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7. Os Trabalhos da Polícia

7.2. Mensurando o Trabalho Policial

Caberia o entendimento que a fonte utilizada trata-se de uma base de dados de crimes, interpretação esta equivocada frente a realidade empírica dos dados. Primeiro porque a base de dados do COPOM contempla registros das atividades realizadas por policiais militares, e estas não necessariamente estão diretamente associadas a crimes, como será demonstrado na análise dos dados. Segundo, pelo fato de que os dados policiais constituem amostra, e não população dos crimes que ocorrem em determinado local. A Polícia Militar limita-se a ter conhecimento apenas dos crimes identificados por seus profissionais (que não são oniscientes) ou que são levados a seu conhecimento por parte de outros cidadãos. Ocorre que cidadãos não são obrigados a informar à polícia

sobre crimes dos quais foram vítimas, e geralmente, de fato não o fazem

(CRISP/UFMG, 20028). Dessa forma, não apenas dados criminais originais da PM são

uma amostra, mas esta é enviesada segundo as motivações das vítimas em comunicar o ocorrido à polícia, bem como pela capacidade dos seus agentes de identificar eventos criminais.

Como descrito por Beato (2009), agências públicas nos EUA, reconhecendo dificuldades inerentes à mensuração criminal a partir de dados policiais, não apenas vêm elaborando formas de aprimorar, compilar e analisar os dados destas corporações, como também realizam, semestralmente, o Survey Nacional de Vitimização pela Criminalidade (NCVS). A partir dele se fazem possíveis análises elaboradas sobre a criminalidade, bem como contraposições junto aos dados oficiais, a fim de diagnosticar a real proporção das ocorrências criminais notificadas a polícia. No Brasil, a ausência de dados de qualidade na mensuração dos crimes configura um problema de segurança pública, que dificulta, ou mesmo impossibilita, a avaliação de políticas públicas associadas a temática ou qualquer outra mensuração relacionada. Iniciativas no sentido de aprimorar a gestão da informação sobre criminalidade vêm sendo realizadas, segundo modelos internacionais bem sucedidos. O Sistema de Indicadores Sociais de Segurança (SISS) é um exemplo neste sentido, que prevê o tratamento de dados e sistemas públicos já disponíveis, junto a coleta sistemática de dados primários sobre criminalidade.

“Não há estudo exploratório ou revisão de literatura sobre criminalidade, violência e políticas de controle na América Latina, que não comece ou termine enfatizando as inúmeras deficiências nas bases de informações sobre criminalidade e violência. Esta é uma situação grave que compromete seriamente os estudos realizados e as políticas, programas e projetos públicos de segurança desenhados com base neste conhecimento.

(...)

As implicações dessa situação para o desenho e avaliação de políticas de segurança são óbvias. Políticas na área da criminalidade e justiça são efetuadas em vôo cego, sem instrumentos e com orientação puramente impressionista. Como conseqüência temos uma situação de incremento

8 O Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG realizou, em 2002, o primeiro de

uma série de suveys de vitimização em Belo Horizonte. Foi demonstrado que apenas um pequeno percentual do total de vitimizações são levadas ao conhecimento e registro oficial.

acentuado das taxas de criminalidade, do aumento do medo e da percepção de risco das populações nos grandes centros urbanos. (...) Podemos dizer, sem dúvida alguma, que dentre as diversas causas de crime destaca-se a nossa ignorância sobre a matéria”. (Beato et al, 2009)

Pelas razões citadas, dados do COPOM, bem como de qualquer outro banco de ocorrências policias, não constituem parâmetros válidos à mensuração de crime, mas permanecem úteis a descrição do trabalho policial. Treinados para tanto, agentes de polícia têm como hábito e obrigação notificar o que estão fazendo a uma central, que registra e transmite a informação a autoridades competentes (Beato et al, 2009).

Há, no entanto, a possibilidade de que policiais não notifiquem, ou que não seja registrada a totalidade das atividades que estes exercem enquanto em serviço. É comum, por exemplo, que policiais em ronda sejam solicitados por cidadãos a dar informações sobre o trânsito, de como se chega a determinado local. Apesar de aparente haver a demanda, não há na base de dados nenhuma categoria que contemple uma ação tão trivial quanto esta, o que indica que devem existir outras ações análogas, não contempladas, por razões diversas, na fonte consultada.

Também existe a possibilidade de fraudes nos registros realizados (Barros, 2005). Por serem agentes com grande autonomia nos trabalhos externos às companhias e batalhões, com pouca supervisão direta, policiais (assim como qualquer outra classe profissional) podem comunicar a realização certos atendimentos para justificar tempo dispendido em outras atividades, talvez nem mesmo associadas às funções de seu trabalho. Entretanto, apesar da possibilidade de que fraudes existam, que alguns dos registros não correspondam à prática, não é possível mensurá-las a partir dos dados de ocorrências disponíveis, nem mesmo confirmar sua existência. Desta forma, elas não serão mais diretamente tratadas nas análises a seguir, apesar de poderem justificar certas frequências identificadas. É suposto, no entanto, que tais desvios por parte dos agentes de polícia não sejam regra, mas a exceção no contingente registros analisados.

Pelas razões citadas, se reconhece que a base de dados de ocorrências do COPOM, por mais completa que seja, não é a melhor fonte de informação com fins da descrição do trabalho policial militar. Seriam mais adequados exercícios de observação participante e/ou etnografia, nos quais o pesquisador teria a oportunidade de acompanhar policiais em atividade, e descrever segundo seus parâmetros de pesquisa no

que consiste seu trabalho. No entanto, a aplicação destas metodologias, além de apresentar suas próprias limitações, enfrenta dificuldades de tempo e acesso, inerentes a estudos com a polícia. Pela natureza do trabalho da polícia, é arriscado, tanto para a própria PM quanto para o pesquisador, que policiais sejam acompanhados em toda a amplitude de suas atividades por agentes externos a corporação. Além disso, por ser uma instituição já hoje com mais de quarenta mil policiais, divididos entre diversos serviços, companhias e batalhões, a descrição do trabalho policial a partir de meios mais qualitativos poderiam facilmente constituir uma pesquisa de grandes proporções, o que demandaria diversos anos de estudo, e mesmo assim poderia permanecer superficial.

“As mais completas descrições que temos sobre o trabalho da polícia foram feitas por pessoas de fora das agências policiais. Algumas delas analisam mais profundamente as chamadas de atendimentos recebidas pela polícia, enquanto outras observam o trabalho de campo dos policiais. Apesar dos resultados dessas pesquisas oferecerem uma compreensão maior e uma avanço gigantesco a respeito do que estava disponível anteriormente, o mais ambicioso entre todos eles não resultou plenamente satisfatório em sua descrição de tudo o que faz uma agência de polícia. Ao observar-se um policial patrulhando uma área (...) o quadro que se vislumbra não pode ser considerado típico do patrulhamento de uma cidade, nem revela se este é um trabalho que pode ser feito por outra pessoa que não o policial (...). As análises a respeito dos pedidos de auxílio facilitam a quantificação para toda uma comunidade, mas tem a desvantagem de ignorar a informação que se torna disponível ao atender-se uma chamada (...), também ignora a enorme quantidade de serviços policiais que são conduzidos por iniciativa própria (pelos policiais). (Goldstein, 2003)

Conclui-se que, apesar de não ser a mais adequada, a base de dados do COPOM é uma fonte válida e consistente para a descrição do trabalho dos policiais militares de ponta em Minas Gerais. Adicionalmente, o uso desta fonte, além de cumprir este objetivo na pesquisa, é capaz de demonstrar em alguma medida como a corporação concebe e institucionaliza suas práticas, já que estas ações estão separadas segundo categorias consideradas relevantes à própria organização.