• Nenhum resultado encontrado

3 O SUJEITO/ALUNO CEGO E O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DO

4.2 METODOLOGIA PARA O ESTUDO

Ao trazer as palavras de Vigotski para inaugurar minha escrita metodológica, tenho a intenção de apresentar os modos metodológicos que utilizei tendo como foco a abordagem sócio-histórica de Vigotski e Bakthin, assim como de autores que compartilham dessa linha de pensamento e deram continuidade aos estudos desenvolvidos por esses autores.

Um estudo a partir da abordagem sócio-histórica, de acordo com Vigotski (2007), não significa estudar o passado, mas sim estudar o processo de desenvolvimento de algo em suas fases e mudanças, pois “é somente em movimento que um corpo mostra o que é” (VIGOTSKI, 2007 p. 68). Nesse sentido, o presente é visto à luz da história e da interação do indivíduo com o meio, isso porque para Vigotski (2007) a tarefa da pesquisa é proporcionar um estudo do fenômeno em seu processo vivo e não como algo estático.

Sob tal perspectiva e, com o intuito de alcançar o objetivo central e as questões propostas por este estudo, optei por realizar uma pesquisa qualitativa à luz da abordagem sócio-histórica na perspectiva do estudo de caso, pois esse tipo de estudo possibilita refletir o indivíduo na sua totalidade, considerando a sua relação como ser biológico e social, com a sociedade a qual pertence, membro da espécie humana e participante do processo histórico (FREITAS, 2002).

Segundo Freitas (2002), na pesquisa qualitativa com o olhar da perspectiva sócio- histórica não se investiga com foco no resultado, no produto, mas sim no processo em observação, isto porque o comportamento humano não é apenas fruto da evolução biológica, mas também resultado da interação histórica, social e cultural. Saliento que utilizei tal abordagem, pois ela percebe o homem como ser que se desenvolve em interação com outros homens na e por meio da linguagem, de instrumentos mediadores e em situação de trabalho. Pela mediação material e,

principalmente, pela linguagem, o homem adquire funções mentais superiores e um comportamento mais controlado, regulado e, a interação e a mediação em situações do agir humano, fazem com que o ser humano desenvolva uma cognição superior a dos demais animais (VYGOTSKY, 2007).

Nesse sentido, trago a pesquisa qualitativa orientada pela abordagem sócio-histórica, na perspectiva do estudo de caso, uma vez que, conforme Freitas (2002, p. 26)

[…] os estudos qualitativos com olhar da perspectiva sócio-histórica, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e, por intermédio, compreender também o contexto.

Sob tal perspectiva, o estudo de caso possibilitou uma investigação em profundidade e, de acordo com Michel (2009, p. 54), “a vantagem do estudo de caso reside na possibilidade de penetração na realidade social […]”, além de permitir ao pesquisador voltar-se para a multiplicidade das dimensões de um problema, focalizando-o como um todo (GIL, 1991).

Outro fator que me levou a optar pelo estudo de caso, é o fato de que este proporciona maior entendimento do problema, uma visão mais clara acerca de fenômenos pouco conhecidos, na medida em que se caracteriza “[…] pelo estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento [...]” (GIL, 1991, p. 58), além de enfatizar o contexto em que processos acontecem.

Portanto, dentre as diversas vantagens do estudo de caso, destaco as que impulsionaram para sua utilização neste estudo: possibilita estudar um caso em profundidade, enfatiza o contexto em que ocorrem os fenômenos, garante a unidade do caso, é flexível, estimula o desenvolvimento de novas pesquisas, permite compreender o caso na perspectiva dos envolvidos, favorece o entendimento do processo de mudança, enfatiza a totalidade preservando a unidade do caso e sem estabelecer qualquer ruptura com seu contexto (GIL, 2009). Tais características corroboram com a base teórico-metodológica selecionada para a realização desta pesquisa.

Também é necessário deixar claro que a utilização desse tipo de estudo torna-se relevante, uma vez que

sua importância, […], principalmente nas ciências sociais, reside no fato de que o seu uso não apenas gera uma competência teórica para análise crítica e qualitativa de uma situação, como também cria uma referência de atuação, um modelo a ser seguido em situações futuras, nas quais os mesmos elementos de análise se fizerem presentes (MICHEL, 2009, p. 54).

Enfatizo que o desenvolvimento da pesquisa no âmbito da sala de aula, nos moldes do estudo de caso, proporcionou uma aproximação maior com a realidade e um entendimento real do processo vivido, pois permitiu à pesquisadora inserir-se no contexto em que se dá esse processo e assim compreendê-lo levando em consideração todos os componentes da situação em suas interações e em suas especificidades.

As palavras de Michel (2009) ratificam a opção metodológica apresentada quando afirma que “[…] há termos nas respostas dadas tão carregados de valores, que só um participante do sistema social estudado, que vive e conhece a realidade daquele grupo, pode compreendê-los e interpretá-los” (p. 37).

Com base no exposto acima, pretendi com este estudo não apenas identificar, mas também entender e explicar o processo vivido pela via dos sujeitos envolvidos nele, com o intuito de corroborar com a concretização de práticas docentes inclusivas, que proporcionem ao sujeito cego uma apropriação significativa da língua inglesa.

Por isso, a partir da literatura lida, a escolha desta metodologia se deu pelos seguintes motivos: a participante desta pesquisa, uma aluna cega aprendendo inglês como língua estrangeira, faz parte de uma instituição de ensino e forma uma mesma unidade social, ou seja, é um estudante e possui uma característica que a diferencia dos demais, a cegueira, caracterizando-se, assim, como estudo de caso, tanto pela instituição de ensino quanto pela unidade social (GIL, 2009).

Obviamente outros sujeitos também foram peças chave para trazer à tona indagações e esclarecimentos para alguns fenômenos, como por exemplo a cuidadora – pessoa responsável por auxiliar os alunos com deficiência na locomoção

dentro da escola (banheiro, sala de aula, recreio, tomar água, horários vagos) e que sempre trazia informações importantes sobre a vivência desses alunos dentro da escola e suas realidades familiar e econômica; professores de outras disciplinas que contribuíram com suas falas acerca do modo como lidavam com a aluna cega em sala de aula e as maiores dificuldades vividas por eles; a coordenadora de turno e o pedagogo que me possibilitaram compreender alguns comportamentos e práticas adotadas pelos alunos e professores; a colega de sala da aluna cega, que demonstrou ser sua melhor amiga e compartilhava com ela os mais variados assuntos desde os tipicamente da fase de adolescência como os escolares.

Outros motivos que me levaram ao estudo de caso foram: as possibilidades que o estudo de caso oferece ao investigador de descrever, analisar e explicar um caso em especial sem intervir nele, possibilitando uma compreensão analítica e o entendimento profundo de como, a participante desta pesquisa, cria ou não suas estratégias de aprendizagem em um contexto de inclusão; o princípio que reza que a escolha de um caso em especial se dá pelo nível de instigação que causa no pesquisador no sentido de desvelar, descrever e compreender profundamente um processo em questão; o fato de que este tipo de pesquisa qualitativa, não privilegia nenhuma prática metodológica em detrimento de outras, podendo o pesquisador utilizar-se de uma gama de procedimentos e instrumentos, adequando-os aos objetivos da investigação proposta; por possuir um estilo mais informal e o uso de linguagem mais acessível (GIL, 1991, 2009; FREITAS, 2002, 2010; MICHEL, 2009; MOREIRA, CALEFFE, 2008).

O estudo de caso legitimou-se, também, pela necessidade de se ilustrar como se configura o processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa para uma aluna cega nas salas comuns do ensino fundamental na rede regular de ensino, tendo em vista que este tipo de investigação envolvendo alunos cegos em um contexto de inclusão é ainda, escasso. As informações e os dados coletados e construídos nesta pesquisa podem representar uma contribuição singular para o cotidiano das instituições e dos profissionais que lidam com esse tipo específico de ensino e aprendizagem e, também, para futuros trabalhos de investigação nesta área.