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1 Introdução

1.2 Osteoporose, uma doença óssea

1.2.5 Metabolismo ósseo e relação com o metabolismo lipídico

O metabolismo do osso e dos lípidos encontram-se em constante interação, pelo que é importante evidenciar como é que os lípidos se relacionam com a patogénese da perda óssea, nomeadamente nas células ósseas (inibição osteoblástica e promoção osteoclástica).107 Para que tal seja possível, é

necessário fazer uma pequena introdução aos lípidos e perceber como é que os lípidos e o osso se relacionam.

Os lípidos biológicos podem ser encontrados sob a forma de triglicerídeos, colesterol, ácidos gordos, fosfolipídios e hormonas esteroides e são transportados na circulação sanguínea para os tecidos periféricos através de lipoproteínas.107,108 No entanto é de salientar que existem diversos fatores que

interferem nos níveis lipídicos em circulação, como é o caso da ingestão alimentar, da taxa de eliminação e da biossíntese celular. Estes fatores proporcionam uma possível deficiência de apoE ou do recetor das LDL e um aumento dos níveis de lipoproteínas circulantes, dando origem a doenças, como é o caso da aterosclerose.109 Por outro lado, quando os níveis lipídicos estão normalizados, estes podem proteger

contra doenças, como é o caso do colesterol das HLD que protegem contra as doenças cardiovasculares.107,108,110 Relativamente aos meios de transporte específico de alguns dos lípidos mais

importantes, estes são:

→ Triglicerídeos ingeridos, são absorvidos no intestino e posteriormente passam para a circulação através dos quilomícrons10. Já os que são sintetizados pelo fígado são

transportados por lipoproteínas de baixa densidade (VLDV) que possuem apoliproteínas E (apoE);107,108,110,111

→ Colesterol é transportado por lipoproteínas de baixa densidade (LDL), contendo a apoB 100 reconhecida pelo recetor de LDL; 107,108,110,111

→ Resíduos solúveis em gordura (processo denominado de transporte reverso de colesterol) que posteriormente vão ser excretados pela lipoproteína de alta densidade (HDL).107,108,110,111

Os lípidos encontram-se estreitamente relacionados11 com o osso pois são importantes para o metabolismo esquelético e para uma boa saúde óssea, já que delimitam a permeabilidade radial do osso cortical e porque as lipoproteínas transportam vitaminas lipossolúveis (como a vitamina D e K12) que, como vimos anteriormente, são relevantes no metabolismo ósseo.107 Esta relação acontece ainda, porque

a gordura e o osso partilham uma célula progenitora, as células-tronco mesenquimais mutlipotentes (MSC) na medula óssea. Estas células-tronco mesenquimais diferenciam-se em diversos fenótipos celulares, como é o caso dos adipócitos – o seu aumento provoca uma diminuição da DMO e de perda óssea em pessoas com Osteoporose.108

Outro elemento que permite dar conta desta relação é a vascularização presente durante a formação óssea, dado que esta se encontra associada com os vasos, que posteriormente vão ser revestidos pela matriz subendotelial. Outro fator presente nesta relação é a de, como os lípidos podem ser transportados no tecido ósseo, podem acumular-se nessa matriz, levando a que as células progenitoras dos osteoblastos possam estar expostas às lipoproteínas.107 Assim, os osteoblastos produzem e secretam lípidos, podendo

causar oxidação enzimática das lipoproteínas, pelo que o próprio osso pode formar lípidos oxidados (processo distinto do armazenamento no tecido adiposo) e originar um microambiente inflamatório, caso esses lípidos se acumulem durante muito tempo.106-109

10 São lipoproteínas formadas nas células do epitélio intestinal a partir das gorduras da dieta e secretadas na linfa mesentérica

através da qual alcançam a circulação sanguínea.

11 O primeiro estudo sobre este tema foi realizado em 1963.

12 Ativa a gama-carboxilação da osteocalcina e a proteína GLA da matriz que são reguladores da maturação mineral importante

Note-se que existe perda da massa óssea devido aos lípidos inflamatórios e sobrecarga oxidante, dado que estes inibem a diferenciação osteoblástica e aumentam a diferenciação osteoclástica, como podemos ver na Figura 1.10107. É de salientar ainda que existem estudos in vitro que mostram que os

lípidos/lipoproteínas modificadas inibem a diferenciação osteoblástica, a atividade da fosfatase alcalina e a deposição de cálcio na matriz.107,109

Posto isto, os lípidos encontram-se associados à Osteoporose por causa de alterações metabólicas relacionadas com patologias como a Hiperglicemia – promove a indução adipogénica das células estromais, que nos indivíduos diabéticos aumenta o risco de perda óssea e de fratura –, a Hiperlipidemia – altos níveis de colesterol total (> 240 mg/dl), colesterol das LDL (> 160 mg / dl) ou triglicerídeos (> 200 mg/dl) segundo a American Heart Association – e a dislipidemia – com níveis baixos de HDL (<40 mg/dl em homens e <50 mg/dl em mulheres).107–109 No caso da Hiperlipidemia, estudos demonstram

que as mulheres pós-menopausicas possuem uma menor DMO nos ossos lombares e do fémur e maior risco de Osteopenia que as que têm níveis lipídicos normais, pelo que a hiperlipidemia pode estar associada à Osteoporose.107,108 Note-se ainda que a relação entre os lípidos e a DMO acontece

maioritariamente em indivíduos que possuem doenças cardiovasculares e naqueles que possuem suscetibilidade genética para a hiperlipidemia. 107–109

No estudo desta relação é ainda importante notar o papel da Osteoprotegerina13 (OPG), dado que esta, é um ativador do recetor do fator nuclear kB (NF-κB) e ligante (RANKL) que existe no metabolismo ósseo e é um regulador da osteoclastogênese.107,108,110 A OPG inibe a osteoclastogênese

através da ligação ao RANKL, fazendo com que este não se ligue ao recetor ativador do NF-κB nos osteoclastos, pelo que as vias de RANKL/RANK/OPG são indispensáveis para que ocorra a remodelação óssea.107,110 No entanto, os valores dos níveis séricos da OPG aumentam com a idade, pelo

que é visto como um neutralizador da aceleração da reabsorção óssea.108,110,112

Os lípidos inflamatórios podem ainda interferir com o processo de tratamento da Osteoporose, como é o caso do anabolizante ósseo da hormona paratiroideia (PTH), isto porque induzem a expressão de RANK e suprimem a diferenciação celular do estroma da medula óssea em osteoblastos.107,111,112 No

caso da terapia com estrogénios no tratamento da Osteoporose, estudos mostram que esta terapia reduziu os níveis de ColesterolTotal e de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), havendo também

uma relação entre o metabolismo lipídico e a Osteoporose.108

É necessário notar-se que os estudos sobre esta relação são contraditórios, pelo que são necessários mais estudos nesta área. O estudo realizado por H Saghafi et al, demonstrou que o perfil lipídico encontra-se inversamente associado à DMO e, consequentemente, à Osteoporose em mulheres na pré e

13Glicoproteína solúvel que se encontra associada ao recetor do fator de necrose tumoral (TNF) e é expressa nos ossos, coração

e artérias. Esta glicoproteína liga-se ao fator da ativação ou ligando do recetor ativador do NF- B (RANKL), pelo que é um recetor solúvel do RANKL.

Figura 1.10 – Ações dos lípidos e da sobrecarga oxidante sobre o crescimento ósseo.

A geração de stress oxidativo e a inibição da diferenciação osteoblástica leva à diminuição da formação óssea e à promoção da diferenciação osteoclástica, proporcionando um aumento da reabsorção óssea e consequentemente uma perda óssea. Adaptado de Tintut Y. & Demer L.L, 2014107

Lípidos Bioativos e/ou sobrecarga oxidante Osteoblastos Reabsorção Osteoclastos Perda óssea Formação

pós-menopausa, havendo um efeito negativo das LDL sobre o metabolismo ósseo.110 Outro estudo

realizado por Makovey et al, deu conta que a DMO estava correlacionada negativamente com o colesterolTotal e LDL-C principalmente em mulheres na pós-menopausa.107,109,111

Assim, pode-se concluir que é possível uma associação entre o metabolismo do osso (e consequentemente da DMO) e o perfil lipídico, principalmente quando a população analisada são mulheres na pós-menopausa, com idade superior a 50 anos e com diabetes, já que a idade e os valores de IMC são condicionantes para a redução da DMO.110,111 Por fim, é necessário o esclarecimento sobre

a forma de como os alvos celulares e os mediadores moleculares dos lipídios bioativos podem possibilitar novas terapêuticas farmacológicas107 como forma de prevenção/tratamento de doenças como

a Osteoporose, pelo que são necessárias mais investigações na população humana.107,108