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Por muito tempo o modelo de investigação científica foi o modelo positivista, modelo este muito particular ainda hoje nas ciências naturais e exatas. Este método de pesquisa se preocupa basicamente em quantificar, fracionar e controlar as variáveis estudadas com o fim de buscar um conhecimento universalmente válido e transferível no espaço e no tempo. O positivismo abstrai em seu método tudo que é subjetivo e exclui posições valorativas de conteúdos e configurações culturais.

Os fenômenos sociais, por seu caráter subjetivo e complexo, não conseguiram seguir à risca muito dos valores pregados pelo modelo positivista, fazendo surgir a necessidade de uma metodologia que respeitasse a sua natureza. A partir desta realidade, a pesquisa qualitativa aparece como uma nova alternativa para os estudos dentro das ciências humanas e sociais.

Pela presente pesquisa se enquadrar nas ciências sociais, mais precisamente em educação e educação física4, foi utilizada para sua realização uma abordagem qualitativa. Esta abordagem tem como finalidade de investigação, buscar a compreensão dos fenômenos e de seus significados frente o pesquisador e seu objeto.

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Sabemos de que a educação física é uma disciplina que está classificada segundo o CNPQ como pertencente as ciências da saúde, no entanto quando anunciamos que estamos classificando ela como pertencente às ciências sociais e humanas é devido ao foco e ao recorte que damos a ela como parte de nosso objeto de pesquisa.

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos atribuindo- lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. (CHIZZOTTI, 2005, p. 79)

Como percebido acima, na pesquisa qualitativa se busca compreender os significados, pois o fenômeno existe, sobretudo, subjetivado e objetivado numa cultura se mostrando assim num local situado a partir dos sentidos que lhe atribuem valor. Para atingir a compreensão de tais significados deve-se entender a história, os valores e as idéias dos que na pesquisa interagem com o fenômeno. Assim, acreditou-se que a abordagem qualitativa era coerente, pois vinha ao encontro do contexto da pesquisa, das questões levantadas bem como dos objetivos que se pretendeu alcançar.

O homem, desde o início de seu existir, interage com o mundo. A partir dessa interação homem-mundo, o sujeito se apropria de uma realidade subjetiva/objetiva que dá sentido ao seu existir. A partir de certos tipos de experiências de realidade constituídas sob esta subjetivação/objetivação o sujeito se constitui historicamente orientado sempre pela sua individualidade, ou seja, pelo que faz sentido para ele. Este “fazer sentido” é fruto de sua experiência vivencial e novamente o ciclo se (re)inicia e se completa de forma constante e não-linear.

A episteme de cisão humana em corpo/mente foi em mim – pesquisador – constituída por intermédio de minhas experiências/vivências históricas. Esta experiência na vida/tempo me fez estabelecer relações com o fenômeno da cisão. Apoiado nisto acreditamos que esta relação com o fenômeno construída historicamente na experiência contribui para a estruturação e interpretação do conhecimento.

Isso significa que a interpretação é fundada (preenche-se de sentido) na experiência vivida por aquele que interpreta sua própria experiência (...) Isso, porém, não ocorre porque a experiência do eu se abarcando o eu e o não-eu, inclusive suas manifestações. As obras humanas, portanto, são históricas e sociais, de tal maneira ele (o eu) se conhece de modo indireto, via expressoes das suas ações,

restringe a si mesmo, mas se estende descontextualizadas social e historicamente, preservadas e veiculadas pela tradição. (BICUDO, 1991, p. 65)

Entendemos dessa forma que a experiência do pesquisador na sua relação histórica com o fenômeno pesquisado, as (inter)relações que ele faz com a interpretação dos outros sobre o mesmo fenômeno aliada a bases teóricas acaba por contribuir para a compreensão mais articulada do fenômeno bem como de sua complexidade e recortes. “O conhecimento gerado é fruto das ações de um observador que vê cada vez uma posição e as relaciona” (BICUDO, 2003, p. 14).

Porém, nossa pesquisa não foi uma pesquisa histórica nem uma pesquisa de história de vida. No entanto, estivemos centrados nas experiências do pesquisador que foram sempre mediadas por suas interpretações construídas historicamente.

O significado que as pessoas atribuem às suas experiências, bem como o processo de interpretação , são elementos essenciais e constitutivos, não acidentais ou secundários àquilo que é a experiência. Para compreender o comportamento é necessário compreender as definições e o processo que está subjacente à construção destas. (BOGDAN e BIKLEN, 1999, p. 55).

Pela cultura ser um sistema complexo de signos que subjetivam/objetivam sujeitos e fenômenos, estaremos também preocupados com o contexto histórico de como a cisão foi construída e os modos de subjetivação/objetivação através do poder/saber.

Para se compreender a cisão corpo/mente, o objeto precisou ser analisado na sua constituição histórica, bem como na sua contingência atual. O recorte do tema, delimitado no problema e objetivos de pesquisa, levaram-nos a buscar através da pesquisa bibliográfica, fundamentos para se discutir um conjunto integrado de práxis fundamentadas na episteme acima citada dentro da educação física.

A pesquisa bibliográfica na menção de Barros e Lehfeld (2004) é de grande valia e eficácia ao pesquisador porque ele permite obter conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, internet, e outros. Através da pesquisa bibliográfica procura-se adquirir conhecimentos sobre um objeto de pesquisa a partir da busca de informações advindas das fontes acima citadas.

A pesquisa tem seu foco nas práxis de educação física fundadas na

episteme de cisão corpo/mente. No entanto, para se compreender tal foco é

necessário mostrar a lógica geral dos dispositivos de poder que medeiam as múltiplas relações a elas atreladas. Tentaremos esboçar através de algumas práxis da educação física e da educação escolar, os minuciosos e distintos jogos de poder- saber sustentadas pela episteme de ser humano fundada na cisão corpo/mente. Este trabalho tentará oferecer ferramentas teóricas para uma melhor visualização de tais fenômenos.

A fim de melhor trabalhar nossa problemática de pesquisa foram observados os seguintes indicadores de pesquisa:

1- O contexto histórico-filosófico da episteme de cisão corpo/mente. 2- Os jogos de poder/saber fundados na episteme de cisão corpo/mente. 3 - Os modos que a episteme fundada na cisão corpo/mente opera enquanto signo cultural em nível de subjetivação/objetivação nas práxis da educação física.

4 - Os regimes de verdades que estruturam a episteme de cisão corpo/mente na educação física e sua relação com o sistema econômico e de produção.

A partir do exposto foram analisados os seguintes fatores qualitativos de interpretação e análise:

1- A mente como alvo no processo de ensino/aprendizagem;

2- O condicionamento da mente, a imobilização e o controle do corpo no ambiente escolar;

3- O desporto e a biologização da educação física;

4- A biologização humana e o homem máquina nas práxis da educação física;

5- A (in)exclusão e a episteme de cisão corpo/mente.

A pesquisa seguiu uma linha onde estivemos atentos o tempo inteiro à articulação entre os indicadores, os fatores qualitativos de interpretação e análise, bem como de nosso pressuposto. Estes, a nosso ver, foram unidades identificáveis de um momento empírico, mas cujo valor para a investigação foi indispensável, pois foram eles que nortearam as buscas e as interpretações de nós pesquisadores. Eles permitiram cercar o objeto de estudo dentro de seu contexto ao mesmo tempo em que contribuíram para dar sustentação junto às construções teóricas.

Em termos teóricos queremos mencionar que as contribuições de Michel Foucault para esta pesquisa foram indispensáveis. A escolha justifica-se, pois Foucault ao analisar as instituições escolares se atém aos modos como o corpo e a mente – subjetividade humana – são tratados pelas mesmas. Ele o faz a partir da objetivação do campo do saber (arqueologia), nas perspectivas de poder (genealogia) e na ascese do pensamento sobre si (ética). Seu objeto de investigação não está centrado no corpo e na mente em si mesmos, mas nas práticas sociais, nas experiências e nas relações que os produzem, nos modos de subjetivação que transformam os seres humanos em sujeitos.

Porém não quisemos aqui estabelecer nenhuma cátedra a partir de Foucault e sua teoria, apenas o utilizamos em grande parte de nossas interlocuções. Da mesma forma trazemos autores de escolas filosóficas que não compactuam com os pensamentos nem com alguns pilares da obra de Foucault. Autores, por exemplo, como Jürgem Habermas, Paulo Freire, John Thompson, Thomas Popkewitz e Pierre Bourdieu.

Nossos interesses por tais teóricos se deveram ao fato deles se aproximarem das discussões e do entendimento que todas as modalidades de ações fundadas na episteme de cisão corpo/mente se caracterizam como relações que pertencem a um nível simbólico de valores, a uma modalidade de saber/poder. Este conjunto complexo: valores, saber/poder estruturam todo um fazer. Assim então, esta modalidade do fazer (ação) é caracterizada pelos que a fazem e pelas estruturas semióticas que justificam este fazer.

Estes autores foram bases que nos possibilitaram estabelecer os diálogos entre saber/poder, regimes de verdade, ideologia, cultura, linguagem, sistemas simbólicos, interesse X conhecimento e sistemas de produção econômica. O propósito da utilização de tais teorias foi apresentar algumas reflexões sobre o ser humano enquanto corpo e mente, destacando de modo especial, os modos como se articulam as práxis a partir dessa episteme dentro da Educação Física. Buscamos neles os fundamentos para estabelecer um diálogo sobre esta realidade tensiva – e semiótica – muito presente no imaginário coletivo.

Estivemos também interessados em compreender como a troca contínua de formas simbólicas fundadas a partir da episteme de cisão corpo/mente trava tensões que sustentam e reproduzem práxis pedagógicas e de educação física. Permanecemos atentos ao conceito de ideologia quando o mesmo emprega a

apreciação em termos de interação entre sentido e poder, a fim de evitar a tendência comum – tanto na literatura teórica, como também no uso cotidiano – de compreender ideologia como uma imagem invertida e distorcida do que pode ser considerado o real.

Paralelamente, para melhor tratar e desenvolver este estudo, foi buscada a contribuição de outros filósofos, pensadores e críticos da educação e da educação física que tratam da episteme de ser humano fundada na cisão corpo/mente, bem como de todas as outras questões articuladas a este tema analisadas aqui nesta tese.

Não pretendemos nos prender a “facções” teóricas, pelo contrário, estivemos preocupados em buscar respostas ao problema central da pesquisa. As delimitações feitas a partir da escolha e recorte do objeto e os passos demarcados a seguir – pressuposto, objetivos – nos permitiram o compromisso frente a cientificidade da pesquisa, sem que para isto tenhamos que nos fechar a teorias que não contemplam as explicações do fenômeno por nós buscada na tese.