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Microevolução em Anopheles cruzii

5 DISCUSSÃO

5.3 Microevolução em Anopheles cruzii

Nos testes da hipótese MGA-4, os resultados revelaram uma variação fenotípica considerável em ambos os tamanho e formato das asas de An. cruzii durante os três anos de estudo, sugerindo rápidas mudanças microevolutivas. Os resultados revelaram um sútil, mas significativa diferenciação detectada pela CVA para todas os testes, suportados por valores significativos de distância de Mahalanobis. Observa-se nos resultados um gradiente de variação alar do ambiente mais silvestre para o ambiente mais urbano, com a população urbana apresentando maior variação nos padrões de formatos alares em relação ao tempo, indicando que variações no formato alar podem também ser influenciadas pelo meio ambiente.

Esses resultados foram corroborados pela análise de wireframe, a qual revelou variação longitudinal em marcos anatômicos quantitativos e pelos testes de cross-

validation que apresentaram acurácia de até 75%. Apesar do tempo analisado ser curto,

os testes de cross-validation apresentaram valores altos, pois as asas são consideradas caracteres morfológicos conservados em mosquitos (Henry et al. 2010). A árvore de Neighbor-Joining baseada nas distâncias de Mahalanobis sugere que tempo é um fator mais forte para a variação alar do que a distância geográfica. A alteração nos habitats naturais de An. cruzii provavelmente seja refletida em sua biologia e percebida nesse estudo através de padrões de variação em seu formato alar. Essa observação sugere que mudanças antropogênicas no ambiente podem ser um importante fator para a variação do formato alar de An. cruzii.

O ecossistema de Parelheiros está sendo afetado pelo aumento da presença humana e expansão desordenada da cidade, o que reflete em desmatamento e urbanização. Assentamentos clandestinos e casas em áreas rurais são comumente encontrados nessa região (Duarte et al. 2013). O rápido aumento na urbanização dessa área pode agir afetando o formato alar das populações de An. cruzii, podendo ser resultado de perda de habitat e diminuição na disponibilidade de hospedeiros naturais (primatas não humanos). Essa hipótese é suportada pela transmissão ativa de

Plasmodium na áreas mais urbanizadas de Parelheiros, onde as dinâmicas de

transmissão de malária são provavelmente mantidas por reservatórios assintomáticos humanos e primatas não humanos (Duarte et al. 2013; Sallum et al. 2014).

Apesar do tamanho da asa das populações de An. cruzii também ter variado, a variação no tamanho alar é geralmente uma manifestação de qualidade do habitat larval, disponibilidade de nutrientes, densidade larval e temperatura (Dujardin 2008; Morales Vargas et al. 2010) e varia de uma geração para a outra, o tornando menos informativo

para estudos microevolutivos (Lorenz et al. 2017). Por outro lado, a variação do formato alar tem sido mostrada como sendo determinada geneticamente e, por isso, usada em diversos estudos evolutivos (Klingenberg 2003; Dujardin et al. 2009; Lorenz et al. 2017).

Anopheles cruzii foi considerado verticalmente estruturado entre altas e baixas

altitudes pela análise da geometria da asa. Os autores sugeriram que o formato alar de

An. cruzii pode ser sensível a pressões seletivas impostas por estressores ambientais

(Lorenz et al. 2014). As suas conclusões corroboram a hipótese deste estudo que estressores gerados pelo meio ambiente podem afetar o fenótipo de An. cruzii. Morfometria geométrica de asa também foi usada para acessar a microevolução de Ae.

albopictus e Ae. aegypti. Louise et al. (2015), detectaram variação temporal na asa de

populações de Ae. aegypti coletadas por 14 meses na cidade de São Paulo e encontraram associação entre a rápida evolução dessa espécie e densa urbanização, entre outras variáveis. Resultados similares foram encontrados em um estudo realizado com populações de Ae. albopictus coletadas por quatro anos, mostrando que as variações ocorreram gradualmente pelo tempo em populações dessa espécie (Vidal et al. 2012).

Apesar do presente estudo ter encontrado alta variabilidade fenotípica para An.

cruzii, alguns estudos observaram morfologia da asa como sendo relativamente

uniforme, atribuindo estes resultados a fortes mecanismos canalizantes (Debat et al. 2009; Henry et al. 2010). Apesar disso, a plasticidade fenotípica tem mostrado possuir importância evolucionária e pode, portanto, estar ocorrendo nas populações deste estudo, principalmente, nas populações da área mais urbanizada (Debat & David 2001; Pigliucci 2005; Adams & Collyer 2009; Debat et al. 2009). Não há barreiras naturais entre as populações de An. cruzii do presente estudo, o que pode implicar em adaptação local. Portanto, é provável que seleção local pode produzir diferentes fenótipos (Dujardin et al.

2009) e que mecanismos como assimilação genética e acomodação genética podem induzir a real diferenciação (Waddington 1953).

Marcadores moleculares e fenotípicos são muitas vezes contraditórios. Enquanto a morfometria geométrica da asa demonstrou uma clara estruturação temporal em populações de An. cruzii (Multini et al. 2019c), os SNPs não identificaram estrutura entre as mesmas amostras. Nos testes das hipóteses SNP-4 e SNP-5, as populações de An.

cruzii não mostraram sinais de estrutura e diversidade genética quando analisadas em

relação ao tempo. Os resultados da PCA apresentaram as populações com baixa diversidade genética e alto grau de sobreposição de pontos, assim como a análise bayesiana e as estatísticas (D, FST, FIS e G”ST) não revelaram estruturação genética.

Estudos anteriores comparando geometria da asa e marcadores microssatélites em mosquitos revelaram que os padrões de formato alar mudam mais rapidamente (Vidal & Suesdek 2012; Louise et al. 2015). O formato alar de mosquitos é determinado por diversos genes e suas expressões, portanto, quando o formato alar é comparado com o polimorfismo de SNPs que são marcadores moleculares bi-alélicos, neutros e independentes diferentes desfechos podem ser esperados (Ayala et al. 2011; Lorenz et al. 2017).

Os traços fenotípicos são controlados por diversos fatores genéticos e podem ser sensíveis às mudanças ambientais durante o desenvolvimento, assim como variações sazonais podem afetar o tamanho e formato da asa de insetos (Francuski et al. 2011; Gómez et al. 2014). Cabe ressaltar que os espécimes de An. cruzii analisados neste estudo foram coletados durante três anos, abrangendo todas as estações do ano. Desse modo, não é possível descartar os efeitos da sazonalidade no formato alar de An. cruzii. Além disso, os resultados de variação fenotípica maior que a genotípica indicam que os

níveis de diferenciação nos caracteres alares excederam o que é esperado por marcadores genéticos neutros. Isso pode ser explicado pela hipótese de que os caracteres alares podem modular a performance de voo e outras funções biológicas, como dispersão e sucesso em encontrar parceiros para cópula em mosquitos Anopheles (Sanford et al. 2011; Gómez et al. 2014).

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