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Metáforas que ocorrem nos enunciados usadas pelo FSM para se

Capítulo IV: Como nasceu o discurso do Fórum Social Mundial.

2. Metáforas que ocorrem nos enunciados usadas pelo FSM para se

Como vimos, para Maingueneau, o interdiscurso é regido por um sistema de

restrições semânticas globais que se manifesta pelo fato de restringir ao mesmo tempo

todos os “planos” discursivos. Vejamos a coerência entre as metáforas construídas e a semântica do FSM:

Caros Amigos (março /2001 – pg.5 )

(S-23) “a peneira não vai tapar o sol: o sucesso do evento é um fato insofismável, e cada vez menos manifestações como a de Porto Alegre, que se multiplicam mundo afora, podem ser ocultadas, até porque umas se ligam `as outras, num movimento polarizador inédito e, certamente, irrefreável.”

Nas aproximações Peneira/imprensa; Sol/FSM, encontramos a imprensa avaliada negativamente: ‘não vai tapar o sol’ e o FSM avaliado positivamente: ‘não pode ser ocultada’, ‘se multiplicam’, ‘irrefreável’.

“Peneira” é o elemento de comparação escolhido para simbolizar parte da imprensa que não reconhece ou quer esconder a força, a energia do FSM. A peneira é porosa, fraca, deixa escapar a energia do sol, não consegue apagar a força do sol que está sendo

comparado ao FSM, tal é sua energia, resultado da junção de forças que querem mudar o “mundo como está”.

O traço que permite a comparação sol/FSM está previsto no sistema de restrições do discurso do FSM. Sol remete a energia, vida, traço reivindicado pelo FSM.

(S-24) “Contra a ordem engessada e bruta do neoliberalismo, uma nova brisa de esperança

democrática, fresca e leve, anima os movimentos sociais e populares, em todo o planeta”.

Em S-24, encontramos o neoliberalismo avaliado negativamente: “ordem engessada e bruta” versus reação ao neoliberalismo (FSM e outros movimentos de reação) valorado positivamente: “nova brisa de esperança” “democrática”, “fresca e leve”, “anima”.

Os traços que permitem a comparação: FSM /“nova brisa de esperança democrática, fresca e leve” versus FEM /“ordem engessada e bruta” estão previstos no sistema de restrições do discurso do FSM. A brisa que representa o FSM é nova e democrática, para todos. Não é uma ordem engessada e bruta que não permite mudanças, alterações. Nessas metáforas, encontramos traços discursivamente equivalentes aos traços reivindicados pelo FSM e traços negados pelo FSM: brisa é um vento brando, suave, sugere movimento que refresca o ar parado, engessado, sufocante do calor. Podemos relacionar os traços ‘engessado’ e ‘bruto’, em “ordem engessada e bruta”, como traços discursivamente equivalentes ao traço “hierarquia”, atribuído ao FEM e negado pelo FSM. E os traços “leveza”, “frescura”, que sugerem algo novo, flexível, como traços discursivamente equivalentes ao traço “igualdade” (democracia), reivindicado pelo FSM.

(S-25) Frei Beto: “Face essa civilização da mercantilização universal, que afoga todas as relações humanas nas ‘águas geladas do cálculo egoísta’27, o Fórum Social Mundial representa, antes de tudo, uma recusa: “O mundo não é uma mercadoria””. (Caros Amigos, 2002 – pg.17)

Em S-25 encontramos o FEM - “civilização da mercantilização universal” - novamente associado a dureza , rigidez: “águas geladas do cálculo egoísta. Em oposição ao

27

FSM, sempre associado a vida, leveza, flexibilidade: “sol”; “nova brisa de esperança democrática, fresca e leve”

Nesse mesmo texto de Frei Beto (Caros Amigos, 2002 – pg.17) -ocorre a construção de uma metáfora - religião/neoliberalismo - que mostra a leitura em forma de simulacro que o FSM faz do FEM. Para o FSM, o neoliberalismo (idéias defendidas pelo FEM) é uma religião, com sua doutrina, tal a rigidez a que o FEM é associado.

Abaixo, encontramos metáforas de um mesmo campo semântico, dando continuidade à metáfora: neoliberalismo/religião. O traço ‘rigidez’ (doutrina) permite a comparação dos dois elementos (neoliberalismo/religião) e das metáforas que dão continuidade à metáfora inicial proposta.

(S-26) “Juntos, os três valores [o dólar, o euro e o iene] constituem uma das divindades da religião econômica liberal: a moeda ou, como se dizia em aramaico, mammoni. As outras divindades são o mercado e o capital. Trata-se de fetiches ou ídolos, objetos de um culto fanático e exclusivo, intolerante e dogmático. Esse fetichismo da mercadoria, segundo Marx, ou essa idolatria do mercado para utilizar a expressão dos teólogos da libertação Hugo Assmann e Franz Hinkelammert – e do dinheiro e do capital, é um culto que tem suas igrejas (as bolsas de valores), seus santos ofícios (FMI, OMC etc.) e a perseguição aos hereges (todos nós que acreditamos em outros valores). Trata-se de ídolos que, como os deuses cananeus Moloch e Baal, exigem terríveis sacrifícios humanos; no Terceiro Mundo, as vítimas dos planos de ajuste estrutural, homens, mulheres e crianças sacrificados no altar do fetiche mercado mundial e do fetiche dívida externa.

Um corpo impressionante das regras canônicas e princípios ortodoxos serve para legitimar e santificar esses rituais sacrificiais.

Um vasto clero de especialistas e gestores explica os dogmas do culto às multidões profanas, mantendo as opiniões heréticas longe da esfera pública. As regras éticas dessa religião são as já estabelecidas, há dois séculos, pelo teólogo econômico sir Adam Smith: que cada indivíduo busque, da maneira mais implacável possível, seu interesse egoísta, sem prestar atenção a seu próximo, e a mão invisível do deus-mercado cuidará do resto, trazendo harmonia e prosperidade a toda a nação.”

Nas tabelas a seguir, veremos a metáfora proposta (neoliberalismo comparado a uma religião) e as metáforas derivadas da metáfora inicial proposta.

Tabela 4: Algumas metáforas construídas pelo FSM Metáfora inicial proposta:

religião neoliberalismo

Metáforas derivadas:

Divindades moedas(dólar, euro, iene), mercado e capital

idolatria das divindades Culto às idéias do neoliberalismo

Igreja bolsas de valores

santos ofícios FMI; OMC

Hereges todos que acreditam em outros valores

regras canônicas e princípios ortodoxos para legitimar os rituais

regras ecônomicas ditadas pelo FMI e OMC.

Vasto clero. economistas, administradores de empresas

Multidões profanas os que não conhecem as verdades do

neoliberalismo Opiniões heréticas (quem não professa essa

“religião”)

FSM - “povo de Porto Alegre” (que não aceita o neoliberalismo).

Teólogo economista sir Adam Smith

Como vimos nos textos analisados, o FSM se constrói em oposição aos valores que vê no FEM. E as metáforas utilizadas pelo FSM para se descrever e para se referir ao FEM derivam das mesmas restrições semânticas.

Numa das metáforas construídas no texto de Frei Beto que analisamos, uma peça fundamental do FEM - a OMC - é valorada negativamente comparada ao santo ofício, dada a rigidez com que é vista a OMC.

Veremos agora como uma voz da OMC a define. Analisaremos uma edição de Veja (veja, 20/11/02) que traz o diretor da OMC falando sobre seus objetivos. A revista Veja deu voz à OMC, através de uma entrevista com o próprio diretor da OMC. Nosso objetivo será verificar quais são os traços com que uma peça fundamental do FEM - a OMC - se define e mostrar (comparar) em seguida a leitura da OMC feita pelo FSM.