• Nenhum resultado encontrado

Micro-organismos no desenvolvimento da cárie dentária

3 CÁRIE DENTÁRIA 3.1 Aspectos gerais

3.2 Micro-organismos no desenvolvimento da cárie dentária

Aproximadamente 280 espécies bacterianas da cavidade oral já foram isoladas em cultura e nomeadas formalmente. Tem sido estimado que menos da metade do total das espécies bacterianas encontradas na boca podem ser cultivadas usando métodos aeróbicos e anaeróbicos, sabendo-se que existem aproximadamente de 500 a 700 espécies comumente presentes na cavidade oral (PASTER, et al., 2001; DEWHIRST et al., 2010). Métodos moleculares independente de cultivo, baseados em estudos de clonagem referentes ao gene 16S rRNA, tem validado essa estimativa identificando aproximadamente 600 espécies (Figura 7) (DEWHIRST et al., 2010).

Figura 7 - Espécies mais abundantes presentes no microbioma do biofilme dental.

Fonte: PETERSON et al., 2011, adaptado.

Estudos detalhados da bioquímica e biologia molecular de bactérias cariogênicas permitiram que os traços associados à cariogenicidade fossem identificados. Estes incluem:

(1) a expressão de sistemas de transporte de açúcar de alta afinidade para captação de carboidratos fermentáveis e a rápida conversão dos açúcares transportados em ácidos e produtos metabólicos (acidogenicidade); (2) habilidade de tolerar, crescer e continuar a produzir ácido em ambientes de baixo pH (acidotolerância); (3) a síntese de polímeros extracelulares, especialmente mutana e dextrana, a partir da sacarose para consolidar a adesão à superfície dental e (4) a produção de polissacarídeos intracelulares durante períodos de grande disponibilidade de carboidratos; esses componentes armazenados podem ser convertidos em ácido nos períodos entre as refeições (LOESCHE, 1986; TANZER, et al., 2001; LEMOS et al., 2005; MARSH, 2010)

Loesch em 1986 confirmou o que havia comprovado em estudo anterior (1975) afirmando ter evidências substanciais da associação de Streptococcus mutans com o desenvolvimento da cárie dental. Nesse estudo de 1975 foi demonstrada uma forte relação entre a presença desta bactéria na placa bacteriana associada a fissuras com cárie incipiente, havendo nesses sítios um correspondente decréscimo na prevalência de S. sanguinis comparado aos sítios livres de cárie (LOESCH et al., 1975).

Já em 1980, Hamada e Slade postularam que aparentemente não se poderia nomear um único micro-organismo como responsável pela cárie dental. O mais certo seria dizer que vários micro-organismos são essenciais para patogênese desta doença.

Streptococcus sobrinus tem sido relacionado ao desenvolvimento da cárie particularmente na ausência de S. mutans. Este microrganismo tem a capacidade de produzir níveis de ácido e tolerância a estes maiores que o S. mutans (PETERSON et al., 2011).

O grupo mutans apresenta espécies heterogêneas do ponto de vista antigênico e genético, dando origem a várias linhagens que permitem o conhecimento de diferentes biotipos deste grupo bacteriano (CARLSSON, 1969 apud PETERSON et al., 2011). Streptococcus mutans e Streptococcus sobrinus destacam-se por apresentarem maior número de colônias isoladas a partir de amostras de saliva (PETERSON et al., 2011).

Alguns estudos realizados por Carlsson (1969) e Edwardsson (1968), tentaram mostrar que os estreptococos cariogênicos isolados apresentavam características compatíveis com o Streptococcus mutans, justificando, assim, a relação desta espécie com a cárie dental como o seu principal agente etiológico, podendo ser isolado de placas dentais ou da saliva de indivíduos cárie-ativos (LOESCHE, 1982).

Streptococcus mutans são amplamente distribuídas não apenas em populações com moderada ou alta prevalência de cárie, como também nas populações com baixa ou nenhuma experiência de cárie (NAPIMOGA et al., 2004). Uma possível explicação para sua

presença em indivíduos com baixa experiência de cárie é a dependência de fatores de virulência dos estreptococos e dos fatores promotores da doença que podem diferir entre populações com prevalência de cárie (NAPIMOGA et al., 2004).

Alguns estudos mais recentes indicam que a relação entre cárie dentária e Estreptococos do grupo mutans não é absoluta; foi observado que alguns sítios dentais podem apresentar altas proporções destes micro-organismos e, no entanto não apresentar lesão ou, de forma inversa, haver desenvolvimento de lesão cariosa sem a presença das espécies relacionadas à doença (AAS et al., 2008). Nestas situações, sugere-se que outras bactérias acidogênicas e acidúricas não pertencentes a este grupo, incluindo ―não-mutans baixo-pH‖ e Actinomyces (van HOUTE et al., 1994, 1996), sejam responsáveis pela iniciação do processo. Estudos moleculares recentes têm reforçado esse conceito mostrando que a microflora associada a lesões de mancha branca é mais diversa do que aquela até então observada e que novos filotipos e espécies incluindo Actinomyces gernesceriae, A. naeslundii, e A. israelii assim como uma ampla gama de Estreptococos não-mutans e Veillonela sp podem ainda ter importância (BECKER et al., 2002; AAS et al., 2008; TAKAHASHI; NYVAD, 2008).

Todas as espécies bacterianas associadas à cárie pertencem ao microbioma da cavidade oral, e por isso, a cárie dentária é descrita como uma infecção endógena (FEJERSKOV; NYVAD, 2003). Estas infecções endógenas acontecem quando membros da microflora residente obtém vantagem seletiva sobre as outras espécies havendo perturbação na homeostasia do biofilme (MARSH, 1994).

O acima exposto entra em consenso com a teoria proposta por Marsh (1994) sobre a hipótese ecológica da placa. Esta teoria propõe que há uma relação dinâmica entre o biofilme oral e o ambiente local. Quando há o aumento na frequência de ingestão de açúcar, o metabolismo bacteriano resulta em um biofilme submetido a um baixo pH por um maior período de tempo. Um pH ácido inibe o crescimento de muitas bactérias associadas com a saúde do esmalte e ainda seleciona aquelas bactérias que exibem um fenótipo de capacidade para produção e tolerância a ácidos. Eventos similares podem acontecer caso haja uma diminuição no fluxo salivar. Sob essas condições, a desmineralização acontece, aumentando assim, a probabilidade de desenvolvimento da lesão cariosa.

Dessa forma, pode-se prevenir o processo de cárie não apenas inibindo diretamente a bactéria causadora, mas, também, interferindo com mudanças no ambiente que dirijam as alterações deletérias na composição e atividade metabólica do biofilme (Figura 8).

Figura 8 - Diagrama de fatores que contribuem para desenvolvimento da cárie dental de acordo com a hipótese ecológica do desenvolvimento da placa dental.

Fonte: MARSH, 1994, adaptado.