2.6 Veneno de aranhas do gênero Loxosceles
2.6.1 Metaloproteases do veneno loxoscélico
Dentre as classes de toxinas identificadas em venenos loxoscélicos estão as metaloproteases do tipo astacina. Nos primeiros estudos com o veneno total de Loxosceles intermedia foram observadas duas regiões por eletroforeses com atividade proteásica, identificadas como: Loxolisina A, com massa molecular de 20 – 28 kDa, a qual apresenta atividade fibronectinolítica, fibrinogenolítica e se liga a gelatina; e Loxolisina B, com massa molecular de 30 – 32 kDa, a qual apresenta apenas atividade gelatinolítica. Além de moléculas de fibrinogênio e fibronectina, estas enzimas também podem
hidrolisar entactina e o núcleo proteico de heparan sulfato. Uma vez que verificou-se a perda da atividade proteolítica das enzimas ao usar quelantes de metais divalentes como EDTA e 1,10-fenantrolina, estas proteases foram caracterizadas como metaloproteases (DA SILVEIRA et al., 2002; FEITOSA et al., 1998; VEIGA et al., 2000a; ZANETTI et al., 2002).
As enzimas Loxolisina A e Loxolisina B são glicoproteínas ricas em manose, entretanto, a Loxolisina A também possui resíduos de N-acetilglicosamina e fucose. Foi demonstrado que estes carboidratos presentes na Loxolisina A não são necessários para a atividade da enzima, uma vez que a degradação de fibronectina e fibrinogênio não foi afetada após a remoção enzimática de carboidratos da proteína. Por outro lado, os carboidratos presentes na Loxolisina B são essenciais para a atividade desta enzima sobre moléculas de gelatina (VEIGA et al., 1999).
Estudos avaliando a ação do veneno total de L. intermedia sobre a membrana basal de células tumorais da linhagem EHS (Engelbreth-Holm-Swarm) demonstraram que metaloproteases do veneno são capazes de hidrolisar entactina e o núcleo proteico de heparan sulfato, danificando a membrana basal. Desta forma foi postulado que a ação destas metaloproteases pode estar associada à insuficiência renal após o envenenamento (VEIGA et al., 2000a). Suportando esta hipótese, um estudo posterior demonstrou a ação do veneno total de L. intermedia em rins de camundongos, onde foram observados danos ào glomérulo e túbulos proximais e distais. Toxinas do veneno foram capazes de causar citotoxicidade de podócitos, resultante da perda de pedicelos, alteração de estruturas de filtração (como o endotélio fenestrado) e redução da membrana basal; e necrose das células do epitélio tubular, evidenciada por vacuolização, destruição de mitocôndrias, presença de retículo endoplasmático liso proeminente e autofagossomos (LUCIANO et al., 2004). Além disso, efeitos como alterações morfológicas no endotélio de vasos sanguíneos com destruição da membrana basal subendotelial, formação de redes de fibrina e trombo no lúmen dos vasos também foram verificados (ZANETTI et al., 2002).
Devido ao fato de que o método de extração de veneno total (eletrochoque no cefalotórax) de Loxosceles intermedia poderia estar sujeito à contaminação com egesta abdominal, a qual é constituída por enzimas
proteolíticas que poderiam resultar na hidrólise dos substratos das metaloproteases previamente citadas, a coleta do veneno foi realizada diretamente das glândulas produtoras de veneno, logo, livre de contaminantes (DA SILVEIRA et al., 2002).
Foi comprovado que as proteases com massa molecular de 32 – 35 kDa estão presentes no veneno da aranha e são realmente responsáveis pela hidrólise de fibronectina e fibrinogênio, corroborando com os dados obtidos por outros autores (DA SILVEIRA et al., 2002; FEITOSA et al., 1998; VEIGA et al., 2000a; VEIGA et al., 1999; VEIGA et al., 2001a; VEIGA et al., 2001b). Além disso, foi verificado que o veneno de Loxosceles laeta também possui metaloproteases de 32 – 35 kDa com atividade gelatinolítica (DA SILVEIRA et al., 2002) e que metaloproteases semelhantes estão presentes em outras espécies de aranhas-marrons, sendo descritas nos venenos de L. rufescens, L. deserta, L. reclusa e L. laeta (BARBARO et al., 2005; YOUNG e PINCUS, 2001; FERNANDES-PEDROSA et al., 2002).
Através de uma biblioteca de cDNA da glândula de veneno de Loxosceles intermedia, foi realizada a clonagem e expressão de uma metaloprotease recombinante que hidrolisa moléculas de fibronectina, fibrinogênio e gelatina, além de resultar em alterações morfológicas e perda de adesão em células subendoteliais de coelho. Neste mesmo estudo foi mostrado que a protease obtida pertence à família de metaloproteases do tipo astacina por apresentar os motivos estruturais característicos que definem a família – o motivo de ligação ao zinco (HEXXHXXGXXHE – onde “X” representa qualquer aminoácido) e a volta de metionina (SXMHY). Por sua vez, esta metaloprotease foi nomeada Loxosceles Astacin-Like Metalloprotease (LALP1) (BODE et al., 1993; DA SILVEIRA et al., 2007a; STOCKER et al., 1993).
Foi mostrado que a LALP1 possui sequência nucleotídica composta por 900 pares de base. A sequência aminoacídica deduzida é constituída de: um pré-peptídeo (peptídeo sinal) com 16 resíduos de aminoácidos, um pró-peptídeo com 35 resíduos de aminoácidos, e o domínio catalítco com 213 resíduos de aminoácidos. Por meio de ferramentas de bioinformática foi verificado que a LALP1 possui massa molecular aproximada de 28,6kDa com pI de 6,09. Ainda, esta enzima apresenta quatro resíduos de cisteínas que possivelmente formam pontes dissulfeto e dois possíveis sítios de
N-glicosilação (NGS e NNT) (Figura 6). Este foi o primeiro membro da família das astacinas descrito no veneno de Loxosceles e acredita-se que esta protease possua efeitos tóxicos no processo de envenenamento pela aranha-marrom. A descoberta foi de grande significância, uma vez que anteriormente não havia sido caracterizada nenhuma metaloprotease do tipo astacina presente em venenos animais (DA SILVEIRA et al., 2007a).
FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO DAS SEQUENCIAS NUCLEOTÍDICA E AMINOACÍDICA PREDITA DA LALP1. Em destaque estão mostrados o peptídeo sinal no inicio da sequência (sublinhado), o primeiro aminoácido (asparagina) da sequência do domínio catalítico e as assinaturas da família das astacinas (motivo de ligação ao zinco e volta de metionina),
representados em caixa. Entre colchetes estão representados os possíveis sítios de N-glicosilação. As setas representam os oligonucleotídeos utilizados para a clonagem da
LALP1.
Estudos posteriores demonstraram que as proteínas do tipo astacina constituem uma família gênica em aranhas do gênero Loxosceles, uma vez que na espécie Loxosceles intermedia foram identificadas e clonadas duas novas isoformas presentes no veneno, denominadas LALP2 e LALP3. Ao comparar as sequências aminoacídicas preditas, foi observado que a LALP2 possui 43% de identidade com LALP1, ao passo que a LALP3 possui 46%. Além disso,
foram identificadas pelo menos uma isoforma de metaloprotease do tipo astacina no veneno de Loxosceles laeta (LALP4) e uma isoforma no veneno de Loxosceles gaucho (LALP5) (TREVISAN-SILVA et al., 2010). Corroborando com estes dados, o transcriptoma da glândula produtora de veneno de Loxosceles intermedia revelou transcritos codificando para várias isoformas de LALPs e acredita-se que ao menos mais duas isoformas estejam presentes no veneno de L. intermedia (GREMSKI et al., 2010).