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Capítulo II – Metodologia

2) Metodologia de análise dos textos

O procedimento metodológico referente à análise do material bibliográfico foi de importância fundamental para este trabalho, visto que foi a partir desta análise que toda a dissertação foi construída. A leitura dos livros e artigos de Lovelock foi feita de modo direcionado, buscando-se nos textos deste autor a presença de aspectos essenciais para a caracterização de Gaia como um programa de pesquisa e para a análise da estrutura deste programa e avaliação de sua cientificidade. Esses aspectos essenciais foram elaborados na forma de tópicos, a partir de um estudo dos principais pontos que caracterizam a metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos. Os artigos de Lovelock foram lidos em ordem cronológica, visto que Lakatos toma como ponto de partida a idéia de que um programa de pesquisa deve ser analisado como uma série de teorias que se modificam ao longo do tempo e, assim, ao interpretarmos Gaia como um programa de pesquisa, pareceu-nos que o procedimento mais apropriado para a análise do material bibliográfico deveria ter como base uma leitura cronológica do mesmo, desde a época, na década de 1960, em que esperávamos encontrar os primeiros elementos que conduziriam Lovelock à proposição da teoria. Ao realizarmos a leitura de cada texto de Lovelock, todos os pontos explicados abaixo foram analisados, não necessariamente na ordem em que são apresentados, visto que nem todos os textos contêm, necessariamente, cada um dos tópicos investigados. A análise da teoria Gaia como um programa de pesquisa envolverá todos os itens abaixo, que são intimamente relacionados e apresentam, cada um, importância fundamental para os resultados da pesquisa.

Todos os trechos dos artigos e livros de Lovelock que aparecem na íntegra nesta análise foram colocados, em sua versão original em inglês, em notas de rodapé. Este procedimento se mostrou importante, visto que toda a análise foi feita com base em afirmações encontradas nos trabalhos de Lovelock, sendo desejável que os leitores desta

dissertação tivessem acesso aos textos originais. A tradução desses trechos fez parte do trabalho da dissertação e é de nossa responsabilidade.

(a) Delimitação da(s) versão(ões) da teoria Gaia com sua(s) proposição(ões)

nuclear(res) e seu(s) cinturão(ões) protetor(es).

Esse item consiste na observação e caracterização das modificações que possam ter ocorrido na estrutura da teoria Gaia desde a sua formulação inicial até os dias atuais. A leitura e análise dos trabalhos de Lovelock será direcionada para a observação de qual(is) a(s) idéia(s) principal(is) ou proposição(ões) nuclear(es) que aparece(m) em cada texto e quais são as hipóteses auxiliares que constituem o cinturão protetor desta(s) proposição(ões) nuclear(es), bem como as modificações que ocorreram nestas hipóteses ao longo do tempo. Como resultado da leitura dos trabalhos de Lovelock, será possível explicitar as idéias principais que caracterizam Gaia como um programa de pesquisa (o ‘núcleo duro’ do programa) e as idéias secundárias que cumprem o papel de proteger as idéias nucleares da falsificação pela experiência. A partir da análise de diferentes versões da teoria Gaia, será possível verificar se houve mudanças nas proposições nucleares e/ou nas hipóteses auxiliares desse programa de pesquisa, quais foram estas mudanças e se elas de algum modo acrescentaram idéiasnovas importantes à teoria. Caso seja verificada uma mudança na(s) proposição(ões) nuclear(es) da teoria Gaia, estaremos diante de um novo programa de pesquisa. Para a identificação de diferentes versões da teoria Gaia, será utilizado o seguinte critério: Uma transição de uma versão a outra da teoria será identificada com base em modificações de proposições incluídas no cinturão protetor ou com base na inclusão de novas proposições auxiliares, com o intuito de salvar o núcleo duro de uma falsificação. Uma simples inclusão de proposições novas no cinturão protetor da teoria Gaia não será considerada suficiente para que se postule uma mudança de versão da teoria, sendo entendida simplesmente como parte do desenvolvimento gradual deste cinturão, a não ser no caso, apontado acima, em que a introdução da proposição nova tenha o papel de desviar uma falsificação do núcleo duro. O fato de não considerarmos todas as alterações no cinturão protetor da teoria Gaia como desencadeadoras de uma mudança de

versão pode ser visto, de certo modo, como uma qualificação da metodologia proposta por Lakatos, em vista de este considerar um programa de pesquisa como “uma série de teorias conectadas entre si e que apresentam certa continuidade” (Lakatos, [1978]1995, p.47). Esta decisão metodológica, no entanto, parte do princípio de que “a seqüência de teorias características de um programa de pesquisa representam estágios do desenvolvimento dessa idéia” (Larvor, 1998, p. 54) e de que a suplementação do núcleo irredutível com suposições adicionais levaria ao “desenvolvimento de modelos cada vez mais complicados” (Lakatos, [1978]1995, p. 47). Sendo assim, a delimitação proposta para a mudança de versões, ainda que possa ser entendida como uma qualificação adicional, não parece ser incompatível com a metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos. Trata-se de postular-se o surgimento de uma nova versão da teoria Gaia apenas nos casos em que a modificação ou inclusão de uma dada proposição tenha realmente levado a teoria a um novo estágio de desenvolvimento e, conseqüentemente, a uma nova série de desafios a enfrentar.

(b) Análise do caráter progressivo ou degenerescente da teoria Gaia como um programa de pesquisa.

Após delimitar-se as versões da(s) teoria(s) Gaia e suas proposições nucleares e auxiliares, levando-se em consideração a heurística negativa (a convenção metodológica de que o núcleo duro de um programa de pesquisa deve ser mantido o mesmo durante todo o seu desenvolvimento) e a heurística positiva (que consiste em um conjunto de sugestões ou palpites sobre como desenvolver e modificar o cinturão protetor refutável de um programa), será realizada a análise do poder heurístico da teoria Gaia. Esta análise terá como base a quantidade de previsões novas, de fenômenos desconhecidos, derivadas desta teoria e a extensão da sua capacidade de explicar as suas refutações no decurso do seu desenvolvimento como um programa de pesquisa (Lakatos, [1978]1995, p.52).

Um ponto fundamental consiste na verificação de se a série de teorias que constitui o programa de pesquisa Gaia pode ser considerada teoricamente progressiva ou empiricamente progressiva. Para isso, deve-se realizar uma comparação entre as versões da teoria Gaia encontradas (caso exista mais de uma), verificando-se a existência de conteúdo

empírico adicional, na forma de previsões de fatos novos, e/ou a corroboração de parte desse conteúdo adicional a partir da base empírica da teoria. A existência de conteúdo empírico adicional na série de teorias que compõe o programa de pesquisa Gaia indicaria sua natureza progressiva em termos teóricos. A corroboração ocasional de pelo menos parte desse conteúdo empírico indicaria sua natureza progressiva em termos empíricos. Caso não se verifique nem uma coisa nem outra, a teoria Gaia deverá ser considerada um programa de pesquisa degenerescente.

(c) Avaliação da cientificidade da teoria Gaia numa visão Lakatosiana.

A verificação do caráter progressivo ou degenerescente de Gaia como um programa de pesquisa é de extrema importância para esse trabalho, visto que o critério utilizado por Lakatos para considerar um programa de pesquisa como científico é o de que este deve apresentar uma alteração progressiva de problemas, ao menos teoricamente. Assim, após o resultado da análise anterior, existirão dados teóricos que justificarão a inclusão ou não da teoria Gaia no âmbito das ciências, desde uma perspectiva Lakatosiana. Observa-se que, para que se chegue a esta conclusão, toda uma caracterização do programa de pesquisa de Gaia terá de ser realizada. Os tópicos que seguem têm como objetivo destacar alguns dos potenciais progressos empíricos e teóricos desse programa de pesquisa, caso trate-se, de fato, de um programa progressivo.

(d) Avaliação do conteúdo empírico e da testabilidade da teoria Gaia.

Esse item consiste na busca de exemplos que demonstrem uma alteração teoricamente progressiva do programa de pesquisa de Gaia. Para isso, será verificado se, na seqüência dos textos analisados, aparecem conteúdos teóricos adicionais na forma de previsões de fatos novos. Esses conteúdos não precisam ser necessariamente corroborados empiricamente, visto que, em um deslocamento teórico de problemas consistentemente

progressivo, não há a exigência de que, a cada passo, se produza imediatamente um novo fato observado (Lakatos, 1995, pp. 48-49).

(e) Avaliação do conteúdo empírico corroborado da teoria Gaia.

Apesar de não existir a exigência de que todos os conteúdos empíricos testáveis sejam empiricamente corroborados, visto que um programa pode ser frustrado empiricamente por uma longa série de refutações antes que surjam hipóteses auxiliares engenhosas capazes de transformar uma seqüência de derrotas em uma história de sucesso, Lakatos considera que um programa de pesquisa deve apresentar, ao menos de vez em quando, um acréscimo de conteúdo corroborado. Assim, de acordo com Lakatos, um programa de pesquisa deve apresentar uma alteração empírica intermitentemente progressiva (Lakatos, 1995, pp. 48-49). Esse item consiste na procura de dados empíricos ao longo da leitura da bibliografia levantada que, de algum modo, tenham corroborado previsões oriundas da teoria Gaia. Caso se encontre algum tipo de conteúdo empírico corroborado na teoria Gaia, isso indicará o progresso empírico desse programa de pesquisa.

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