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A LSF propõe que a língua está sujeita às situações interativas. Dessa forma, concebe a linguagem como um sistema semiótico, organizado em diferentes estratos. Nesse sentido, afirmamos que:

um texto é o produto de uma seleção em uma grande rede de sistemas – um sistema de rede. A teoria sistêmica recebe esse nome devido ao fato de que a gramática de uma língua ser representada em forma de redes de sistemas, e não como um amontoado sem nexo entre palavras (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 23)28.

A colocação acima nos remete ao papel sistêmico da língua, função esta já esmiuçada em seções anteriores. Nessa perspectiva, a LSF entende que a natureza sistêmica da linguagem reúne em si três funções, que Halliday (1994) prefere chamar de Metafunções.

As Metafunções estão diretamente relacionadas às variantes de registro – campo, relação e modo – também já explanadas anteriormente. Cada variante destas está articulada, pontualmente, a uma Metafunção da Linguagem, sendo elas respectivamente: ideacional, interpessoal e textual. Nesse sentido, dizemos que:

28 No original: “a text is the product of ongoing selection in a very large network os systems – a system network. Systemic theory gets its name from the fact that the grammar of a language is represented in the form of system networks, not as an inventory of structures” (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 23).

64 os três componentes funcionais do significado ideacional, interpessoal e textual são realizados em toda a gramática de uma língua. Assim, na gramática, cada componente contribui com uma estrutura mais ou menos completa (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 309, tradução nossa)29

O quadro adiante ilustra a interdependência entre as variantes de registro e as Metafunções da linguagem, ao mesmo tempo em que teoriza as realizações léxico- gramaticais de cada uma.

Quadro 2: Variáveis de registro e as Metafunções em Halliday

VARIÁVEIS DE REGISTRO

METAFUNÇÕES SISTEMA

GRAMATICAL

Relação Interpessoal MODO

Modo Textual TEMA

Campo Ideacional TRANSITIVIDADE

As Metafunções da Linguagem operam no nível da oração, por meio de seleções léxico-gramaticais específicas. Estas escolhas linguísticas ajudam a compor os sentidos do texto, uma vez que refletem as condições contextuais de produção do gênero textual.

É pertinente dizermos que não entendemos estas três Metafunções enquanto algo estanque, mas sim como manifestações semânticas da língua que agem concomitantemente. Nesse sentido, dizemos que a oração é, ao mesmo tempo, troca, mensagem e representação (cf. GOUVEIA, 2009), atendendo ao caráter sociossemiótico da linguagem. Logo, as três Metafunções são realizadas gramaticalmente e, embora apresentem papeis específicos na gramática, organizam- se em uma mesma estrutura linguística em razão de sua função de significado.

A Metafunção Interpessoal lida com a relação entre interlocutores do processo enunciativo, que se articulam de acordo com dada intenção comunicativa. Assim, esta Metafunção preocupa-se com a interação, ajudando-nos a codificar atitudes de relação entre enunciadores. Dessa forma, trata-se de uma Metafunção que opera no nível das relações formais, o que a direciona ao papel de promovedora da interação social, por meio do sistema gramatical de MODO, envolvendo também a modalidade.

29 No original: “the three functional components of meaning, ideational, interpersonal and textual, are realized throughout the gramar of a language. But whereas in the gramar of the clause each component contributes a more or less complete structure” (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 309).

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À luz desse pressuposto, a Metafunção Interpessoal entende a oração como troca, partindo do princípio de que estabelece uma relação entre o oferecer e o pedir, que Halliday (1994) define como papeis fundamentais de fala, responsáveis por articular uma situação dialógica.

Por outro lado, a Metafunção Textual compreende a oração enquanto mensagem, sendo estabelecida e construída a estrutura temática do texto. A respeito desta Metafunção, Gouveia (2009) salienta que ela corresponde ao elemento articulador das demais Metafunções. Além disso, engloba os mecanismos de coesão e de coerência30.

Logo, a Metafunção Textual estuda o próprio texto, considerando a relação entre as ideias dentro de uma estrutura temática. Falamos, então, das escolhas léxico- gramaticais denominadas Tema e Rema. Estas realizações da língua operam no nível da coesão, estabelecendo significados entre termos regentes e regidos (EGGINS, 2004).

Considerando a recorrência com que utilizamos esta Metafunção na análise dos dados da pesquisa, no Capítulo IV, faz-se necessário darmos uma importância maior ao que a LSF entende como Tema. Para Gouveia e Barbara, Tema é:

o elemento que surge em primeiro lugar na oração, quando esta cumpre a função de mensagem. Todavia, não é este o modo como o Tema é definido. A definição é funcional, tal como acontece com todos os elementos na interpretação da estrutura gramatical (GOUVEIA e BARBARA, 2002, p. 2).

Optamos pelo viés funcional na definição de Tema, pois o uso desse elemento implica diferentes maneiras de pensar de um ator social. As escolhas que levam ao uso do Tema, consequentemente, são determinadas pelo Contexto de Cultura. O Tema é o início da oração, que compreende até o uso do primeiro elemento de valor experiencial (cf. HALLIDAY e MATHIESSEN, 2014). O fato de utilizarmos determinado grupo gramatical como Tema confere ao texto efeitos de sentido diferenciados caso, por exemplo, utilizássemos o mesmo grupo em outra função na oração.

O Tema ocorre em orações interrogativas, imperativas, declarativas e não declarativas. A partir disso, a LSF aponta alguns tipos de Tema. Dentre eles, temos o simples, complexo, múltiplo, marcado, não marcado e, quando ocorrem em estruturas

30 A coesão e a coerência textuais estão diretamente relacionadas ao que Halliday e Hasan entendem por textura do texto (cf. HALLIDAY e HASAN, 1989; EGGINS, 2004).

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temáticas especiais, podem ser equativos, tematizados e predicados (cf. HALLIDAY e MATHIESSEN, 2004; HALLIDAY e MATHIESSEN, 2014; THOMPSON, 2014; GOUVEIA e BARBARA, 2002). Entretanto, não é nossa intenção fazermos exaustivas explanações a respeito dos tipos de Tema. Atentemo-nos ao seu caráter semântico, de maneira a refletir sobre as possibilidades de sentido que podem ser causadas pelo seu uso na oração.

Já por Rema, a LSF entende como todo o restante da oração que aparecer após o Tema. Logo, o Rema desenvolve uma informação proposta pelo Tema. Este pressuposto alicerça a relação Tema-Rema, pois os compreendemos como dois estruturadores da mensagem, promovendo a coesão do texto.

Enquanto o Tema apresenta, comumente, uma informação dada, o Rema se encarrega de desenvolver esta ideia por meio de informações novas, capazes de promover a progressão do texto. Portanto, dizemos que o Tema é “o ponto de partida para a mensagem” (GOUVEIA e BARBARA, 2002, p. 2).

Por fim, a Metafunção Ideacional, que se desdobra em Experiencial e Lógica, enfatiza a oração como elemento de representação do mundo. Para isso, encontra no Sistema de Transitividade sua maior representatividade léxico-gramatical.

A partir da identificação das autorrepresentações dos alunos-mestre nos relatórios, foi possível analisar como esta Metafunção é capaz de representar nossas percepções externas e internas nos textos produzidos. Nesse sentido, compreendemos que, para a Metafunção Ideacional, a oração exerce papel basilar na forma como nossos conhecimentos são representados, pois é por meio dela que conseguimos externar o que pensamos a respeito do que nos cerca.

A Metafunção Ideacional implica, necessariamente, no que a LSF chama de Sistema de Transitividade. Este mecanismo, por sua vez, atua na organização do complexo oracional.

Representar o interior do ser humano é, linguisticamente, fazer escolhas de categorias gramaticais capazes de exprimir sentidos e caracterizar seu Contexto de Cultura e de Situação. Isso é fazer uso do Sistema de Transitividade, que é externado por meio de três aspectos denominados de Processos, Participantes e Circunstâncias. Estes elementos estruturam a oração e estabelecem uma relação de significado com os termos que regem. Observemos o quadro abaixo:

67 Quadro 3: Aspectos léxico-gramaticais do Sistema de Transitividade

CATEGORIA LÉXICO- GRAMATICAL

RELAÇÃO NO NÍVEL ORACIONAL

Processos Grupo verbal da oração Participantes Grupos nominais

Circunstâncias Grupos adverbiais, frases preposicionais ou conjuntivas.

A oração é vista como uma representação de sintagmas que se comunicam simultaneamente. Sendo assim, a transitividade se constrói nesse processo de relação entre verbos, nomes e frases preposicionais de lugar, tempo e modo.

Halliday e Mathiessen explicam o Sistema de Transitividade como uma relação entre o Processo e o Ator que a ele se relaciona. Assim, é possível dizer que “o Ator é interpretado como o responsável pelo desenrolar do processo por meio do tempo, e esse desdobramento é confinado no Ator ou estendido para o outro participante” (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004, p. 282, tradução nossa)31.

O pressuposto hallidayano apresenta uma visão sistêmica da gramática da língua, entendo-a como um sistema de relações entre termos regidos por categorias léxico-gramaticais. Para isso, compreende que a transitividade apresenta um modelo baseado na relação Ator\Processo.

O termo Processo designa a ideia de ação ou estado. Sua constituição ocorre no complexo oracional dentro de um grupo verbal, apresentando participantes que a ele se articularão e formarão o padrão oracional.

Nesse sentido, dizemos que existem seis tipos de Processos, que apresentam participantes específicos e exercem diferentes funções de análise (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY e MATHIESSEN, 2004). São eles: o Material, o Mental e o Relacional (ditos processos principais), e o Comportamental, o Verbal e o Existencial (considerados processos intermediários, tendo em vista que sua condição semântica encontra-se entre os processos principais).

A seguinte figura ilustra a informação apresentada acima. Trata-se de um esquema traduzido de Halliday (1994) e de Halliday e Mathiessen (2004).

31 No original: “The actor is construed as bringing about the unfolding of the process through time, and this unfolding is either confined in its outcome to the actor or extended to another participant” (HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004, p. 282).

68 Figura 4: Tipos de Processos e os sentidos que causam32

Os Processos Materiais, identificados na figura acima pela cor vermelha, são relacionados à noção de fazer; os Mentais, identificados pela cor azul, são ligados ao sentir; os Relacionais, de cor amarela, correspondem à ordem do ser; os Comportamentais, de cor roxa, designam comportamentos de natureza psicológica ou fisiológica; os Verbais, de cor verde, se relacionam com o pressuposto do dizer; e os Existenciais, ilustrados na figura na parte laranja, correspondem à ideia de existir.

Em síntese, o Sistema de Transitividade é constituído pela relação semântica entre Processos e os termos que a ele se articulam. Dessa forma, os padrões oracionais estabelecidos pela transitividade devem ser analisados em conformidade

32 Traduzido de Halliday (1994, p. 108).

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com o contexto em que opera. Nesse sentido, dizemos que a transitividade é de caráter semântico e pragmático.