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INTRODUÇÃO GERAL

1.1. Microparasitoses da ictiofauna

A fauna aquática dos diferentes meios ambientes e das variadas áreas geográficas estão sujeitos à acção nefasta de diferentes tipos de microparasitoses. Esta situação tem grande relevância quando se trata de animais de interesse económico, como peixes, moluscos e crustáceos, os quais concorrem para uma baixa de produção.

De entre os agentes patogénicos que ocorrem geralmente na fauna aquática, como vírus, bactérias, rickettsias, apicomplexos, haplosporídios, ciliados, entre outros, destacamos dois grupos de agentes que ocorrem, frequentemente, na fauna ictiológica, induzindo microsporidioses e mixosporidioses.

1.2. Microsporidioses

As microsporidioses são doenças provocadas pela acção parasitária dos microsporídios (filo Microsporidia Balbiani, 1882), organismos unicelulares eucariotas de reduzidas dimensões, que têm um ciclo de vida obrigatoriamente intracelular. Estes parasitas podem causar enormes malefícios e, em muitos casos, são a causa da morte dos seus hospedeiros. Este grupo de parasitas patogénicos ocorre em alguns organismos unicelulares (ciliados e gregarinas) e em quase todos os filos dos metazoários, tais como mixosporídios, celenterados, platelmintas, nemátodes, rotíferos, anelados, moluscos, briozoários, artrópodes e em todas as classes de vertebrados, incluindo os humanos. Neste caso, as parasitoses estão, muitas vezes, associadas a infecções provocadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (Desportes et al. 1985). Alguns géneros destes microrganismos são também referidos como sendo a causa primária de diarreias crónicas em pacientes com a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) (Wasson & Peper 2000, Didier & Weiss 2006).

Actualmente são reconhecidas mais de 1300 espécies pertencendo a 144 géneros (Larsson 1999), números com tendência a aumentar com a descoberta de novos géneros e espécies, que têm como hospedeiro, em larga maioria, espécies de artrópodes e de peixes (Sprague 1977, Canning & Lom 1986, Larsson 1986, Lom & Dyková 1992a, Sprague et al. 1992, Lom 2002, Lom & Nilsen 2003).

O estudo dos microsporídios tem suscitado um grande interesse por parte dos investigadores e das entidades sanitárias. Tem sido de fundamental importância o estudo destes parasitas nas vertentes morfológica, fisiológica, citoquímica, imunológica,

molecular e filogenética. Também tem havido a preocupação de tentar encontrar métodos mais eficazes de diagnóstico das microsporidioses, assim como de tentar a optimização de recursos à profilaxia mais apropriada,de forma a combater as infecções oportunistas causadas por este tipo de microrganismos.

1.2.1. Posição taxonómica

A primeira referência a microsporídios data do século XIX, com a identificação de um parasita em França, encontrado em insectos produtores de seda (Bombyx mori) e associado à doença conhecida por “Pebrina”, da qual resultaram graves prejuízos económicos (Becnel & Andreadis 1999). Este parasita foi, inicialmente, classificado como pertencendo ao grupo comum das leveduras e bactérias (Schizomycetes), ao qual se deu o nome de Nosema bombycis Naegli, 1857 (Sprague & Becnel 1998).

Durante muitos anos, os microsporídios foram incluídos nos protozoários (Protozoa). Só na última década do século XX, a taxonomia sofreu grandes transformações, tendo sido reconhecidos como dos mais primitivos seres da árvore filogenética dos eucariotas, divergindo antes de ocorrer a endossimbiose mitocondrial (Vossbrinck et al. 1987). Em 1993, Cavalier-Smith agrupou-os no reino designado por Archezoa, juntamente com os Archamoebae, Metamonada e Parabasalia. Entre as características citológicas e moleculares invulgares que possuem, salientam-se uma aparente ausência de mitocôndrias, estruturas comparáveis aos cinetossomas, peroxissomas, lisossomas e flagelos (Marquardt & Demeree 1985, Larsson 1986, 1999 Cavalier-Smith 1987, Perkins 1991). Por outro lado, os núcleos são constituídos por um invólucro nuclear, constituído por duas membranas, mas com uma divisão nuclear considerada primitiva, embora mostrem evidentes características dos eucariotas (Vossbrinck et al. 1987). Os ribossomas e os RNAs ribossomais têm afinidades, simultaneamente, com os seres procariotas e eucariotas (Vossbrinck & Woese 1986, Vossbrinck et al. 1987). Várias teorias foram propostas com o intuito de explicar o seu primitivismo. Segundo Cavalier- Smith (1993), os microsporídios tiveram origem a partir de formas pré-mitocondriais, ou então, como outra hipótese, estes organismos perderam as suas mitocôndrias, em consequência do tipo de vida parasitária.

Nos finais do século XX, a sequenciação do gene HSP70 (codifica proteínas de choque de 70 kDa, do tipo chaperone, normalmente funcionais nas mitocôndrias dos eucariotas) do microsporídio Vairimorpha necatrix sugere que, em períodos ancestrais, este grupo de parasitas possuiu mitocôndrias, acabando por as perder (Germot et al. 1997, Hirt et al. 1997). Presentemente, com o conhecimento na íntegra do genoma do microsporídio

Encephalitozoon cuniculi (Katinka et al. 2001), foram descobertas apenas 22 proteínas

envolvidas em processos mitocondriais, tais como a formação dos complexos Fe-S da mitocôndria não intervindo nenhuma delas, no entanto, em funções mitocondriais canónicas, tais como a respiração aeróbica (Goldberg et al. 2008). A elaboração de árvores filogenéticas com base na sequenciação dos genes que codificam para as proteínas tubulina α e β (Keeling & Doolittle 1996, Edlind et al. 1996), nas sequências genéticas que codificam os factores de elongação da tradução EF–1α e EF-2 (Hashimoto

et al. 1997), proteínas de ligação à “TATA box” (Fast et al. 1999), valil-tRNA sintetase

(Weiss et al. 1999), a grande subunidade da RNA polimerase II (RPB1) (Hirt et al. 1999) apontam para uma grande proximidade dos microsporídios com o reino Fungi (Gill & Fast 2006). Estas evidências genéticas e moleculares, bem como a presença de quitina e trehalose nos microsporídios, componente igualmente presente nos fungos (Keeling & McFadden 1998), vêm reforçar a 2ª hipótese proposta por Cavalier-Smith (1993). Como resultado do acumular de inúmeras evidências filogenéticas, aparentemente, os microsporídios encontram-se incluídos no reino Fungi (Cavalier-Smith 1998) persistindo a dúvida se eles partilharam o mesmo ancestral com os fungos ou, se então, derivaram a partir destes (Gill & Fast 2006). Recentes análises filogenéticas, efectuadas por Lee e colaboradores (2008), demonstram que os microsporídios são fungos verdadeiros, especificamente relacionados com os zigomicetes, que possuem componentes reguladores genéticos que poderiam funcionar na determinação do sexo e na reprodução sexual.

1.2.2. Esporo

Morfologia externa

Ultrastruturalmente caracterizam-se por possuir esporos unicelulares com parede rígida e espessa sem qualquer tipo de perfuração. Os esporos encontrados na ictiofauna são, na maior parte dos casos, de características morfológicas similares, de forma oval ou elipsoidal (Larsson 1986, Lom & Dyková 1992a). As suas dimensões oscilam entre os limites de 2 μm de comprimento na espécie Nucleospora salmonis (Hedrick et al. 1991) até 20 μm na espécie Jirovecia piscicola, descrita no peixe Gadus merlangus (Lom & Dyková 1992a) (Esquema 1).

Externamente, a superfície é geralmente lisa, no entanto em algumas espécies, podem existir sulcos de diferente forma e organização, que lhe confere uma certa especificidade (Lom & Weiser 1972). A parede é espessa, excepto no local de extrusão do filamento polar, e constituída por duas camadas finas. A exterior, exosporo, é electrodensa,

proteica e de pequena espessura (15-100 nm), recobre uma camada mais interna, endosporo, que é mais espessa (150-200 nm), electrolucente e de natureza quitinosa e proteica (Erickson & Blanquet 1969, Vávra 1976). A parede do esporo é uma estrutura que funciona como uma barreira protectora ambiental e, simultaneamente, as proteínas da parede intervêm no processo de aderência aos glicosaminoglicanos sulfatados da superfície das células hospedeiras (Hayman et al. 2005). A identificação das proteínas da parede do esporo pode ser útil no diagnóstico e na elaboração de drogas apropriadas no combate a organismos patogénicos. Até ao momento foram identificadas em

Encephalitozoon spp. 2 proteínas exosporais SWP1 e SWP2 (Bohne et al. 2000, Hayman et al. 2001) e 3 proteínas endosporais EnP2 ou SWP3,

EnP1 (Peuvel-Fanget et al. 2006, Xu et al. 2006) e EcCDA (Brosson et al. 2005). Em Nosema bombycis estão descritas 3 proteínas, SW30, SW32 (Wu et al. 2008) e SW26 (Li et al. 2009).

Esquema 1 – Desenho esquemático do esporo de um

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