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Microrganismos contaminantes da cerveja 24

No documento Flávia Alexandra Pedro Fernandes (páginas 48-51)

3. ABORDAGEM TEÓRICA 15

3.3 QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DA CERVEJA 22

3.3.2 Microrganismos contaminantes da cerveja 24

Os microrganismos contaminantes da indústria cervejeira podem ser definidos como qualquer organismo que não foi propositadamente introduzido e que é apto a sobreviver e proliferar no meio (mosto, cerveja após filtração ou produto acabado) (Hughes and Baxter, 2001). Várias estirpes de bactérias têm mostrado manter-se viáveis em várias etapas do processo cervejeiro por longos períodos de tempo, mas por serem incapazes de se multiplicar no produto final não devem ser consideradas como prejudiciais para a qualidade da cerveja acabada. Assim, considerando a indústria cervejeira, ao longo de todo o processo de fabrico podem ocorrer contaminações que podem ter um impacte mais ou menos significativo na qualidade do produto final. O carácter contaminante de um microrganismo irá depender do estágio do processo cervejeiro em que se encontra (Vaughm, 2005). Podemos por isso agrupar os microrganismos, da indústria cervejeira do seguinte modo:

i. Microrganismos prejudiciais indirectos. Inclui microrganismos que podem estar presentes na cerveja mas incapacitados de se multiplicarem, não causando defeitos microbiológicos. É o caso das bactérias aeróbias, que não se multiplicam no produto final, embora possam desenvolver-se no mosto provocando a sua deterioração e comprometer a fermentação. Frequentemente são chamadas de “bactérias do mosto”, cuja designação inclui um largo grupo de bactérias aeróbias, principalmente pertencentes aos géneros: Hafnia, Klebsiella, Escherichia, Citrobacter, Proteus, Rahnella, Acetobacter e Gluconobacter. Algumas destas bactérias podem produzir metabolitos que, dependendo da concentração, podem conduzir a cervejas com flavours não desejáveis. Assim, embora não sejam considerados microrganismos prejudiciais, de forma indirecta acabam por afectar o produto final, pelo que a sua

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presença no mosto e quantificação de metabolitos excretados dever ser controlada e detectada atempadamente (Sakamoto and Konings, 2003).

ii. Microrganismos prejudiciais condicionais. Existem certos microrganismos cujo carácter prejudicial é condicionado pelo tipo de cerveja e/ou condições de enchimento. Inclui bactérias anaeróbias, como as bactérias Zymomonas mobilis, que crescem sobretudo em cervejas Ale, e Micrococcus kristinae, que é capaz de se multiplicar em cervejas com baixa concentração de etanol e de componentes do lúpulo e com valores de pH acima de 4,5, produzindo um aroma de frutas atípico (Jespersen and Jakobsen, 1996; Vaughm, 2005). Além disso, este grupo também inclui bactérias aeróbias, como as “bactérias acéticas do mosto” Acetobacter spp. e Gluconobacter spp., capazes de converter o etanol a ácido acético, resultando num desagradável odor a vinagre. Estas bactérias são resistentes aos compostos amargos do lúpulo e ao etanol, e, por serem aeróbias, geralmente ocorrem em cervejas com presença de ar no headspace da garrafa, lata ou barril, como resultado de um enchimento imperfeito ou cerveja com baixo nível de carbonatação. Também algumas bactérias produtoras de esporos, nomeadamente Bacillus spp. e Clostridium acetobutylicum, embora só consigam desenvolver-se em cervejas com baixo teor de álcool e pH > 4,2, podem formar esporos resistentes às condições hostis da cerveja normal, permitindo a proliferação das células vegetativas em condições de aerobiose (Sakamoto and Konings, 2003). iii. Microrganismos prejudiciais efectivos. Inclui todos os microrganismos adaptados a

sobreviver e multiplicar-se na cerveja causando defeitos microbiológicos. Este grupo subdivide-se em “bactérias prejudiciais” e “leveduras prejudiciais”, a seguir descritos.

3.3.2.1 Bactérias prejudiciais

Entre as principais bactérias prejudiciais encontram-se sobretudo bactérias anaeróbias ou microaerófilas acidófilas ou tolerantes à acidez. Entre elas incluem-se as bactérias ácido lácticas e as bactérias anaeróbias estritas pertencentes aos géneros Pectinatus e Megasphaera.

i. Bactérias ácido lácticas

Dentro deste grupo, as bactérias ácido lácticas com maior impacte na indústria cervejeira pertencem aos géneros Lactobacillus e Pediococcus. No período de 1980-2002, aproximadamente 60-90 % dos incidentes de contaminação microbiana nas indústrias cervejeiras na Europa foi devido precisamente a Lactobacillus spp. e Pediococcus spp., sendo

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Lactobacillus brevis, Lactobacillus linderi e Pediococcus damnosus as espécies mais frequentes e importantes deteriorantes da cerveja (Suzuki, 2011). Tratam-se de microrganismos Gram- positivos, catalase-negativa e imóveis. São microaerófilos, sendo a sua multiplicação favorecida em atmosfera de CO2.A maioria das espécies, incluindo L. brevis, L. linderi e P. damnosus, é

tolerante a níveis elevados de ácidos orgânicos e aos constituintes antimicrobianos do lúpulo, o que as torna particularmente capazes de proliferar não só no mosto, nas fases de fermentação e maturação, como na cerveja acabada. Em termos de efeitos deteriorantes na cerveja, podem causar desde turvação, elevada acidez (devido à produção de ácido láctico e outros ácidos orgânicos) e off-flavours. O flavour desagradável mais importante produzido é a característica doce amanteigada devida à produção de diacetilo por algumas estirpes. Algumas estirpes, nomeadamente P. damnosus, são capazes ainda de produzir um composto glelatinoso, formado por um polissacárido complexo, que torna a cerveja viscosa. L. brevis pode também causar super-atenuação na cerveja devido à capacidade de fermentar dextrinas e amido (Jespersen and Jakobsen, 1996; Sakamoto and Konings, 2003).

ii. Bactérias Pectinatus spp. e Megasphaera spp.

Outro grupo de bactérias prejudiciais à cerveja é o das bactérias anaeróbias estritas. Dentro deste grupo incluem-se as bactérias dos géneros Pectinatus e Megasphaera como as mais perigosas para a indústria cervejeira. Embora a sua ocorrência na cerveja seja pouco frequente, a verdade é que este grupo tem vindo a adquirir uma importância crescente na indústria cervejeira (Suzuki, 2011). Tal aumento deve-se sobretudo ao aperfeiçoamento das técnicas de manipulação e enchimento da cerveja, que tem reduzido significativamente o conteúdo de O2 no

produto final, e ao aumento da produção de cervejas com baixas concentrações de etanol e de lúpulo, tornando o meio cada vez mais favorável ao crescimento de microrganismos anaeróbicos estritos (Jespersen and Jakobsen, 1996). Relativamente ao género Pectinatus, este é responsável por cerca de 20-30 % das contaminações microbianas em cerveja acabada, sobretudo em cerveja não pasteurizada (Vaughan et al., 2005). Tratam-se de microrganismos Gram-negativos e catalase-negativa, que crescem em condições de anaerobiose, a 15-40 ºC, sendo a temperatura óptima de crescimento a 32 ºC a pH de 4,5 (Vaughan et al., 2005). O seu principal efeito deteriorante na cerveja é uma forte turvação e um repulsivo cheiro a “ovo podre” ou fecal, resultante da combinação de diferentes compostos orgânicos, ácidos gordos, sulfeto de hidrogénio e metil mercaptano (Sakamoto and Konings, 2003). A contaminação por Megasphaera spp., por sua vez, está associada a 7 % dos incidentes de cerveja contaminada com bactérias contaminantes (Vaughan, 2005). Apenas uma espécie do género, Megasphaera cerevisiae, é conhecida até à data como contaminante da cerveja. O seu crescimento é

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geralmente inibido a pH abaixo de 4,1 e a concentrações de etanol acima de 2,8 % vol., embora o seu crescimento em cervejas com 5,5 % vol. já tenha sido relatado (Vaughan et al., 2005). O seu efeito deteriorante na cerveja resulta na produção de consideráveis quantidades de ácido butírico, e outros ácidos, como os ácidos acético, valérico e propiónico, aumentando a acidez da cerveja. Tal como Pectinatus spp., M. cerevisiae, produz sulfeto de hidrogénio provocando forte odor fecal, o que faz destes microrganismos um dos mais temidos na indústria cervejeira (Sakamoto and Konings, 2003).

3.3.2.2 Leveduras prejudiciais

Uma vez que o crescimento das leveduras cervejeiras em produto acabado pode provocar turvação, a sua presença nesta fase do processo é considerada prejudicial à qualidade da cerveja. Além da própria levedura cervejeira, podem também ocorrer contaminações cruzadas com leveduras ditas selvagens, ou seja, qualquer levedura diferente daquela utilizada na elaboração de determinada cerveja. Tradicionalmente, as leveduras selvagens prejudiciais são divididas em Saccharomyces (incluindo estirpes de S. cerevisiae) e não-Saccharomyces (incluindo os géneros Brettanomyces, Hansenula, Debaryomyces, Torulopsis, Dekkera, e algumas espécies de Candida e de Pichia), sendo as do género Saccharomyces consideradas as mais perigosas. Em termos do efeito deteriorante causado nas cervejas, sabe-se que as leveduras selvagens podem causar desde turvação, desenvolvimento de off-flavours (ex. sulfurosos (SO2), fenólicos,

diacetilo), fermentação com desvio na atenuação, ou formação de película na superfície da cerveja (Sakamoto and Konings, 2003; Carvalho et al., 2006).

No documento Flávia Alexandra Pedro Fernandes (páginas 48-51)

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