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1 INTRODUÇÃO

1.2 Estilos de Defesa

1.2.1 Mensuração das Defesas

A mensuração das defesas egóicas é um desafio metodológico. Buscando facilitar o estudo científico desta importante dimensão da personalidade, foram desenvolvidos instrumentos destinados a identificar a presença de mecanismos específicos no comportamento dos sujeitos, apesar da natureza, do ponto de vista conceitual, inconsciente deste processo. Para avaliação das defesas individuais, os clínicos o fazem por meio de três estratégias complementares e confirmatórias entre si: avaliação clínica (observação e entrevistas), técnicas projetivas e instrumentos de auto relato (GALVÃO, 2007). As técnicas projetivas tem a vantagem de serem dificilmente manipuladas intencionalmente pelo avaliado, no entanto, sua codificação e interpretação apresentam grande variabilidade interobservador, que as tornam pouco precisas. As estratégias de avaliação clínica, por sua vez, exigem larga experiência e grande disponibilidade de tempo por parte do avaliador, com mediana concordância entre avaliadores. A Defense Mechanism Rating Scale (DMRS; Perry, 1990), largamente utilizada como objeto de pesquisa científica, e a Escala de

Funcionamento Defensivo contida no DSM-IV-R (AMERICAN PSYCHIATRIC

ASSOCIATION, 2002) são exemplos deste tipo de avaliação e categorização das

defesas com base em seu valor adaptativo. Por fim, os instrumentos de auto relato, diferentemente de outros instrumentos destinados à avaliação das defesas no contexto clínico, como a DMRS e a Escala de Funcionamento Defensivo, apresentam maior agilidade de mensuração e menor variabilidade interobservador, na medida em que dispensa a presença de juízes (maior fidedignidade) e se destina a avaliar os derivados conscientes dos mecanismos de defesa do Ego (MDE). Neste sentido, parte-se do pressuposto que, apesar de serem mecanismos automáticos dos quais, muitas vezes, não se têm consciência, por vezes, os sujeitos são capazes de fazer uma análise retrospectiva de como reagem habitualmente frente a adversidades cotidianas, i.e., derivados conscientes das defesas, baseados na memória episódica ou, mesmo, em relato de outrem (Bond, Gardner et.al., 1983).

No presente estudo, utilizamos o Defense Style Questionnarie – DSQ-40 (BLAYA et al., 2004; BOND et al., 1983), instrumento de auto relato que mensura a presença de 20 mecanismos de defesa, agrupados em três estilos de defesa (tabela 4 e 5).

Tabela 4 - Estilos defensivos e respectivos mecanismos de defesa.

Estilo defensivo Mecanismos de defesa

Maduro Sublimação, humor, antecipação, racionalização e supressão Neurótico Anulação, pseudoaltruísmo, idealização e formação reativa

Imaturo Projeção, agressão passiva, atuação, isolamento, desvalorização, fantasia autística, negação, deslocamento, dissociação, cisão e somatização

Fonte: GALVÃO, 2007.

Tabela 5 - Definição dos mecanismos de defesa.

(continua)

Sublimação Canalização dos impulsos conflitivos por comportamentos construtivos e socialmente aceitáveis

Humor Capacidade de lidar com conflitos por meio de seus aspectos divertidos ou irônicos, amenizando o estresse a eles associados Antecipação Capacidade de prever conseqüências de seus atos e desejos,

Tabela 5 - Definição dos mecanismos de defesa.

(continuação)

Racionalização Construção de explicações conscientemente aceitáveis para impulsos e desejos inaceitáveis que permanecem inconscientes para o indivíduo

Supressão Marco da maturidade; implica em postergar satisfações imediatas de impulsos, evitando deliberadamente sentimentos e pensamentos perturbadores de maneira tranqüila e sem culpa

Anulação Produção de sentimentos, pensamentos ou ações que teriam o poder, em fantasia, de tornar inócuos impulsos, desejos e pensamentos inaceitáveis

Pseudo-altruísmo Torna aceitável para o indivíduo a sua própria imagem, ameaçada pela percepção consciente de impulsos inaceitáveis, p.ex., ajudando outros para ganhar elogios, principalmente

Idealização Atribuição a outros ou a si mesmo de qualidades excessivamente positivas

Formação Reativa Mantém inconscientes impulsos ou desejos rechaçados, substituindo-os pelos seus opostos, p.ex., gentileza excessiva que encobre impulsos agressivos inconscientes

Projeção Atribuir as próprias ideias e afetos intoleráveis a outras pessoas Agressão passiva Atacar outras pessoas por meio de sua própria inatividade,

masoquismo, etc.

Atuação Substituir seus conflitos e emoções pela ação direta, não se permitindo refletir e percebê-los psiquicamente

Isolamento Separar os sentimentos das ideias originalmente a eles associados Desvalorização Exagerar auto ou heterodepreciação

Fantasia autística Substituição da real confrontação de problemas, sentimentos difíceis e conflitos por devaneios excessivos

Negação Falta de reconhecimento de aspectos dolorosos da realidade, tanto interna quanto externa

Deslocamento Transferência do alvo original de impulsos, desejos e sentimentos para outros alvos substitutos, permanecendo inconscientes os originais

Dissociação Rompimento da função integradora da consciência, memória e percepção de si mesmo, do ambiente ou ações, fazendo com que o indivíduo não reconheça sentimentos próprios como sendo seus

Tabela 5 - Definição dos mecanismos de defesa.

(conclusão)

Cisão Segmentação dos estados afetivos em opostos que o indivíduo não consegue perceber como partes de um mesmo todo, num continum. Somatização Valorização das sensações somáticas em detrimento das

percepções psíquicas das emoções

Fonte: KAPLAN; SADOCK; GREBB, 1997

Desenvolvido originalmente por Bond, Gardner e colegas (1983), quando compunha-se de sessenta e sete itens agrupados em torno de quatro eixos (distorção da auto-imagem, imaturos, neuróticos e maduros), o DSQ foi submetido a uma extensa revisão, passando por uma versão de oitenta e oito itens referentes a vinte e quatro defesas (BOND; VAILLANT, 1986), chegando à versão final de quarenta itens (dois itens para cada mecanismo) e três estilos defensivos (ANDREWS; SINGH; BOND, 1993).

No Brasil, Andrade (1996; 2006) procedeu a tradução, adaptação e ao estudo de confiabilidade, no qual a análise de consistência interna por meio do cálculo do Alfa de Cronbach gerou índices bastante satisfatórios (α=0,91). Outro estudo de tradução, adaptação e validação do DSQ foi conduzido por Blaya e colegas (2004), no qual a validade de conteúdo foi verificada. Após a retrotradução, a média de alocação correta das defesas foi de 89% e de 100% para os estilos maduros, neuróticos e imaturos em relação à versão original de Andrews, Singh e Bond (1993). Em estudos subsequentes de validação do DSQ-40, a validade de construto foi verificada em diferentes amostras, a saber, pacientes psiquiátricos (n=237), pacientes em psicoterapia (n=66) e grupo controle (n=36). A análise fatorial indicou distribuição das defesas quase idêntica ao instrumento original, à exceção da defesa de racionalização que, antes alocada no estilo imaturo, foi transposta para o estilo maduro (BLAYA, 2005; BLAYA et al., 2007).

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