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2. BREVE REVISÃO SOBRE O MERCADO PARA SERVIÇOS

2.4 OS MERCADOS DE PSE: CARBONO, ÁGUA E BIODIVERSIDADE

2.4.3 O Mercado de PSE-Biodiversidade

Depois de ter apresentado o mercado do carbono e o da água, aborda-se agora um mercado muito mais amplo e diverso. Construir um mercado da biodiversidade é muito complicado, não apenas pela grande variedade de serviços providos, mas também pela intangibilidade da maioria desses serviços, fazendo com que se torne difícil de colocá-los no mercado. A seguir, apresenta-se o contexto da biodiversidade no mundo, seus serviços e os mecanismos de mercados existentes.

2.4.3.1 Contexto

A biodiversidade pode ser definida como a diversidade de genes, populações, espécies, comunidades e ecossistemas, encontrados tanto em ambientes terrestres, quanto em aquáticos. Inclui-se nesse conceito a diversidade nas espécies, entre espécies e entre ecossistemas. (MEA, 2005)

De acordo com a versão de 2004 da Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da

International Union for ConservationofNature – IUCN, 15.589 espécies estão ameaçadas de

extinção, incluindo desde animais vertebrados e invertebrados até plantas e fungos. O número também inclui 12% de todas as espécies de aves, 23% dos mamíferos e 32% dos anfíbios. O documento expõe ainda que por mais que esse número assuste, ele é conservador, já que apenas 2,5% de todas as espécies descritas mundialmente foram analisadas (BAILLIE et al, 2004).

Segundo o MEA (2005), muitos estimam que o número de espécies do mundo varie entre 5 e 30 milhões. Apenas 2 milhões de espécies já foram documentadas, portanto, ainda se têm um conhecimento muito superficial de toda a biodiversidade do planeta e da real taxa de extinção.

O que se tem conhecimento é que estão ocorrendo mudanças substanciais na biodiversidade, majoritariamente negativas. Somente nos últimos cem anos os seres humanos aumentaram a taxa de extinção de espécies em três vezes. As principais causas são a destruição de habitats e a degradação consequente do mesmo. Um número que mostra a magnitude da modificação dos biomas e da degradação é que entre 20% e 50% de 9 dos 14 biomas foram transformados em terras agricultáveis. Os únicos biomas que ficam fora dessa estatística são os desertos, as florestas boreais e a tundra (MEA, 2005).

O impacto da redução da biodiversidade não pode ser ignorado. De acordo com Veiga Neto (2008), a biodiversidade mantém a estabilidade, funcionalidade e sustentabilidade dos ecossistemas. Além do mais, todos os serviços ecossistêmicos dependem da diversidade de espécies para sua manutenção, inclusive os já citados serviços de sequestro de carbono e serviços hídricos.

Como se não bastasse sustentar todos os serviços ecossistêmicos, a biodiversidade também tem alguns serviços associados a ela mesma. O valor puro de existência é um deles, sendo expressos pelas sociedades, simplesmente por acreditar que todas as espécies têm o direito de existir. No entanto, a principal razão quando se fala em conservação da biodiversidade é o “valor de opção” ou o potencial que representa o material genético para fins de pesquisa da indústria farmacêutica. Valores associados ao desenvolvimento de novas substâncias químicas de uso agrícola e industrial também são citados (VEIGA NETO, 2008).

Em síntese, o valor da biodiversidade é imensurável. A preservação e recuperação dos habitats naturais são, portanto, cruciais para a manutenção dessa riqueza e de seus serviços ecossistêmicos derivados. De acordo com Veiga Neto (2008), o setor público tem sido historicamente responsabilizado pela conservação da biodiversidade, um bem público nato. No entanto, os recursos governamentais para a proteção e manejo estão decaindo, bem como a capacidade de realmente proteger as áreas críticas.

Para estancar a perda de biodiversidade é preciso apostar em mecanismos econômicos mais diretos e que valorizem a floresta intacta de forma que ela tenha ou gere um maior valor do que outros possíveis usos da terra (VEIGA NETO, 2008).

É nesse contexto que os mecanismos de mercado para conservação da biodiversidade ganham relevância, conforme na sequência.

2.4.3.2 Desenvolvimento de mecanismos de mercado

O mercado da biodiversidade difere muito em relação aos mercados já descritos nesse trabalho. É como se todos os outros mercados fossem incluídos dentro deste. De acordo com Landell-Mills & Porras (2002), isso se dá devido à dificuldade em se definir uma unidade comum para se mensurar a biodiversidade. A diversidade de vida pode ser classificada em três níveis, genético, espécies e ecossistemas. No entanto, como mensurar claramente, por exemplo, qual a biodiversidade de espécies? Somente contar o número de espécies presentes em determinada área não parece ser uma medida ideal.

A diversidade de serviços prestados pela biodiversidade também afeta a magnitude dos mercados. Segundo Pagiola et al (2005), a demanda por serviços relacionados à biodiversidade é ampla, variando de local a global. Como benefícios locais e parecidos com os serviços referentes à água, podemos citar os serviços de polinização; de fornecimento de animais de caça; de plantas silvestres, etc. Já em uma similaridade com o caso do carbono, os serviços de biodiversidade podem ser em escala global, como o uso das informações genéticas e dos compostos químicos encontrados em espécies silvestres.

Em um contexto tão amplo de serviços e de escopo, observa-se uma gama de mecanismos de conservação da biodiversidade. Dessa forma, o Quadro 1 abaixo apresenta, de maneira resumida, os principais instrumentos econômicos para a conservação da biodiversidade.

Quadro 1: Instrumentos Econômicos para a Conservação da Biodiversidade.

INSTRUMENTOS ECONÔMICOS PARA CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

TIPOS DEFINIÇÃO

Compra de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade

Aquisição privada de terras Compra de áreas prioritárias para a conservação por compradores privados ou ONGs, explicitamente para a conservação da biodiversidade.

Fonte: SCHERR, S. J.; WHITE, A.; KHARE, A. Current Status and Future Potential of Markets for Ecosystem Services in Tropical Forests: An Overview. Washington, DC: Forest Trends, 2003, citado em Veiga Neto (2008). Aquisição pública de terras Compra de áreas prioritárias para a conservação por agências governamentais,

explicitamente para a conservação da biodiversidade.

Pagamentos para acesso a espécies ou habitats

Direitos de bioprospecção Direitos de coletar, testar e usar material genético de uma determinada área. Licenças de pesquisa Direitos de coletar indivíduos de diferentes espécies, fazer pesquisas de campo,

etc. Licenças de caça, pesca ou coleta de espécies silvestres

Direitos de caçar, pescar e coletar animais e plantas silvestres.

Uso para ecoturismo Direitos para entrar na área, observar a vida selvagem, acampar ou caminhar.

Pagamentos para o manejo focado na conservação da biodiversidade

Conservationeasements O proprietário é pago para usar e manejar determinada área de terra somente para propósitos de conservação; as restrições em geral são perpétuas e transferíveis com a venda da área.

Conservationlandlease O proprietário é pago para usar e manejar determinada área de terra para propósitos de conservação, por um período definido de tempo.

Concessão para conservação Agência pública florestal é paga para manter uma determinada área apenas para uso conservacionista; comparável a uma concessão para exploração madeireira. Concessão comunitária em

áreas protegidas públicas

Indivíduos ou comunidades recebem direitos de uso sobre uma determinada área protegida e dão em retorno o compromisso de proteger aquela área de práticas que prejudiquem a biodiversidade.

Contratos de manejo que garantam a conservação de espécies ou habitats em terras privadas (florestas, savanas, etc)

Contratos que detalhem atividades de manejo da biodiversidade e pagamentos associados ao alcance de determinados objetivos de conservação.

Direitos transacionáveis regulados por esquemas “cap-and-trade”

Créditos transacionáveis de mitigação de áreas úmidas (wetlands)

Créditos de conservação ou restauração de wetlands que podem ser usados para compensar obrigações dos empreendedores urbanos e rurais de manter uma área mínima de áreas úmidas naturais em uma determinada região.

Tradabledevelopmentrights– TDR (Direitos de desenvolvimento

comercializáveis)

Direitos alocados para o desenvolvimento (agrícola ou urbano) de apenas uma área limitada dentro de uma determinada região.

Créditos de biodiversidade (biodiversity offsets)

Créditos representando áreas de proteção ou incremento de biodiversidade que podem ser comprados por empreendimentos para garantir que os mesmos tenham um padrão mínimo de proteção à biodiversidade.

Apoio a negócios/empreendimentos ligados à biodiversidade

Negócios biodiversity-friendly Compra de ações de empresas que tem como negócio, a conservação da biodiversidade.

Produtos biodiversity-friendly Selos e processos de certificação atestando práticas proativas de conservação da biodiversidade.

Em relação ao valor transacionado, o mercado global anual de pagamento por serviços relacionados à biodiversidade gira em torno de 2,4 a 4 bilhões de dólares, de acordo com uma publicação do Ecosystem Marketplace (MADSEN et al, 2011). O estudo ressalta que o número pode ser muito maior, já que 80% dos 45 programas existentes não são transparentes o suficiente para estimar seu tamanho de mercado. Todos esses programas juntos são responsáveis por mais de 1.100 bancos de mitigação2 ao redor do mundo, bem como a conservação ou proteção de no mínimo 187.000 hectares.

2

Banco de mitigação é uma área ou conjunto de áreas onde recursos naturais (como mangues, rios, habitats, espécies, etc.) são restaurados, estabilizados, melhorados e/ou preservados para o propósito de fornecer compensação mitigatória para impactos ambientais negativos (MADSEN et al, 2011).

3.O MERCADO BRASILEIRO DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS (PSE)

O desenvolvimento de mercados para serviços ecossistêmicos no Brasil segue a evolução dos mercados a nível internacional. Dessa forma, os três mercados apresentados no capítulo anterior também se destacam quando se analisa o caso brasileiro, ou seja, os mercados do carbono, da água e da biodiversidade.

Nesse capítulo apresenta-se o desenvolvimento desses três mercados no âmbito do país, enfatizando os aspectos legais, regulatórios e os gargalos apresentados. No entanto, antes de discutir cada mercado específico, apresenta-se um apanhado geral dos mercados de PSE existentes no Brasil.

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