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6 Discussão

6.1 Da metodologia empregada

6.1.1 O cão como modelo experimental

Todo material a ser empregado no tratamento endodôntico de seres humanos necessita ser previamente analisado quanto à sua eficiência e notadamente no que diz respeito à sua biocompatibilidade. Os materiais obturadores de canais aqui estudados, a pasta lentamente reabsorvível de Maisto (Pasta Maisto), Pasta L&C e o cimento Sealer 26 já foram objeto de alguns estudos em experimentações prévias, inclusive em animais. Esses materiais foram também empregados no tratamento de dentes humanos permanentes, contudo, a possibilidade de emprego em dentes decíduos começou a ser analisada mais recentemente. Assim, a Pasta Maisto foi utilizada experimentalmente em dentes decíduos humanos (GUILLEN, 200038; REDDY e FERNANDES, 1996101) enquanto o cimento Sealer Plus, variável do Sealer 26, foi empregado em dentes decíduos de cães (NERY, 2000)91. No entanto, o cimento Sealer 26 com iodofórmio ainda não foi empregado em trabalhos experimentais, tanto em dentes permanentes quanto decíduos, motivo pelo qual optamos por estudá-lo, primeiramente em dentes de animais. Já a Pasta L&C foi apenas objeto de dois estudos clínicos, na obturação de canais de dentes decíduos humanos (ALVES et al., 19943; PÉRET, 199998). Justifica-se, portanto, a realização de um estudo histomorfológico padronizado e comparativo, em dentes decíduos de animais, objetivando analisar a viabilidade do emprego desses materiais em dentes decíduos humanos.

Em relação aos dentes de animais, poderíamos empregar dentes decíduos de macacos ou de cães. Optamos pelos dentes de cães,

por entendermos que os macacos exibem, de um modo geral, resistência orgânica superior à humana (TORNECK et al., 1973)140. Por outro lado, sabe-se que os cães são mais sensíveis que o homem a determinadas injúrias. Já em 1938, Dixon e Rickert22 chamavam a atenção para esse fato, ressaltando que essa maior sensibilidade era bem vinda porque, se lograrmos controlar o “problema” no cão, com mais facilidade o faremos no dente humano. Na oportunidade, os mesmos autores salientavam que, pelos dados por eles obtidos em dentes de cães, concordavam com alguns autores europeus quanto à preferência por esse animal como modelo experimental. Além desses argumentos, demos preferência aos cães por permitirem que realizássemos nosso experimento em animais da mesma ninhada, o que não seria possível em dentes de macacos. A realização do trabalho em animais da mesma ninhada, filhos dos mesmos pais, permitiram maior padronização do experimento.

Alguns autores tem dado preferência à experimentação em dentes de cães por diferentes razões (STROMBERG, 1969)135. Esses animais possuem muitos dentes passíveis de tratamento, com canais relativamente retos e facilmente acessíveis. Além disso, tem sido relatado semelhança no processo de reparo após pulpectomia e obturação de canal entre dentes humanos e de cães (MATSUMIYA e KITAMURA, 196085; NYGAARD-OSTBY, 196194; BARKER e LOCKETT, 19716).

Constituem também forte suporte para essas observações um número expressivo de diferentes experimentações realizadas pela equipe de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP. Essas experimentações mostraram uma estreita relação entre os resultados obtidos no tratamento conservador da polpa de dentes permanentes de cães, tais como capeamento, curetagem pulpar e pulpotomia (HOLLAND, 197145; MELLO et al., 197288; SOUZA e HOLLAND, 1974131; HOLLAND et al.,197866; HOLLAND et al., 198253; HOLLAND et al., 198657; HOLLAND et al., 200167)

com os obtidos em dentes permanentes humanos (RUSSO et al., 1974115; GIANSANTE JÚNIOR et al., 199734; GIANSANTE JÚNIOR e HOLLAND, 200233). De igual modo, experimentações em dentes permanentes de cães com rizogênese incompleta, tanto em polpas (HOLLAND et al., 1983)56 quanto tecidos periapicais (HOLLAND et al., 1992)62, exibiram grande parâmetro com os resultados obtidos em dentes permanentes humanos em condições semelhantes (HOLLAND et al., 1973)48. Também numerosas experimentações realizadas com o tratamento endodôntico de dentes permanentes de cães (HOLLAND et al., 198651; HOLLAND et al., 199058) evidenciaram resultados semelhantes aos observados em dentes permanentes humanos (HOLLAND et al.,197752; HOLLAND et al., 197861).

Os experimentos citados, até então, referem-se àqueles realizados em dentes permanentes de cães. Quanto aos dentes decíduos, vários projetos foram desenvolvidos por Docentes da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP. Assim, estudou-se o comportamento da polpa dentária após tratamento conservador (RUSSO et al., 1972114; RUSSO E HOLLAND, 1974111; RUSSO et al., 1974115; RUSSO e OLIVEIRA, 1975112; RUSSO et al., 1976113; RUSSO et al., 1984116) bem como tratamento endodôntico em casos de biopulpectomia e necropulpectomia (RUSSO et al., 1976113; FARACO JÚNIOR e PERCINOTO, 199826; NERY, 199990; NERY, 200091; BOER, 200213). Outros autores tem também desenvolvido projetos envolvendo tratamento endodôntico e da polpa de dentes decíduos de cães (ABDO et al., 19791; HENDRY et al., 198241; MATSUMURA, 198386; WOODS et al., 1984144; RIBEIRO et al., 2000105).

Quanto aos dentes empregados nos experimentos de tratamento endodôntico em dentes decíduos de cães, observa-se que alguns empregam molares e dentes anteriores (RUSSO et al., 1976113; FARACO JÚNIOR e PERCINOTO, 199826; NERY, 199990; NERY, 200091) enquanto

que outros dão preferência aos molares (HENDRY et al., 198241; MATSUMURA, 198386; WOODS et al.,1984144). Nós preferimos selecionar para este estudo os dentes anteriores, que exibem canais retos, de mais fácil acesso e padronização e que permitem a intervenção endodôntica já aos 2 meses de vida do animal.

6.1.2 Abertura coronária e preparo biomecânico dos canais radiculares

As aberturas coronárias foram realizadas pela face vestibular, por serem mais facilmente efetuadas e por permitirem um acesso retilíneo ao interior dos canais radiculares. Considerando que na obturação dos canais radiculares de dentes decíduos não emprega-se cones de guta percha e sim apenas pastas ou cimentos obturadores, não houve preocupação em dar uma forma definida aos canais, mas tão somente extirpar a polpa e ampliar o canal com dois objetivos: remover os resíduos pulpares e permitir a introdução adequada do material obturador. Essa tarefa foi realizada com o auxílio de extirpa nervos e limas tipo Kerr, manobra executada por vários autores (RUSSO et al., 1976113; FARACO JÚNIOR e PERCINOTO, 199826; NERY, 199990; NERY, 200091; COSER e GIRO, 200218). Contudo, apesar do esforço dirigido no sentido de remover toda a polpa dental, esse objetivo pode eventualmente não ser amplamente alcançado, fato notado em alguns espécimes deste trabalho, como é exemplo o caso da Figura 55. Também de igual modo, como pode acontecer nos dentes permanentes, não foi possível evitar que houvesse presença de detritos na porção mais apical de alguns canais, a despeito das abundantes irrigações com soro fisiológico. Ao realizarmos o tratamento endodôntico, durante o preparo biomecânico, o contato das limas com as paredes do canal promovem liberação de raspas

de dentina que podem, inclusive, ficarem englobadas com restos orgânicos. No entanto, sempre almejamos remover todos esses detritos do interior dos canais, através de freqüentes irrigações mas, muitas vezes, é difícil evitar que esses detritos permaneçam, ficando envoltos pelo material obturador ou mesmo interpondo-se entre este e os tecidos periapicais.

Os trabalhos existentes na literatura, em sua maioria, não descrevem a presença ou ausência de detritos, mas analisando criteriosamente os cortes histológicos contidos nesses artigos, podemos observar que detritos estão presentes em quantidades variáveis, e em diferentes localizações (RUSSO et al., 1976113; MATSUMURA, 198386; SILVA, 1995121; TANOMARU FILHO,1996139; FAVINHA, 199927). Em nosso trabalho, estabelecemos um critério de análise histomorfológica que exige rigorosa análise de vários tópicos, entre eles a presença ou ausência de detritos, bem como sua localização e magnitude. É oportuno salientar que a presença de detritos notadamente raspas de dentina pode alterar os resultados do tratamento em diferentes situações. A presença de raspas de dentina contaminada pode ser responsável pela formação de lesão periapical, impedindo a reparação tecidual (HOLLAND et al., 198065; HOLLAND et al., 198949). Além disso, a presença de detritos, quando é utilizado cimento à base de hidróxido de cálcio, nas obturações de canais, pode impedir a ação do hidróxido de cálcio, por ficarem interpostos entre o material obturador e os tecidos periapicais. Nessa circunstância, o detrito impede que o hidróxido de cálcio entre em íntimo contato com os tecidos, não ocorrendo estímulo para haver diferenciação e proliferação celular, para promover o reparo (HOLLAND et al., 1978)54.

Quando utilizamos cimentos à base de óxido de zinco e eugenol, que são irritantes, a presença de raspas de dentina pode interferir nos resultados, inclusive melhorando-os, pois essas raspas funcionarão como um “plug” impedindo que o material irritante entre em contato com os tecidos

periapicais (HOLLAND et al., 1998)60. Além disso, as raspas de dentina, como se sabe, se não estiverem contaminadas, podem através de sua proteína osteogênica agir como indutora na diferenciação e proliferação celular, promovendo o reparo (HOLLAND et al., 1989)49. No Grupo controle do nosso trabalho, observamos esse fato, pois as raspas de dentina que, acidentalmente permaneceram no interior do canal, estimularam a deposição de tecido duro ao seu redor (Figura 80). Analisando alguns trabalhos similares ao nosso, encontrados na literatura, observa-se que a maioria não entra em muitos detalhes quanto à técnica de preparo biomecânico empregada. Limitam-se a citar que usaram limas até determinada numeração, geralmente nº 30 a 35 (NERY, 199990; MANI et al., 200083; NERY, 200091). Alguns dizem que iniciam a limagem com lima tipo kerr de menor calibre, sendo sucessivamente trocada por uma mais calibrosa, até no máximo 3 números acima desta (COSER e GIRO, 2002)18 e outros, exageradamente, afirmam terem empregado até as lima 90 a 130 (HENDRY et al., 1982)41. Também o limite de manipulação tem variado entre os autores, uns ficando a 1 mm aquém (HENDRY et al., 198241; MANI et al., 200083; COSER e GIRO, 200218), outros procurando não ultrapassar o terço apical da raiz do dente (GOULD, 1972)36. No nosso caso, procuramos limitar a instrumentação à aproximadamente 1 mm aquém do vértice radiográfico, estabelecida através da odontometria, conduta usualmente adotada nos dentes permanentes, nos casos de biopulpectomia.

6.1.3 Obturação dos canais radiculares

A técnica de obturação empregada foi semelhante à de outras experimentações que utilizaram as brocas de Lentulo para conduzir o material obturador ao interior do canal (RUSSO et al., 1976113; GARCIA-

GODOY, 198731; NERY, 199990; NERY, 200091; BOER, 200213). Alguns, no entanto, preferem utilizar condensadores manuais para levar o material obturador ao interior do canal de dentes decíduos (HENDRY et al., 198241; GOULD, 197236), ou pequenos condensadores endodônticos, comprimindo o material obturador com bolinhas de algodão e limas tipo Kerr girando-as em sentido anti-horário (REYS e REINA, 1989102; ALVES et al., 19943). Há também quem dê preferência ao emprego de seringas e agulhas adaptadas ao caso para injetar o material obturador no interior do canal (RIFKIN, 1982107; WOODS et al.,1984144). Quanto à utilização das brocas Lentulo, nota-se na literatura alguma variação em relação à profundidade que ela é introduzida (GARCIA-GODOY, 198731; NERY, 199990; NERY, 200091; BOER, 200213). Nós sabemos que ela impulsiona a pasta ou cimento além de sua extremidade. Por esse motivo optamos por fazer com que sua extremidade ficasse a 3 mm aquém do limite de trabalho estabelecido pela odontometria. Após o emprego das brocas Lentulo, utilizamos limas tipo kerr nº 15, girando- as em sentido anti-horário, para que elas complementassem a introdução da pasta ou cimento para dentro do canal, ao mesmo tempo que procurava-se eliminar a presença de eventuais bolhas de ar. Durante essas manobras procurou-se sempre evitar que o material obturador fosse extravasado de encontro aos tecidos periapicais. Contudo, apesar desse esforço notou-se a ocorrência de sobreobturação em alguns casos. É evidente que essa ocorrência involuntária permitiu que se observasse também o comportamento dos tecidos periapicais diante de casos de sobreobturação, que são observações comuns entre aqueles que executam regularmente obturações de canal.

6.1.4 Momento do ato operatório e do sacrifício dos animais

Optamos por iniciar este experimento nos animais com 60 dias de idade e o sacrifício aos 90 dias em função do fato de que com 60 dias de idade todos os dentes anteriores e caninos já haviam sido completamente erupcionados, permitindo a execução dos tratamentos endodônticos (SHABESTARI et al., 1967)120. Por outro lado, aos 90 dias esses dentes mantinham-se, ainda, em função, não tendo sido iniciado o processo de rizólise. Esse fato permitiu que se utilizassem simultaneamente todos o dentes anteriores e, portanto, houvesse uma padronização razoável dos espécimes. Esse critério fez com que obtivéssemos um tempo pós- operatório de 30 dias. Esse tempo está em concordância com aquele utilizado em vários trabalhos experimentais desenvolvidos por outros autores (RUSSO et al., 1976113; FARACO JÚNIOR e PERCINOTO, 199826; NERY, 199990; NERY, 200091). Considerando que tratamos casos de biopulpectomia e considerando também o que se encontra na literatura sobre o reparo apical nesses casos, depreende-se que o tempo pós-operatório de 30 dias foi suficiente para ter-se uma idéia sólida da resposta tecidual ao tratamento executado.

6.1.5 Critério de análise dos resultados

O critério de análise histomorfológica dos resultados, após tratamento endodôntico, em dentes decíduos de cães é variado. Nota-se que, na maioria das vezes, os autores limitam-se a descrever o aspecto histológico observado, o qual usualmente está repleto de critérios subjetivos de análise (RUSSO et al., 1976113; FARACO JÚNIOR e PERCINOTO, 199826; NERY, 199990). Mais recentemente, Nery (2000)91 preocupou-se em

tornar um pouco menos subjetiva a análise dos resultados. Contudo, apresentou ainda um critério um pouco distante do ideal. Neste trabalho procuramos, na interpretação dos resultados, levar em consideração o critério para dentes permanentes de cães utilizado pela equipe de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP, em várias teses (OTOBONI FILHO, 200096; SANT’ANNA JÚNIOR, 2001119). Para tanto, houvemos por bem adaptar esse critério às particularidades dos dentes decíduos do cão.

Assim, com a finalidade de tornar a análise dos resultados menos subjetiva, dividiu-se o terço apical da raiz do dente em 4 partes, pré- determinadas, assinaladas por 5 pontos. Essa divisão permitiu que a análise dos resultados fosse mais objetiva em relação a uma série de detalhes, tais como: avaliação da espessura e organização do ligamento periodontal, extensão e profundidade das reabsorções apicais etc. Além disso, considerou-se a intensidade e extensão do infiltrado inflamatório, nível da obturação etc., que conjuntamente com as ocorrências nas porções laterais da raiz do dente constituíram 19 tópicos histomorfológicos. Cada um desses tópicos foi dimensionado por 4 escores com valores bem definidos e bem claros. Dessa forma procurou-se dar ao leitor uma idéia bem próxima e o menos subjetiva possível dos resultados obtidos. É evidente que esses critérios empregados precisam ser aperfeiçoados, o que ocorrerá com o tempo à medida que eles forem sendo empregados em outros trabalhos, da mesma forma como ocorreu com os critérios de análise para dentes permanentes, empregados pela Disciplina de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP.

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