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3. O problema da aquisição

3.4. Os dados das crianças

3.4.1. Metodologia

Nesta seção, apresenta-se a metodologia usada para a execução desta pesquisa. Na seção 3.4.1.1, descreve-se a coleta dos dados utilizados nesta pesquisa, informando o tipo de levantamento adotado, como se deu a constituição dos corpora e quem são as informantes infantis. Já na seção 3.4.1.2, descreve-se como se deu a análise dos dados coletados, informando o que foi considerado dado funcional e o que foi considerado dado inalienável e, ainda, que características foram analisadas em cada um dos tipos de dados. Por fim, na seção 3.4.1.3, apresentam-se as hipóteses levantadas para esta pesquisa, baseadas no que foi apresentado nos capítulos 1 e 2 dessa dissertação.

3.4.1.1 Da coleta

Esta pesquisa realizou um levantamento de dados de dois tipos de estruturas possessivas, funcionais e inalienáveis, tomando como fonte uma pesquisa de caráter longitudinal, ou seja, um tipo de pesquisa que estuda a variação entre as gramáticas intermediárias que aparecem durante a aquisição da linguagem de uma ou mais crianças na medida em que elas vão crescendo, conforme Scarpa (2001:204).

Os corpora se constituem de 21 entrevistas orais transcritas em arquivos digitalizados, sendo 1356 entrevistas do CEAAL (Centro de

Estudos de Aquisição e Aprendizado da Linguagem)/PUC-RS, cedidos gentilmente pela equipe da PUC/RS à professora doutora Ruth Elizabeth Vasconcellos Lopes, co-orientadora desta pesquisa. As oito entrevistas restantes, também cedidas gentilmente à professora doutora Ruth Elizabeth Vasconcellos Lopes, pertencem ao Banco de Dados do Projeto de Aquisição da UNICAMP.

As informantes são três crianças em idade de aquisição, todas aproximadamente na mesma faixa etária. A primeira criança, AC, teve 56Sete entrevistas de AC e seis entrevistas de G.

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seus dados coletados nas idades de 1;08, 1;10, 2;01, 2;03, 2;08, 3;00 e 3;07, totalizando sete arquivos de entrevistas. A segunda criança, G, teve seus dados coletados nas idades de 1;10, 2;01, 2;03, 2;08, 3;00 e 3;06, totalizando seis arquivos de entrevistas. E a terceira criança, R, teve seus dados coletados a partir de 1;02.11 até 4;10.06, totalizando 69 arquivos. No entanto, dessa informante, apenas oito arquivos de entrevistas foram utilizadas nessa pesquisa, a saber, 1;07.21, 1;08.00, 1;09.20, 2;00.27, 2;03.06, 2;08.04, 3;00.07 e 3;04.15. Esse recorte nas entrevistas de R fez-se necessário, pois de outra forma não seria possível estabelecer comparações com os dados das outras informantes.

É importante ressaltar que as informantes são de regiões diferentes do país. AC e G são da cidade de Porto Alegre/RS e R é da cidade de Campinas/SP. Assim, espera-se encontrar diferenças dialetais entre os dados, especialmente porque esta pesquisa trata também de pronomes.

A coleta dos dados propriamente dita não obteve a ajuda de nenhuma ferramenta digital, ou seja, foi realizada manualmente. Os arquivos selecionados foram lidos e os dados, funcionais ou inalienáveis, separados para a análise.

3.4.1.2 Da análise

Os dados coletados foram divididos em dois grupos: dados funcionais e dados inalienáveis. Foram considerados dados funcionais estritamente aqueles sintagmas nominais nos quais estava presente o pronome possessivo (simples ou preposicionado), independentemente do tipo de nome possuído. Por outro lado, foram considerados dados inalienáveis estruturas em que estivessem presentes nomes ditos inalienáveis (nomes de partes do corpo, nomes de parentesco e nomes relacionais) introduzidos ou não por determinante. No entanto, não foram analisadas estruturas inalienáveis em que estivesse presente o possessivo funcional, ou seja, estruturas como o meu braço são analisadas nos dados funcionais (por terem o possessivo funcional), mas não nos inalienáveis, não havendo uma sobreposição dos dados.

A partir dessa divisão preliminar – entre o que é dado funcional e o que é dado inalienável –, os dados foram examinados quanto ao tipo. No caso dos funcionais, observou-se que formas possessivas pronominais eles apresentaram; no caso dos inalienáveis, observou-se

125 que tipos de nomes eles apresentaram. Também foram ambos os tipos examinados quanto à estrutura que apresentavam e quanto à função sintática que desempenhavam.

Segue, abaixo, a tabela contendo o total de dados recolhidos e analisados nesta pesquisa, conforme o tipo (funcional ou inalienável) e de acordo com cada informante (AC, G e R).

Informante funcionaisDados inalienáveisDados TOTAL

AC 241 / 70,9% 99 / 29,1% 52,7%340 /

G 126 / 71,6% 50 / 28,4% 27,3%176 /

R 66 / 51,2% 63 / 48,8% 129 /20%

TOTAL 433 / 67,1% 212 / 32,9% 100%645 /

Tabela 1: Tabela geral de dados recolhidos

Percebe-se, pela tabela acima, que, entre todos os dados recolhidos para esta pesquisa, aproximadamente 67% deles são dados funcionais, enquanto aproximadamente 33% são dados inalienáveis. Ou seja, aproximadamente, 2/3 dos dados recolhidos são dados de posse explícita, com a presença do possessivo na estrutura (independente do tipo de nome) e cerca de 1/3 do total de dados recolhidos são dados de posse implícita, sem a presença do possessivo na estrutura (porém, apenas com nomes inalienáveis de certos tipos). Nos dados de R, entretanto, observa-se uma freqüência bastante semelhante entre os dois tipos de dados. Além disso, nota-se que, em geral, AC tem, aproximadamente, o dobro de ocorrências em relação às outras duas informantes.

A seguir, passa-se às hipóteses levantadas para esta pesquisa e, em seguida, à análise propriamente dita dos dados funcionais e, posteriormente, dos dados inalienáveis.

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No capítulo 1 dessa dissertação, viu-se que, no que concerne aos possessivos funcionais, trata-se de um sistema misto este apresentado pelo PB. Exatamente o que se esperaria na sua aquisição?

Baseando-se no estudo de Müller (1997) em relação à variação

seu versus dele para a 3ª pessoa, espera-se que não haja nenhuma

ocorrência com seu ou, ao menos, espera-se que essas sejam parcas, já que no PB adulto o único caso produtivo em que se vê o pronome seu tomando um antecedente de 3ª pessoa é quando este toma como possuidor um sintagma genérico, o que ainda não é produtivo nos dados das crianças bem pequenas como as informantes da presente pesquisa. Logo, hipotetiza-se que, em relação à 3ª pessoa haja mais ocorrências da forma preposicionada dele, que é a forma do PB atual expressar a posse funcional da terceira pessoa.

Já para a 1ª e 2ª pessoa, espera-se o oposto. Hipotetiza-se que haja mais ocorrências com possessivos simples do que com preposicionados, visto que os possessivos preposicionados de 1ª e 2ª pessoas não são tão produtivos quanto os simples no PB adulto. Além disso, os preposicionados de 1ª e 2ª pessoas sofrem restrições temáticas, ou seja, apenas desempenham o papel temático de Tema.

De acordo com o estudo de Castro (2006), espera-se que os dados de aquisição exibam poucas estruturas com o possessivo simples pós- nominal co-ocorrendo com o determinante definido, já que eles são incompatíveis no que diz respeito à definitude. Em relação aos demonstrativos, espera-se que as crianças prefiram a ordem não marcada (demonstrativo – possessivo - nome), já que esta é a preferida pela gramática-alvo; espera-se igualmente que a gramática infantil respeite a restrição de adjacência estrita, apontada por Castro (2006), segundo a qual não pode haver modificação do possessivo pré-nominal por advérbios, exceto os fracos, como ainda e já.

Já no capítulo 2, com base nas análises apresentadas, que previsões se fazem para os dados do PB infantil?

De acordo com Guéron (1985), e em certa medida também com Floripi e Nunes (2009), nas construções inalienáveis, o sintagma possuidor e o sintagma possuído precisam se sujeitar às restrições de anáfora e cadeia lexical e a restrição de não-distintividade, já que esta autora postula que o determinante definido que introduz o nome de parte do corpo é uma anáfora pronominal, responsável pela leitura inalienável atribuída aos sintagmas nominais em línguas como o francês, e como o

127 PB também. Portanto, espera-se que os dados infantis apresentados no capítulo 3 dessa dissertação também se sujeitem a essas restrições, ou seja, espera-se que não apareçam nomes inalienáveis de partes em posição de sujeito da sentença, por exemplo, já esta é uma posição impossível para anáforas.

Em relação à restrição do tipo lexical de verbo (se este denota ação gestual ou não) observada nos dados do francês e do espanhol, não se espera que ela se aplique aos dados do PB. Para esta língua, hipotetiza-se que, de acordo com o exposto na pesquisa de Guéron (1985), haja uma reanálise generalizada de verbos como pronominais em LF, fazendo com que eles subcategorizem apenas um dos dois NPs, como dita uma das restrições de cadeia lexical.

Além disso, não se espera que as crianças diferenciem os tipos de determinantes (definidos, indefinidos e demosntrativos), de acordo com a pesquisa de Pérez-Leroux et al. (2002), já que as informantes dessa pesquisa são mais jovens do que o grupo de crianças mais jovens da pesquisa desses autores, os quais não apresentaram esse tipo de distinção nos seus resultados.

No entanto, de acordo com Guéron (1985) espera-se encontrar mais construções inalienáveis com o determinante definido, já que esse é o responsável pelo desencadeamento do valor do parâmetro de inclusão de PRO (apresentado na seção 2.3 do capítulo 2). Além disso, espera-se que construções inalienáveis ocorram mais em posição de objeto do verbo.

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