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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.6. Benefícios fisiológicos do consumo de amido resistente

1.6.2. Metabolismo da glicose

As características físico-químicas do AR e o seu comportamento como fibra alimen- tar sugerem que a ingestão de alimentos ricos neste componente está associada a uma diminuição da absorção dos hidratos de carbono, designadamente a diminuição da glico- se pós-prandial e da resposta insulínica (64).

Apesar dos numerosos estudos efetuados sobre a influência da ingestão do AR na resposta glicémica e insulínica, os resultados são difíceis de interpretar e comparar. Esta dificuldade relaciona-se com a diversidade dos tipos de AR que são testados e também com o desenho do estudo: tipo de confeção a que o AR é submetido antes de ser testado; administrado isoladamente ou incluído numa refeição em conjunto com lípidos e proteí-

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nas e presença de outras fibras alimentares. Importa realçar que nenhum dos trabalhos revelou aumento da absorção da glicose ou da resposta insulínica e que a maioria dos estudos indicia efeitos positivos após a ingestão duma refeição rica em AR. Estes efeitos consistem numa diminuição da glicémia e da insulinémia pós-prandial (31, 64).

Tendo em conta a investigação existente sobre os benefícios fisiológicos da ingestão de AR, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, ID 681) (78) aprovou recentemente o AR como ingrediente funcional. A alegação de saúde que mereceu pare- cer positivo dos peritos da EFSA refere que o AR reduz a resposta glicémica pós-prandial e que deverá substituir o amido digerível de modo a que o teor final de AR seja, pelo me- nos, 14% do amido total. Esta alegação consta do Regulamento (UE) nº 432/2012 de 16 de maio que estabelece a lista de alegações de saúde permitidas (79).

Os benefícios fisiológicos verificados quando se substitui o amido digerível por AR não comprovam as verdadeiras propriedades funcionais deste componente. Para isso é necessário investigar o efeito do AR quando o teor total dos hidratos de carbono disponí- veis se mantém constante. Bodinham et al. testou a suplementação com AR tipo 2 face a um placebo, em igualdade de HC digeríveis, e concluiu não haver efeito significativo na resposta glicémica, apresentando contudo uma diminuição na resposta insulínica (80). Hallstrom et al. comparou a resposta glicémica e insulínica após ingestão de pão de trigo com teores diferentes de AR (tipo 3), mantendo constante o teor total de HC. Este estudo concluiu que há uma diminuição da glicémia pós-prandial, no entanto a resposta insulíni- ca não apresentou diferenças significativas (44). Klosterbuer et al. encontraram resulta- dos semelhantes a este último estudo, testando o AR tipo 3 num pequeno-almoço padrão (81). Haub et al. demonstraram que tipos diferentes de AR (AR2 e AR4) apresentam res- postas glicémicas diferentes quando administrados nas mesmas doses e nas mesmas condições (82). É evidente a diversidade dos desenhos de estudo em que decorrem os vários trabalhos e a multiplicidade de respostas e ausência de consistência dos resultados obtidos. Esta realidade leva a questionar a diversidade dos efeitos fisiológicos dos dife- rentes tipos de AR e a necessidade de efetuar mais estudos focados em cada um dos tipos de AR (83).

A diminuição da resposta insulínica pós-prandial verificada em alguns dos ensaios, mesmo sem uma redução significativa da glicémia, pode indiciar alterações metabólicas importantes. É possível que o consumo continuado de alimentos ricos em AR possa ter

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um efeito positivo na sensibilidade à insulina (64). Dos trabalhos efetuados com o objeti- vo de esclarecer esta relação importa referir os que avaliaram a sensibilidade à insulina pelo método considerado “gold standard”, o clamp euglicémico hiperinsulinémico. Ro- bertson et al. compararam o efeito da ingestão de uma dieta com 30 g de AR/dia durante 4 semanas com um placebo, em indivíduos saudáveis, e concluíram que a ingestão de AR aumenta a sensibilidade à insulina (84). Johnston et al. monitorizaram dois grupos de in- divíduos insulino-resistentes antes e depois de um período de 12 semanas, durante o qual um dos grupos ingeriu 40 g de AR/dia e o outro um placebo. Também nestes indivíduos, a ingestão crónica de AR demonstrou aumentar a sensibilidade à insulina (85). Em indiví- duos obesos e com excesso de peso também se verificou um aumento significativo da sensibilidade à insulina após 4 semanas de uma dieta suplementada com 15 e 30 g/dia de AR, comparativamente a um placebo. Estas diferenças apenas se verificaram nos indiví- duos do sexo masculino e não foram detetadas diferenças significativas entre a dose de 15 e 30 g/dia (86). Bodinham et al. averiguou a influência da ingestão de AR (40 g/dia) vs placebo na dieta de indivíduos com diagnóstico de diabetes tipo 2, devidamente contro- lados, durante 12 semanas. Após este tempo foi efetuado um teste de tolerância à glicose e verificaram-se valores significativamente mais baixos para o grupo suplementado com AR. A resposta insulínica não apresentou valores significativamente mais baixos e tam- bém não foram observados efeitos positivos relativamente à sensibilidade à insulina, no entanto foram também monitorizados os valores do peptídeo 1 semelhante a glucagina (GLP-1) pós-prandial que se apresentaram significativamente mais elevados no caso da dieta suplementada com AR (87). Existe alguma evidência que sugere que o consumo frequente de uma dieta rica em AR possa prevenir, retardar ou controlar a insulino- resistência, no entanto é necessário esclarecer melhor esta relação.

O AR parece revelar-se um composto importante da dieta, quer incluindo na ali- mentação diária alimentos naturalmente ricos neste componente, quer utilizando-o como ingrediente na confeção de alimentos. No entanto, é necessária mais informação acerca dos efeitos/doses do consumo de dietas enriquecidas com os vários tipos de AR em indi- víduos saudáveis, com excesso de peso e obesidade e com diabetes tipo 2 para que sejam possíveis recomendações concretas e eficazes.

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