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Uma unidade da rede pública estadual de ensino do município de Campinas/SP foi o espaço de estudo do presente trabalho, cujos procedimentos metodológicos de investigação fundamentaram-se em uma abordagem qualitativa que, entre outras características, diferencia-se da quantitativa devido ao tipo de dado coletado.

No final do século XIX emergiu uma discussão a respeito das bases epistemológicas e metodológicas distintas que possuem essas perspectivas de pesquisa, visto que as investigações dos fenômenos físicos e naturais se amparam em análises estatísticas como única maneira de validar uma hipótese (CHIZZOTTI, 2003) e utilizam métodos precisos, cartesianos e positivistas de investigação, não correspondendo às demandas investigativas nas áreas humanas e sociais, cujos fenômenos são dinâmicos e contextualizados de maneira muito particular. Entretanto “associar quantificação apenas a positivismo é perder de vista que qualidade e quantidade estão intimamente relacionadas (...), pois a leitura de dados quantificáveis não necessariamente seguirá uma linha positivista” (ANDRÉ, 2008, p 24).

Por estudar o fenômeno em seu ambiente real sem a manipulação de variáveis (sendo assim naturalística), considerar inaceitável uma postura neutra por parte do investigador (devendo este se posicionar perante o problema) e por ter suas raízes na fenomenologia17 e, portanto, valorizar a maneira própria de entendimento que o indivíduo tem de sua realidade, a abordagem qualitativa ganha o interesse de pesquisadores da área de educação que, a partir da década de 60 - marcada por movimentos estudantis, por reivindicações de direitos e contra a discriminação social - atrai os olhares dos educadores para as problemáticas de dentro das escolas (ANDRÉ, 2008).

Dentre os métodos utilizados na investigação qualitativa, encontram-se as entrevistas e a observação participante, que ganha destaque nas pesquisas em educação pelo fato da experiência direta com a situação estudada, bem como com os participantes da pesquisa, ser uma das melhores formas de se testar a ocorrência de um determinado fenômeno. Assim, na pesquisa qualitativa predominam os dados descritivos, podendo compor o material coletado:

17 Entende-se por fenomenologia o enfoque epistemológico que dá ênfase aos aspectos subjetivos do comportamento humano, ou seja, valoriza apenas as idéias ou preferências próprias do sujeito, na busca por compreender que sentido eles atribuem aos acontecimentos e às suas experiências diárias (BERGER; LUCKMANN apud ANDRÉ, 2001).

descrições de situações, de expressões, transcritos de entrevistas e de documentos ou mesmo fotografias (ANDRÉ; LÜDKE, 1986).

Para obter a perspectiva dos participantes, a abordagem qualitativa de investigação supõe um contato direto do pesquisador com a situação estudada, o qual pode recorrer aos conhecimentos, visões e experiências pessoais no processo de interpretação e análise da problemática.

Uma perspectiva crítica e problematizadora (...) implica na recusa dos mitos da neutralidade (...) e obriga o pesquisador a assumir uma vontade e uma intencionalidade política. Ao invés de se limitar a constatar como pensam, falam ou vivem as pessoas (...), nossa postura deve ser outra. O que nos interessa é captar a lógica dinâmica e contraditória do discurso de cada ator social (...) visando a despertar nos dominados o desejo da mudança e a elaborar, com eles, os meios de sua realização (Oliveira; Oliveira, 1981, p. 24).

Dentro da abordagem de pesquisa participante de Oliveira; Oliveira (1981), os autores defendem que há a necessidade de se reformular as expressões de rigor científico e objetividade, pois frente a uma realidade injusta, cujas relações sociais entre grupos encontram-se estampadas pela dominação, objetividade e imparcialidade não podem mais ser utilizadas como termos que apresentam o mesmo sentido, sob risco de parecer cinismo. Assim, buscar romper com as estruturas históricas de desigualdade e colocar-se a serviço da superação de contradições sociais, bem como de situações de desumanização, é o que faz do pesquisador objetivo e rigoroso.

Assim, pautado essencialmente numa abordagem qualitativa de pesquisa, o presente estudo foi organizado inicialmente em uma parte teórica, buscando, através de um levantamento bibliográfico, investigar o que significa adotar parâmetros éticos, emancipatórios e dialógicos para a organização didático-pedagógica de um currículo crítico. Diante dessa identificação a priori feita a partir da literatura iniciou-se a parte prática deste trabalho.

A coleta de dados se deu especificamente então através da análise documental do Currículo do Estado de São Paulo e de entrevistas semi-estruturadas com educadores que foram capazes de fornecer informações importantes ao objetivo da pesquisa. A análise documental se faz necessária no sentido de verificar como a problemática do currículo enquanto prática ética para a emancipação é tratada no plano teórico dos registros oficiais, os quais devem (ou deveriam) nortear a gestão escolar e a prática educativa.

Já as entrevistas semi-estruturadas foram realizadas a fim de se obter a percepção que cada ator social possui a respeito da problemática abordada. Segundo Chizzotii

(1995), a perspectiva qualitativa de investigação, via entrevistas semi-estruturadas, permite a identificação de contradições presentes nas falas dos sujeitos que, possuem um conhecimento tácito, muitas vezes restrito à prática de senso comum, que se limita a uma concepção de vida orientada apenas por ações individuais. Levantar questionamentos acerca dos limites encontrados nesses discursos, levando-os à reflexão e à criticidade é uma exigência ética que se impõe a um educador-pesquisador.

Foram entrevistados quatro profissionais docentes da escola em questão, que ministram diferentes disciplinas tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, cujos discursos foram considerados representativos para a análise pretendida. Tais entrevistas foram realizadas no início do segundo semestre de 2014, seguindo um roteiro aberto de questões norteadoras pré-elaboradas. Assim, o entrevistado pode ter liberdade para expressar sua opinião em uma conversa aberta ao mesmo tempo em que o entrevistador direciona sua coleta de informações pertinentes à análise da problemática.

Esse roteiro norteador da entrevista estava associado a duas situações- problemas ou situações-emblemáticas apresentadas aos entrevistados. Em cada uma delas havia a representação de práticas pedagógicas distintas. A aula representada na primeira situação-problema apresentada, estava pautada numa abordagem tradicional de educação, enquanto que a segunda estava fundamentada na concepção crítica de ensino em que se partia da fala significativa de um educando a fim de se promover uma reflexão contextualizada e transformadora da realidade. Essa distinção não foi revelada, afim de que os educadores entrevistados expressassem suas opiniões acerca de cada uma delas. Os entrevistados deveriam analisar as duas propostas e justificar qual delas mais se aproximava de sua própria prática pedagógica. A partir da análise inicial dos entrevistados acerca dessas duas aulas, se deu início à entrevista na tentativa de se identificar aspectos éticos, dialógicos e emancipatórios indispensáveis a uma educação ética e crítica aqui defendida.

Toda a investigação bem como a análise dos dados foi pautada em parâmetros analíticos considerados indispensáveis a um currículo e, portanto, a uma educação ético-crítica aqui defendida, os quais foram estabelecidos a partir da interpretação dos pressupostos éticos, emancipatórios e dialógicos respectivamente identificados no pensamento de Dussel, Adorno e Freire.

A seguir estão apresentadas as situações-problemas entregues aos professores entrevistados, bem como o roteiro norteador da entrevista semi-estruturada realizada a partir das aulas representadas em cada situação.

Situação-Problema I

A partir do Currículo do Estado de São Paulo, uma professora de Ciências organizou uma aula para trabalhar com a temática do Lixo sugerida no documento para o 3º Bimestre da 5ª série/6º ano do Ensino Fundamental. O plano de aula buscou atender as habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos apontadas na Proposta Curricular..

PLANO DE AULA:

 Proposta Inicial: Questionamento aos alunos

 O que é lixo? Quem produz? Para onde ele vai? Quais tipos de lixo você conhece? Você acha que a população produz muito lixo? Por quê?

 Pesquisa

 Os alunos deverão pesquisar no dicionário o significado da palavra “Lixo” e trazer imagens do lixo encontrado no bairro.

 Conteúdo Selecionado

 Após a pesquisa, o professor aplicará um texto sobre a temática do lixo com a descrição de dados como: quantidade média produzida no Brasil, destinação do lixo e a importância dos 3 Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) e discutirá em aula:

- Os tipos de lixo: Orgânico e Inorgânico; Domiciliar, Hospitalar, Industrial, Agrícola e Entulho.

- A importância do consumo consciente.

- Diferenças entre os tipos de destinação do lixo  Aterro Sanitário, Incineração; Compostagem; Reciclagem.

 Após o momento de aprendizagem em sala de aula, os alunos fariam uma visita a uma Cooperativa de Reciclagem para compreender como esse processo se realiza na prática.

 Atividade e Avaliação:

 Os alunos deverão se reunir em grupos e confeccionar panfletos de conscientização a respeito da produção do lixo e a importância da reciclagem para serem distribuídos na escola e nos estabelecimentos comerciais do bairro.

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA A PARTIR DA SITUAÇÃO-PROBLEMA I: 1. De modo geral, que avaliação você faz dessa aula? Justifique.

2. Você considera que esse planejamento permite que os educandos compreendam as

questões que envolvem o Lixo e sua Produção presentes no cotidiano? Por quê?

3. Você considera que a professora possibilitou um diálogo com a turma? Por quê? 4. O que é dialogar pra você? Justifique.

5. Você considera que tenha sido uma proposta pedagógica ética? Por quê?

6. O Currículo do Estado de São Paulo foi desenvolvido pela Secretaria da Educação e

proposto como um “currículo básico para as escolas estaduais” para contribuir com “a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos” e “garantir a todos uma base comum de conhecimentos e de competências” (SÃO PAULO (Estado) 2012, p. 07).

Qual a sua opinião sobre essa proposta? Você adere a ela? Você concorda que todos os alunos devem aprender um conteúdo mínimo? Justifique.

Situação-Problema II

Após conhecer um pouco mais sobre o bairro onde se situa a escola em que trabalha, uma professora selecionou algumas falas dos educandos para organizar seu Plano de Ensino em Ciências. Uma das falas escolhidas foi: “Aqui no bairro tem lixo pra todo canto, mas lá perto do córrego e das ruas de terra tem mais gente porca”.

PLANO DE AULA:

 Identificação do conflito:

- Higiene relacionada ao poder econômico e lixo enquanto condição de existência.

 Problematização:

- Como você define lixo? Exemplifique.

- O que é lixo para você também é lixo para os outros? Justifique. - Quem produz lixo e mora em rua de terra é “gente porca”? Por quê? - Por que algumas pessoas jogam lixo no córrego?

 Aprofundamento Teórico/Seleção de conteúdos:

- Saneamento básico: conceito, importância, dados locais e dados regionais; - Saneamento básico e pavimentação como direito social e dever público;

- Abordagem histórica e social do lixo: relativização do conceito de lixo; Lixo orgânico e Inorgânico; Destinação adequada do Lixo: questões ecológicas e direitas sociais.

- Lixo como parte da cadeia alimentar; fonte de emprego e sobrevivência.

- Relações entre poder econômico, o aumento do consumo e a quantidade de lixo produzida.

 Atividade Pedagógica e Plano da Ação:

- Seria possível definir o lixo de uma forma ecológico e de uma forma social? Como? - Tudo o que consumimos é necessário?

- Quem define o que consumimos?

- De que forma o lixo interfere em nossas vidas? Como pode afetar a saúde? - Que tipo de seres vivos podem se alimentar do lixo?

- De quem é a responsabilidade pelo lixo que produzimos? Qual o papel do poder público? Explique.

- A comunidade tem enfrentado quais problemas relacionados ao lixo? Que alternativas podemos criar?

ROTEIRO PARA A ENTREVISTA A PARTIR DA SITUAÇÃO-PROBLEMA II: 1. De modo geral, que avaliação você faz dessa aula? Justifique.

2. O que essa proposta pedagógica tem de diferente da anterior? Qual delas se relaciona

com a sua prática?

3. Pra você, qual é a finalidade do conteúdo escolar?

4. Qual o ponto de partida para a sua prática educativa? Por quê? 5. Você acredita que ensino e pesquisa se relacionam? Por quê?

6. Você considera importante relacionar a realidade com o conteúdo de sua disciplina? Por