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2. Nordeste Paulista: de centro a periferia

2.1 Metodologia para cruzamento de dados

A estratégia adotada para abordar a questão de quem operou a cafeicultura no Nordeste Paulista foi a de se identificar o emaranhado das parentelas, antes da chegada do café, e de se verificar se elas aparecem como os principais agentes da cafeicultura nas diversas fontes consultadas.

A razão para a escolha da parentela como categoria de análise se justifica por dois motivos: por um lado, ela é a unidade fundamental da organização da economia

44 O autor nota que, nas décadas de transição, 65% dos cativos vendidos tiveram como destino

e do poder de certos grupos para se prenderem ao território. Por outro lado, essa categoria de análise é um modo prático de investigação das permanências ou rupturas de certos grupos no poder ao longo de uma série temporal, uma vez que seus herdeiros perduram no tempo e no espaço mais do que um simples indivíduo, carregando os sobrenomes que lhe puseram na condição de proprietários, o que para os efeitos da estratégia aqui adotada torna a busca muito mais eficaz.

Nesse sentido, cabe aqui introduzir uma questão técnica de suma importância, a distinção entre o indivíduo, com seu sobrenome composto geralmente pelos do pai e da mãe (Antonio Ferreira Rosa, por ex.), o tronco, que seriam todos os indivíduos com o mesmo sobrenome composto (Antonio, Boaventura e Martinho Ferreira Rosa, por ex.), a família, que seria um sobrenome isolado ou um dos componentes do tronco (Rosa, por ex.) e a linhagem, que seriam todos os ascendentes e descendentes desse determinado indivíduo.

Os troncos podem ser mais ou menos duradouros, havendo algumas combinações de sobrenomes que não atingem nem o segundo momento da série estudada, como os Antunes Cintra, por exemplo, e outras que advêm de períodos anteriores e se prolongam para além da economia cafeeira, como os Diniz Junqueira.

É preciso atentar também para a “geografia” da presença de alguns troncos na escala da província, a fim de saber por onde estavam enraizados. Neste aspecto, a busca por um tronco é muito mais eficaz que a procura por uma família. Os Ferreira, por exemplo, foram arrolados inúmeras vezes em diversos municípios da Província nas listas consultadas, sem uma geografia definida, o que significa que certamente não se trata mais da mesma parentela, podendo haver descendências completamente diferentes. O mesmo acontece com os Alves. Por outro lado, a procura pelo tronco dos Alves Ferreira na década de 1870 revela seu enraizamento justamente pela Estrada do Anhanguera e pelo antigo Picadão de Cuiabá, muito embora sua duração como tronco seja breve, toda vez que os Ferreira se cruzaram também com os Martins, os Rosa e os Souza, e foi assim que se perpetuam pela região.

Desta forma, admite-se que a parentela é um emaranhado de linhagens em um grupo controlado de famílias, sendo que um tronco é um “momento” da parentela,

em suas diversas ramificações permitidas. É possível, a partir desse “momento”, avançar ou retroceder as linhagens para se atingir o objetivo específico de descobrir a origem dos indivíduos que assumiriam a cafeicultura e o destino dos que ocupavam o Sertão do Rio Pardo anteriormente.

O momento específico que este capítulo foca é o período da transição gado/café, e as fontes escolhidas para revelar as atividades e os indivíduos presentes nessa passagem se referem aos anos de 1873, 1888, década de 1890 e 1901.

Sobre os anos de 1873 e 1888, foram consultados como fontes primárias o

Almanak da Provincia de São Paulo para 1873 (LUNÉ; FONSECA, 1873),

organizado por Antonio José Baptista de Luné e Paulo Delfino da Fonseca e o

Almanach da Provincia de São Paulo, administrativo, comercial e industrial para 1888 (SECKLER, 1888), organizado por Jorge Seckler. O primeiro fornece uma lista

com alguns dos principais fazendeiros e criadores de gado anteriores à chegada do café e da ferrovia na região45 e o segundo aponta para os principais fazendeiros de café e de gado no ano de 1888, quando já havia sido implantada a ferrovia em ambos os municípios. Vale atentar que, com esse tipo de fonte de dados, devemos apenas tomar como conclusivas as ponderações a respeito dos fazendeiros que

estão presentes na lista, pois a ausência de uma família em algum dos

levantamentos pode não condizer à realidade46.

Os almanaques trazem também informações sobre os cargos políticos e militares de alguns indivíduos, o que contribui para se perceber a extensão dos “tentáculos” das parentelas pelo Estado. O nome das fazendas, também presente em uma das listas, auxilia na descoberta da origem dos indivíduos arrolados quando confrontado com a bibliografia referente às fazendas da região.

Deve-se esclarecer também sobre as categorias de agricultores utilizadas pelos dois almanaques para arrolar indivíduos. Para o ano de 1873, há apenas um fazendeiro de café arrolado para Batatais, e essa categoria nem aparece para Franca, o que sugere a distância da “onda cafeeira” mantida até então. Nesse mesmo ano, para Batatais, aparece a categoria “criadores de gado”, e para Franca, infelizmente, aparece apenas a categoria genérica de “fazendeiros”. O importante é

45A ferrovia chega em 1878 a Batatais e em 1887 a Franca. 46 Algumas ausências

perceber, contudo, quem são os principais fazendeiros e que não estão a praticar a cafeicultura. Já para o ano de 1888, a situação se inverte, aparecendo para Batatais a categoria genérica de “fazendeiros” e para Franca “criadores de gado”. No entanto, ambos os municípios contêm a categoria “fazendeiros de café”, o que é de extrema importância já que revela a chegada do produto e quais fazendeiros se dedicaram a ele.

Com referência à década de 1890, dispõe-se da lista com os dez maiores fazendeiros de café no município de Franca e suas respectivas safras e valores por elas auferidos, lista levantada por Falleiros (2002) em sua transcrição dos

inventários do 1º e 2º Ofício Cível desse município. Tal lista revelou as famílias do

topo da elite cafeeira no intervalo de uma década.

Para o ano de 1901, utiliza-se da lista dos 28 maiores produtores de café no município de Franca. Diferentemente da lista anterior, ela não aponta apenas para o topo da elite, mas inclui os grandes e médios produtores de café, apresentando um espaço amostral muito maior.

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