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4 O CAMINHO DAS PEDRAS OU DAS ÁGUAS?: A RETIRADA

4.4 A MIGRAÇÃO COMO ALTERNATIVA

As dificuldades enfrentadas pelos retirantes durante o ano de 1942 não foram novas, as medidas paliativas são recorrentes na ausência de políticas públicas que possuam ações concretas para amenizar os problemas causados pelas estiagens. Tais medidas permanentes nunca foram encaradas por nenhum governo anterior à revolução de 1930, e Getúlio Vargas também não fizera muito para minorar as mazelas das estiagens. E sempre, como alternativa para atenuar a situação do nordestino quando da aparição das secas, recorria-se à migração incentivada.

Ora, se a migração era estimulada nas ocasiões de secas, porque então era combatida enquanto um problema quando a situação das chuvas normalizava-se? O inchaço das cidades somente foi encarado como uma dificuldade nos momentos após a segunda guerra, assim a migração anterior a esta época era vista com maus olhos, principalmente por razões higienistas. A primeira edição da Revista de Imigração e Colonização apresenta o imigrante branco europeu como modelo de cidadão que era bem-visto pelo país, assim qualquer tipo étnico diferente era encarado com desconfiança.

O nordestino sofreu com o preconceito relativo a sua formação social, desacostumado a rotinas de trabalho extensas como as exigidas nas fábricas, o tipo nordestino somente era bem-visto pelo governo em tempos de seca, e possuía a “missão” de povoar uma região de baixa densidade demográfica, como o Norte. Porém, para a cidade existiam outros modelos étnicos considerados mais aptos ao trabalho. Até mesmo para as minas de carvão do sul do país, que, mesmo aceitando os nordestinos, em contrapartida requisitava também a remessa de imigrantes europeus para a região. Assim, a migração possuiu através dos tempos diferentes definições.

271 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO de 16 de outubro de 1942. Ata da 93ª Sessão ordinária do Conselho Nacional

Anualmente milhares de baianos e nordestinos vêm a pé pelo sertão para empregar- se nas lavouras sulinas, especialmente paulistas. Estas migrações são motivadas por causas econômicas. Periodicamente, quando o nordeste se debate na angústia da seca, há migrações de flagelados para vários pontos do país. A causa aí é climática. Êste ano, o Govêrno dirigiu para o extremo norte na batalha da borracha, levas e levas de nordestinos; a causa em ação era político-econômica. De qualquer forma, porém, estas migrações internas confirmam integralmente o que [...] foi dito no tocante a falta de braços no Brasil.272

Em suma, toda migração é política, econômica e cultural, a sociedade trabalha estas relações ao mesmo tempo. Uma retirada nunca é somente devido à ação climática, ela é permeada pela falta de políticas públicas de prevenção às ações da seca; é econômica, pois a destruição da lavoura ou a morte do gado impedem o sertanejo de ficar na sua terra; e ela é também cultural, pois configura-se na emergência da possibilidade de melhoria de vida em um outro lugar. As probabilidades de melhora de vida em ambientes diferentes nem sempre se confirmam, porém devido à grande propaganda de massa dos moldes da vida capitalista – permeada por um conforto tecnológico inexistente no campo – enfatizando o viés político/econômico/cultural da migração de nordestinos para os centros urbanos do país.

Também aqui, as condições de conforto encontradas nos centros urbanos e desconhecidas no campo, que se traduzem no desnível entre as cidades da orla marítima e o interior; o desejo de uma vida mais fácil e sem os percalços do meio rural; o desenvolvimento das indústrias, proporcionando melhores salários nas fábricas que os obtidos nas fainas agrícolas; e a proteção social dispensada ao operário industrial teem sido motivos de atração das população do interior para a urbs.273

Grande parte dos estudos datados da década de 1940 dão seleta importância aos direitos trabalhistas e sociais como motivação para a vinda à cidade, e em muitos casos o são verdadeiramente, porém existiam poucas ações do Estado que visassem a estender este direito ao trabalhador rural. Todavia, isto não acontecera, e nas tentativas ocorridas, como na batalha da borracha as intenções foram frustradas. Os trabalhadores não viram seus direitos trabalhistas ou sociais, e ainda por cima tiveram de aceitar a lei dos seringalistas, já que em muitos casos, a fiscalização passava longe dos seringais mesmo com uma embarcação para tal tarefa.

A medida número 10 apresentada pelo conselheiro Dulphe Pinheiro Machado para amenizar os problemas das secas tem por iniciativa “instituir uma legislação adequada ao

272 NEIVA, Artur Hehl. O problema imigratório brasileiro. Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro:

Conselho de Imigração e Colonização. Ano V, n. 3, p. 178. Set. de 1944.

273 CARVALHO, Fernando Mibielli de. O Exôdo Rural. Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro:

nordeste, regulando as condições de trabalho e os contratos de locação de serviços, entre trabalhadores e proprietários de terras”. Estas e outras muitas ações, propostas pelo Conselho de Imigração e Colonização, foram desconsideradas na ampla maioria das vezes. Diversos estudos foram feitos por CIC, IFOCS, DNI, Ministério de Viação e Obras Públicas, entidades não vinculadas ao governo, nenhuma foi posta em prática com um plano organizado de ações. Ora uma proposta ou outra era viabilizada, mas sempre a título de aliviar os problemas e nunca atacá-los diretamente.274

Mesmo quando em época de produção de borracha, durante a segunda guerra, o conselheiro Henrique Vasconcellos sugeriu uma saída melhor e mais rentável ao governo federal, optou-se por uma via menos proveitosa. Segundo o conselheiro, o vale do rio São Francisco “poderá tornar-se uma importante região produtora de látex, a ser extraído da mangabeira e da maniçoba, cuja produção poderia atingir 2.000 toneladas anuais, se para ela fosse encaminhada mão de obra necessária”.275 E para confirmar sua tese, apresenta um relatório sobre a borracha no rio São Francisco, e sua viabilidade caso haja incentivo estatal. Contudo, o governo preferira retirar os trabalhadores de sua região e povoar a Amazônia, com a desculpa da borracha, sendo que poderia produzir o látex na região nordeste, sem ter de gastar com transporte e sem retirar os braços necessários para manter o status da região como produtiva.

Alijar uma região em detrimento de outra demonstra a preocupação que o governo possuía com a colonização do oeste do país. As campanhas para a ocupação do interior do Brasil e a propaganda auxiliaram para o encaminhamento de trabalhadores para aquela região, mesmo à custa de outras localidades. Sem a propaganda oficial, “a migração dos trabalhadores procedentes das regiões assoladas pela seca, no interior, tem-se dirigido, pela navegação fluvial do São Francisco, para o Sul do país”.276 E mesmo com a existência de incentivo para o Norte, muitas vezes, com os percalços enfrentados pelo projeto, a navegação para o Sul apresentava-se como uma alternativa viável.

Assim, atraidas por salários mais remuneradores, pela proteção social que se começava a dispensar ao trabalhador industrial, procurando gozar o benefício das conquistas da civilização moderna, que não chegavam até o campo, as populações do interior vinham afluindo em número cada vez maior para os grandes centros

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MACHADO, Dulphe Pinheiro. Relatório de uma viagem através do Nordeste, em maio de 1942. Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro: Conselho de Imigração e Colonização. Ano III, n. 2, p. 91, Ago. de 1942.

275 VASCONCELOS, Henrique Dória de. Relatório de uma viagem de inspeção, apresentado ao Conselho de

Imigração e Colonização. Revista de Imigração e Colonização. Rio de Janeiro: Conselho de Imigração e Colonização. Ano III, n. 2, p. 98, Ago. de 1942.

urbanos. Infelizmente, após a guerra e a crise mundial que acarretou, o seu número passou a exceder as necessidades dos centros fabris da maioria das nações e a oferta de braços para o trabalho nas cidades tornou-se maior do que a sua procura.277

O crescimento desordenado das grandes cidades em um ritmo muito acelerado ocasiona desigualdades sociais, todavia o desemprego crescente gera ações de subemprego, muitas vezes impossibilitando o migrante de atingir a tão esperada melhoria na qualidade de vida. Consequentemente a precariedade nas condições relativas à sua remuneração ocorre o aglutinamento de trabalhadores em cortiços e a construção de moradias em locais não registrados, surgindo a partir daí um desdobramento do número de favelas nos grandes centros urbanos:

a passagem do universo rural para o urbano não se dá sem dificuldades e conflitos. [...]. É preciso não esquecer que a concentração crescente da população nas zonas urbanas é, em grande parte, o resultado de um movimento consciente e voluntário de pessoas que encontram, na cidade, condições mais satisfatórias de vida. E são mais satisfatórias não porque seja dada ao migrante a possibilidade de participar de modo ativo e consciente no processo de transformação da sociedade, mas porque, na

cidade, ele encontra maiores facilidades de acesso aos “benefícios” do processo de

desenvolvimento.278

Se não houve grandes incentivos partindo do governo federal para o estabelecimento de uma corrente migratória ordenada proveniente da região Nordeste e destinada a região Sul, principalmente aos grandes centros urbanos, ocorreu aquilo que podemos chamar de uma propaganda indireta dos benefícios de viver nas cidades mais desenvolvidas. Se os direitos trabalhistas não alcançavam o campo, notícias deles chegavam pelo rádio, pelas experiências migratórias anteriores, ou mesmo pelos jornais aonde os poucos que sabiam ler repassavam estas informações adiante. Se a migração para o Sul não fora planejada pela presidência como fora a da Amazônia, ela se configurou nas relações dos trabalhadores nordestinos com seu ambiente, a seca não funciona como alavanca que atira os retirantes para outras regiões.

Se a retirada acontecia por causa da seca ela somente tinha motivações para continuar além das primeiras chuvas, incentivada pelas dificuldades econômicas da região na qual viviam os sertanejos, não se pode deixar de mencionar as pressões sociais que ali existiam. A migração funcionava como uma válvula de escape às repressões que os latifundiários nordestinos impunham aos moradores do sertão. Por fim, a migração transformava-se em visões de esperança para um futuro melhor às gerações do por vir.

277 CARVALHO (1942), op. cit., p. 14. 278 DURHAM, op. cit., p. 139.