entre os latifundiários a construção de capelas dentro de seus próprios domínios territoriais. Um exemplo foi a própria família dos Ribeiro Coutinho, que espalhavam capelas por suas propriedades. Sendo intencional ou não, essa prática vinculava eclesiásticos ao proprietário das terras e tinha efeito de controle dos trabalhadores rurais, geralmente bastante apegado às crenças religiosas. Ver: COUTINHO, 2001.