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Migrações e O Dilema Moral

A. INTRODUÇÃO

A.4. Histórico do Surgimento da Basic Income Earth Network (BIEN)

3. TERCEIRO CAPÍTULO: A AFIRMAÇÃO DA JUSTIÇA GLOBAL

3.2. Migrações

3.2.1. Migrações e O Dilema Moral

Pode-se dizer que um questionamento importante que vem sendo feito aos proponentes dos esquemas de renda básica refere-se às migrações. Argumenta- se que a instituição de programas regionais ou globais de renda básica inviabilizaria uma política igualitária no que se refere às migrações. Michael Howard (2006) analisa a questão do ponto de vista do dilema moral. O autor acredita que a implantação da renda básica em nível nacional seria um meio de endereçar as duas pressões: migratória e de justiça social, com algumas condições.

Os proponentes de esquemas globais de renda básica, segundo Howard, são confrontados com o dilema entre uma política de bem-estar social destinada a todos os residentes de determinado país ou região e uma política justa para imigração (no que tange a abertura de fronteiras), uma vez que há a crença de que a implantação da primeira teria um efeito de atração, o que levaria ao aumento da pressão por políticas mais rígidas de imigração. Afirma, então, que a instituição de uma política nacional de renda básica seria a opção mais adequada nesse caso, dirigindo o benefício a todos os cidadãos daquela comunidade política e exigindo um tempo mínimo de residência para início da transferência de renda. Essa alternativa – renda básica a nível nacional, segundo seus proponentes, seria a maneira mais plausível de melhorar as condições daqueles cidadãos que se encontram na situação de maior insegurança nas sociedades em questão.

O autor diz que um programa de renda básica de nível nacional seria próximo da subsistência e programas de renda básica regional (União Europeia ou NAFTA, por exemplo), teriam um valor menor mas que fosse suficiente ao menos para permitir que os mais pobres migrassem. Aqueles que migram por trabalho, segundo Howard, geralmente não são os mais pobres de uma comunidade, estes não têm recursos sequer para migrar para outros países.

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Considera três problemas diferentes no que se refere às migrações: o movimento norte-sul, caracterizado pela migração vertical, particularmente daqueles com menos qualificação dos países relativamente mais pobres para aqueles relativamente mais ricos; o segundo tipo é a migração horizontal, a qual acontece entre países de mesmo nível de desenvolvimento, mas cuja estrutura social ou de benefícios pode ser diferente; e o terceiro tipo consiste na marginalização de imigrantes em guetos. Howard argumenta que o primeiro tipo é o que mais desafia a proposição de renda básica, seja em nível global e regional, seja em nível nacional.

A autora de Migration, Citizenship, and Welfare State Reform in Europe:

Overcoming Marginalization in Segragated Labour Markets, Pioch, aponta os

gargalos entre seguridade social e pobreza nos países da União Europeia, gargalos que, segundo ela, vêm aumentando desde a entrada dos países do leste europeu e da antiga União Soviética. Ela argumenta que, ainda que a instituição de programas de renda básica fosse viável economicamente, não seria viável politicamente, uma vez que os países membros da EU não podem discriminar-se no que concerne à migração em decorrência da política de abertura de fronteiras do bloco. Assim, conclui-se que há um dilema, se não econômico, no mínimo político, referente à implantação de generosas políticas de bem-estar social entre países vizinhos e com fronteiras abertas.

A respeito dos Estados Unidos, há o problema da entrada dos mexicanos no país vizinho, mencionado por Howard. Apesar do aumento de segurança nas fronteiras depois dos ataques de 11 de setembro e das políticas de controle das fronteiras norte-americanas, os mexicanos não deixaram de entrar nos Estados Unidos, apenas usam rotas mais perigosas e correm mais riscos. O número de mortes no cruzamento da fronteira seria dez vezes maior do que o número de mortes relacionadas ao muro de Berlin (em seus 28 anos de existência). Pode-se dizer, portanto, que é improvável que uma política generosa de transferência de renda seja introduzida nessas condições.

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Entretanto, Howard não conclui que a renda básica é politicamente inviável, apesar dos exemplos discutidos. Ainda que haja oposição decorrente de medos irracionais e preconceitos ou de interesse próprio, é possível a aprovação política de esquemas desse tipo quando ligados à temática da justiça. Alega que os problemas enfrentados pela proposição de renda básica também estão situados a outros programas sociais condicionais, o que leva ao ponto de que os últimos não são uma melhor solução do que a renda básica nesse sentido para as sociedades atuais. As pessoas migram por trabalho, não só por benefícios. Se fosse esse o caso, de migração para obter a renda básica, seria também o caso de migrarem por benefícios condicionais, para os quais elas se qualificariam. Por outro lado, quando os imigrantes conseguem trabalho, contribuem com sua produtividade para o produto social a ser distribuído e não representam, portanto, custos adicionais para a comunidade nativa.

No que concerne ao problema ético, Howard diz que seria inaceitável a concessão de renda básica apenas aos cidadãos de determinada comunidade política, argumenta que não se pode negar às pessoas que moram, trabalham e pagam taxas em determinado país a titulação de benefícios destinados aos membros, ainda que não sejam cidadãos. Nos Estados Unidos, onde houve a

tentativa de negar benefícios sociais a imigrantes – benefícios menos generosos

do que uma renda básica, esse esforço provou-se difícil de perpetuar. Já na União Europeia, no atual estado de integração, não se cogita a possibilidade de tratamento desigual a respeito de benefícios sociais entre países membros do grupo, segundo Howard (2006), o que não é verdade quando se fala de imigrantes vindos de outros continentes.

Além disso, a renda básica permite que haja uma flexibilização do mercado de trabalho, porque apesar de uma possível queda no nível dos salários, a renda não cai proporcionalmente. A pressão sobre os salários diminui, criam-se vagas temporárias e de meio-período e os trabalhadores têm alguma garantia de renda em períodos de transição. Assim, se os imigrantes não tiverem o direito à renda básica que os cidadãos têm, receberão menos salários do que receberiam se não

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houvesse o programa, delineando assim um quadro de injustiça social e disparidade de renda para aqueles que migram por trabalho. Uma via de duas mãos como esta só pode ser justificada, diz Howard, quando se endereça o problema às fronteiras e se retira o foco dos benefícios.

Devido ao efeito de atração que a implantação de uma renda básica exerceria, não se pode prever o que aconteceria se a União Europeia (algum país ou o bloco) ou os Estados Unidos tivessem uma política desse tipo, na opinião de Howard. No entanto, não se pode ignorar a possibilidade de aumento de imigração acompanhando uma generosa política de transferência de renda, o que, mesmo que em menor escala, teria consequências políticas. Ao mesmo tempo, a oposição entre os custos fiscais adicionais desse tipo de migração e outras formas de benefícios não é suficiente para fechamento de fronteiras ou exclusão de migrantes desses programas de transferência de renda, deixando sem solução aparente o dilema ético em questão, de justiça social.

Aqueles que defendem uma globalização mais igualitária devem ainda levar em consideração uma maior abertura de fronteiras, para Howard. O autor defende que as desigualdades regionais ou globais devem ser levadas em conta para o estabelecimento da política de benefícios nacional e para o tratamento das fronteiras. Assim, os proponentes da renda básica a nível nacional devem também defender a abertura de fronteiras, uma vez que esta é uma das maneiras de diminuir a injustiça social e também devem postular a titulação universal dos benefícios, porque desigualdade de status é incompatível com respeito igual pelas pessoas. Os medos infundados e irracionais, também os preconceitos, o egoísmo nacionalista e a exclusão dos imigrantes na titulação da renda básica devem ser combatidos por todos aqueles que acreditam na justiça social. Ele acredita na “boa luta”: pelo livre movimento e pela universalidade da renda básica, porque ela representaria uma das poucas vias para a diminuição da desigualdade e injustiça. Pode-se, no entanto, defender um período de permanência mínimo no início da implantação dos esquemas referidos para que haja inclusão total em médio prazo e alguma restrição de fronteiras para proteger aqueles que se encontram em

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piores condições de vulnerabilidade na comunidade política em questão, desde que combinada com programas regionais ou globais de transferência de renda.

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