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2. INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS E PROCESSOS DE

2.2. Metamorfoses da política social sob o olhar do território

“Eu prefiro essa metamorfose ambulante Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Raul Seixas

A existência de formas de atendimento aos pobres remonta a períodos antes mesmo das formas capitalistas de organização do modo de produção na sociedade. O Estado e a sociedade se organizavam para dar conta do atendimento, que se pautavam em ações assumidas majoritariamente pela igreja através de formas caritativas. Essas formas de atendimento podem ser consideradas como formas de existência da política social, já que esta perpassa a sociedade de classes. “É esta característica da política social – herdada não propriamente da ordem burguesa, mas de todos os modos de produção divididos em classe (escravista, feudal, capitalista)” (PEREIRA, 2008, p.27).

Mas foi a partir do processo de acumulação capitalista, representada pela industrialização, que o conflito capital versus trabalho tornou-se evidente, resultando na chamada questão social e exigindo do Estado respostas mais contundentes às expressões decorrentes desse conflito.

[...] a questão social, específica da ordem burguesa e das relações sociais que a sustentam, é apreendida como expressão ampliada da exploração do trabalho e das desigualdades e lutas sociais dela decorrentes: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social (IAMAMOTO, 2008, p.162).

E nas primeiras décadas do século XX, temos um período que marca justamente o início do aprofundamento da questão social na sociedade brasileira, já que a produção de mercadorias teve um aumento que resultou na intensificação da exploração da força de trabalho num contexto em que os direitos sociais se encontram num processo embrionário. Na medida em que a industrialização é assumida e incentivada pelo Estado brasileiro, com a abertura, inclusive, ao capital estrangeiro e início da dívida externa, o aprofundamento da questão social na sociedade brasileira, se intensifica. Nesta relação de capital versus trabalho, a produção das riquezas opera num sentido

oposto da distribuição da riqueza produzida. Aqueles cuja força de trabalho maciçamente gera essa riqueza produzida, são também aqueles que, dado o processo de extração da mais-valia, irão receber em troca do seu trabalho muito menos do que a quantidade de riquezas que o seu trabalho realmente produziu. Nas palavras de Iamamoto (2006, p. 27) “a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.

Assim, há a necessidade do Estado dar resposta às expressões da questão social. A política social então, passa a ser uma resposta à questão social. Destaca-se o predomínio das ações de caráter assistencialista, realizada tanto pela igreja, quanto pelo Estado, que tinham como objetivo atenuar a tensão gerada pela desigualdade social e a contenção das formas de rebeldia aos ditames do modo de produção capitalista. Tornou-se uma forma de permitir a reprodução das relações sociais mantendo o status quo. “Uma parte da burguesia deseja compensar injustiças sociais, para assegurar a continuidade da existência da sociedade burguesa” (MARX e ENGELS, 1998, p.56).

As práticas assistenciais desenvolvidas nos vários Estados brasileiros, ao longo dos anos de 1930 e 1940, e os eventuais benefícios concedidos aos trabalhadores, através de empréstimos, assistência médica, social e auxílios materiais, encobriam as reais intenções subjacentes (MARTINELLI, 2006, p. 124)

Mas um marco nesse processo é decisivo: é somente a partir do movimento e da organização da classe trabalhadora, que inicia-se o processo de disputa acerca da política social. Denota-se, assim o aspecto central da política social: a contradição. De forma que, hora viabiliza o acesso aos direitos sociais, mas também projetam-se, como instrumento de concessão da burguesia à classe trabalhadora, já que “as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante” (MARX e ENGELS, 2009, p. 67).

Nesse sentido, todo o fenômeno social analisado, e aqui se inserem as políticas sociais como processos sociais inscritos na sociedade burguesa, deve ser compreendido e sua múltipla causalidade, bem

como em sua múltipla funcionalidade no âmbito da totalidade concreta, como principio estruturante da realidade (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p.40).

Consideramos assim, que a análise das políticas sociais, insere-se a partir de um “processo e resultado das relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e lutas de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo” (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p.36). É desta forma também que a proteção social passa a ser conquista e patrimônio da classe trabalhadora, mas também como concessão da burguesia às lutas populares.

Quando abordamos a temática da política social, sendo esta um debate constante no Serviço Social, estamos falando de algo que não é linear. A política social, a partir da tomada de consciência e de organização da classe trabalhadora, passou a estar em disputa. Disputa que hora viabiliza direitos, hora apenas protege o capitalismo dele mesmo, realizando ações que não dão margem a processos emancipatórios da classe trabalhadora.

A categoria contradição, portanto, é uma chave de análise para se discutir política social. A partir das reflexões produzidas, tomamos como desafio atual ao campo das políticas sociais, os processos de remoção e reassentamento e a intersetorialidade. Dessa forma, construímos essa reflexão, partindo das metamorfoses sofridas pela política social e que, ao longo da história e da contemporaneidade, continua sofrendo. Como ela está em constante disputa, pautamo-nos como atores e atrizes desse processo de metamorfose da política social, disputando esse campo como concreto caminho à emancipação política.

Conforme Pereira (2008) é mediante a política social que direitos sociais se concretizam e necessidades humanas são atendidas na perspectiva da cidadania ampliada. A partir da sua origem, podemos nos remeter às suas características e entender as contradições que as permeiam.

2.3. Concepções de território e acesso aos direitos: o chão da