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Metodologia para a determinação das causas

No documento Dissertação Elmano 2012 (páginas 51-55)

Capítulo III – A Regulação Estatal

3.5. Metodologia para a determinação das causas

Como atrás já foi amplamente explanado, os incêndios rurais são em Portugal

um problema gravíssimo com múltiplas consequências. Ora, chegados aqui – com o

problema identificado – importava perceber como é que surgiam, porquê, onde, quando

e quem eram os autores. Esta é a tarefa levada a cabo pela investigação das causas e pelos seus investigadores. Qual o derradeiro objetivo? Perceber a causa para evitar que a mesma se repita no futuro, contribuindo deste modo para a redução das ignições.

A investigação das causas dos incêndios florestais iniciou-se em Portugal, no fim da década de oitenta, com os trabalhos de investigação do Coordenador de Investigação Criminal António Carvalho da Polícia Judiciária (PJ) e do Eng.º Sérgio Correia da Direção Geral das Florestas (DGF), que baseados no modelo de investigação

americano20, o adaptaram à realidade portuguesa, criando uma sistematização do seu

desenvolvimento própria. Inicialmente foram selecionados, dentro do Corpo Nacional da Guarda Florestal, corpo policial da DGF, através de um curso geral de incêndios, aqueles que, não só tinham demonstrado mais conhecimentos nas propriedades e comportamento do fogo, mas também mais sensibilidade e gosto por esta nova área técnica que se procurava implementar. Estes elementos frequentavam uma ação de formação com três semanas, envolvendo as componentes teóricas e práticas, com avaliação final.

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Wildfire Origin & Cause Determination Handbook, NWCG Handbook 1 PMS 412-1 May 2005, A publication of the National Wildfire Coordinating Group Fire Investigation Working Team, disponível em http://www.nwcg.gov, utilizado na construção do quadro de indicadores de direção e sentido da propagação

Assim surgiram as brigadas de investigação de fogos florestais (BIFF`S) que ainda hoje operam no terreno.

De uma forma sucinta, adianta-se que estes investigadores tinham que ter

conhecimentos sólidos nas seguintes áreas: (i) combustíveis florestais, (ii)

comportamento do fogo; (iii) princípios físicos e químicos da combustão; (iv)

meteorologia; (v) leitura de vestígios materiais e (vi) técnicas de preservação de prova (recolha e envio para laboratório de vestígios e.g. presença de acelerantes da combustão, como os derivados de petróleo ou estirina). A prova obrigava a que estivesse solidamente alicerçada no conhecimento científico de forma a proporcionar ao Ministério Público (MP) hipóteses concretas de sucesso. Paralelamente também na PJ foram formados agentes (agora inspetores) que em parceria com os Guardas-florestais iniciaram a aplicação deste modelo como elemento fundamental das investigações subsequentes de polícia.

Foi portanto com esta base que, ao longo de mais de três décadas, se foi construindo conhecimento sobre este fenómeno. É pois altura de avançar para outro estágio de desenvolvimento (que abaixo se falará).

Para além do quadro de indicadores que foi baseado no trabalho americano, foi necessário construir toda uma sistematização que trouxesse um fio condutor à investigação, o que estes dois autores fizeram foi adaptar o método de investigação criminal a esta nova metodologia. Não se irá aqui, por motivos operacionais e de reserva policial, descrever toda a metodologia criada, no entanto diremos que este método de investigação está assente em treze passos que conjugados entre si permitirão determinar

a causa do incêndio (vide figura 9).

Este é um trabalho de muita persistência, com resultados fixados no longo prazo e que obriga a investigadores diligentes, pacientes e metódicos.

É pois com base nesta metodologia que foram agrupadas em seis grandes classes as causas possíveis de serem identificadas21: (i) Uso do fogo, (ii) Acidentais; (iii) Estruturais; (iv) Incendiarismo; (v) Naturais e (vi) Não Determinadas. Cada uma delas com várias subcategorias, permitindo ao investigador enquadrar a causa mais adequada à situação por si investigada.

De acordo com (COUTINHO, 2009: 14) as causas podem “(…) dividir-se em

causas de espectro nacional, existentes ao longo de todo o território, e de cariz regional (…).”

Aponta como passíveis de terem cariz nacional as causas ligadas à atividade agrícola, à caça, pastoreio, perturbações psicológicas, conflitos entre vizinhos, vinganças e os reacendimentos. Já no que concerne às causas com cariz regional aponta para a problemática resultante da existência de baldios, áreas protegidas, a expansão periurbana, a pressão sazonal no verão e o facto de que a produção florestal estar concentrada em zonas específicas (norte do Tejo).

Apurada a causa, outro patamar se afigura aos investigadores: o autor. É então altura de conjugar a prova material com a prova pessoal, a causa e o autor; mas essa componente da investigação não será aqui abordada.

Esta conjugação é extremamente difícil de provar, pois um dos princípios legais mais valorizados no normativo legal português é o princípio da legalidade e, em caso de

dúvida, in dubio pro reo22. Uma vez que este tipo de crime é de alguma complexidade,

muitos casos não se concluem com os autores julgados em tribunal no cumprimento deste princípio, o que não significa que o trabalho a montante não tenha sido executado corretamente, simplesmente não foi possível produzir prova suficiente.

Mas o trabalho da investigação não deverá terminar aqui, com o arquivamento dos processos. Estes dados agrupados em base de dados podem constituir uma fonte de informação muito importante no reconhecimento de padrões repetitivos.

Após a determinação das causas dos incêndios é possível, com recurso ao tratamento estatístico, obter dados objetivos, nesta matéria, em cada território, aumentando a profundidade do conhecimento com a redução da área avaliada.

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Vide Anexo 4 – Classificação das causas dos incêndios

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Expressa o princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá o réu.

De uma forma imediata a determinação das causas dos incêndios rurais permite ao MP dar início ao procedimento penal, mas permite também observar alguns padrões que se vão repetindo ao longo dos anos nos territórios investigados. Esta informação pode e deve ser trabalhada por equipas multidisciplinares. Numa vertente policial, poderemos retirar os locais onde em anos seguintes se deverá apostar em ações e prevenção dirigida (públicos alvo, atividades específicas, etc.); efetuar vigilâncias policiais a suspeitos (com base nos horários, locais, atividades, modus operandi, etc.); numa vertente económica, perceber se as causas não têm origem na pressão que o mercado coloca nos produtores (e.g. leite para o fabrico de queijo) para que estes produzam mais, garantindo-lhes desta forma os meios de subsistência; na vertente social, perceber o perfil sociológico destas populações, as suas aspirações, as suas práticas; na vertente psicológica, tentar perceber os comportamentos e atitudes, do ordenamento do território, percebendo e propondo outras formas de organização territorial, incentivando o emparcelamento, do associativismo, criando condições para que os produtores se associem e ganhem escala, quanto aos municípios, perceberem e tentarem dar respostas efetivas às necessidades dos seus munícipes.

Enfim, poderíamos elencar aqui toda uma panóplia de oportunidades a explorar por estas equipas multidisciplinares. No entanto, o objetivo final seria sempre um, a redução do número de ignições por atores não habilitados.

Esse objetivo só poderá observar-se através de ações de prevenção, dirigidas, com base no conhecimento das causas (histórico) em cada local em concreto, em que momento, contra que potenciais autores e com o prévio conhecimento das suas motivações, já que a quase totalidade das ignições decorre do comportamento humano.

Os atores sociais não podem ser deixados de fora desta equação. O uso do fogo, para além de ter uma forte componente cultural, é em muitos lugares do nosso país uma necessidade das populações. O que aqui se defende é que cabe ao Estado efetuar essa gestão de um modo diferente do que tem feito ao longo das últimas décadas.

No documento Dissertação Elmano 2012 (páginas 51-55)

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