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Capítulo 3 Vidas porta afora: sociabilidades, condições de existência e liberdade para

4. Migrações internas

Apesar das particularidades dos grupos de imigrantes que mereceram ser discutidas, a quase totalidade era de nascidos no Brasil. Considerando apenas esse grupo, 801 (92%) eram baianos e apenas 55 advinham de fora da Província,195 sendo expressiva a quantidade de trabalhadores/as provenientes de Sergipe, Pernambuco e Alagoas, como apresentado na Tabela 3:

Tabela 3 – Distribuição dos matriculados brasileiros naturais de outras províncias

Província de origem Frequência %

Sergipe 22 40,0 Pernambuco 9 16,4 Alagoas 7 12,7 Ceará 5 9,1 Rio de Janeiro 5 9,1 Piauí 2 3,6 Santa Catarina 2 3,6 Maranhão 1 1,8 Minas Gerais 1 1,8

Rio Grande do Sul 1 1,8

Total 55 100,0

Se analisarmos a proporção de cores entre os imigrados de outras províncias, veremos que há uma diferença substancial em relação a proporção de cores no perfil geral dos matriculados, como pode ser observado na tabela 4:

195 Doze matriculados brasileiros não foram considerados por não declararem sua província de origem ou desconhecerem sua naturalidade.

Tabela 4 – Distribuição dos matriculados brasileiros naturais de outras províncias por cor

Cor Outras

províncias %

Total de

matriculados Porcentagem total

Branca 8 14,5% 50 5,7% Quase branca 3 5,5% 14 1,6% Acaboclada 5 9,1% 29 3,3% Mulata 1 1,8% 16 1,8% Crioula 1 1,8% 18 2,0% Cabra 8 14,5% 116 13,1% Parda 18 32,7% 269 30,4% Fula 5 9,1% 152 17,2% Preta 6 10,9% 220 24,9% Total 55 100% 884 100%

Na tabela 4, também podemos ver que a porcentagem de brancos, quase brancos e acaboclados é substancialmente maior no grupo de migrantes brasileiros do que no da população total. Em contrapartida, mulatos, crioulos, cabras e pardos têm proporções parecidas e pretos e fulas são mais representativos na população total do que na do grupo natural de outras províncias. Essas diferenças podem ser explicadas em grande medida pelas diferenças entre o perfil populacional da Bahia e os de outras províncias. Nesse sentido, com base nos dados do censo de 1890, fizemos uma análise do perfil populacional médio das províncias de origem desses 55 brasileiros que migraram para Salvador e comparamos com o perfil racial dos baianos:

Tabela 5-Distribuição da população recenseada em 1890 na Bahia e em outras províncias de origem dos trabalhos domésticos estudados segundo cor*

Cor Bahia Outras províncias** Brancos 25,6% 39,3% Caboclos 7,8% 9,0% Mestiços 46,2% 38,3% Pretos 20,3% 13,4%

* Ponderada pelo peso de cada província entre os matriculados que dela migraram. Ex: o perfil racial de Sergipe teve um peso de 0,4 no cálculo geral pois havia 22 pessoas das 55 que eram naturais de Sergipe.

** Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Ceará, Rio de Janeiro, Piauí, Santa Catarina, Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Sul

Ainda que a constatação de que a população baiana era composta por mais pessoas de cores preta ou mestiças do que o das outras províncias explique, em parte, o porquê dessas diferenças, ela não pode ser o único fator levado em consideração na análise, pois não estamos aqui analisando o conjunto de emigrados dessas províncias para a Bahia e sim um grupo específico de trabalhadores.

Vimos no primeiro capítulo que os debates sobre a regulamentação do trabalho doméstico que se alastraram por todo o Brasil estavam diretamente vinculados à criação de mecanismos de controle da população liberta. Ou seja, ainda que houvesse diferenças no perfil populacional das diferentes cidades, o trabalho doméstico era um mercado profissional formado em maior ou menor medida por ex-escravos ou filhos de ex- escravos.

Por isso, não é impossível supor que as cores mais claras, entre os naturais de fora da província, estivessem ligadas ao maior controle e suspeição em relação a população negra no país. Nesse aspecto entram as restrições impostas à população liberta, sobretudo em fins do século XIX; a maior liberdade de circulação e mobilidade que possuíam os brancos e a população de pele mais clara, que foi tema bastante discutido ao longo do trabalho; e o próprio medo de reescravização que ainda perpassava o imaginário de negros da classe trabalhadora.

Além disso, esse contexto de suspeição à população negra pode ter gerado uma maior dificuldade de inserção em novas localidades onde não tinham conhecidos para referendar sua conduta anterior. É possível que os mais claros tivessem maiores possibilidades de inserção social em novas localidades, o que estimularia esse fluxo migratório maior.

Ainda assim, isso não impediu que a população negra, inclusive muitos africanos, transitassem pelo Império ao longo do século XIX.196 Motivações comerciais, religiosas, familiares podem ter influenciado na decisão desses indivíduos em migrar para outras províncias. Mesmo dentro do universo do trabalho doméstico temos casos como os do brasileiro Benedicto Pedrozo dos Santos, criado de 26 anos, casado e de cor preta, natural do Rio de Janeiro ou de Maria Joaquina da Cruz Caetano, jovem de 20 anos de cor fula, que nasceu em Aracajú e foi trabalhar como cozinheira em Salvador.

No geral, os trabalhadores imigrantes de dentro e fora do Brasil eram minoria entre os domésticos registrados na Secretaria de Polícia. Não obstante, o fluxo migratório intraprovincial parece ter sido bastante intenso, como é possível notar na Tabela 6.

Entre os 485 baianos, 272 declararam ser naturais de outras cidades e a maior parte vinha do recôncavo ou de localidades próximas a Salvador. Os 213 soteropolitanos corresponderam a 25% dos baianos; todavia, 39,7% não especificaram a cidade de origem, sobretudo em 1893, o que permite supor que os naturais de Salvador sejam um grupo ainda maior.

196 Sobre o trânsito de africanos libertos entre Rio e Salvador ver: Gabriela dos Reis Sampaio, "Africanos em trânsito entre Salvador e Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX." in Evergton Sales Souza, Guida Marques e Hugo R. Silva (orgs.), Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica, Salvador: EDUFBA e Lisboa: CHAM, 2016, p. 313.

Tabela 6 - Distribuição dos matriculados segundo cidade de origem Cidade Frequência % Salvador 213 26,5 Santo Amaro 74 9,2 Cachoeira 41 5,1 São Francisco 17 2,1

Mata de São João 16 2,0

Nazareth 14 1,7

Itaparica 13 1,6

Feira de Santana 10 1,2

São Gonçalo dos Campos 9 1,1

Valença 9 1,1 Maragogipe 8 1,0 Alagoinhas 7 0,9 Jaguaripe 5 0,6 Sant'Anna de Catu 5 0,6 Abrantes 4 0,5 Juazeiro 4 0,5 Camamu 3 0,4 Outras* 33 4,1 Sem informação 319 39,7 Total 804 100,0

* Inclui Conde, Curralinho, Inhambupe, Monte Santo, Porto Seguro, Santarém e uma ocorrência em Água Fria, Água Quente, Barra, Bom Conselho, Camisão, Carinhanha, Cayrú, Chapada Velha, Gentio do Assuruá, Ilhéus, Lençóis, Macaúbas, Madre de Deus, Maraluí, Monte Alto, Nova da Rainha, Pojuca, Rio de Contas, Rio Real de Itapicuru, Serrinha, Tapero, com duas ocorrências cada.

Em termos de diferenças raciais entre os naturais de Salvador e de outras cidades da Bahia, na Tabela 7, vemos que o número de brancos, quase brancos, acaboclados, cabras e pardos é maior em outras cidades, enquanto fulas e pretos são mais expressivos em Salvador. Se analisarmos o censo de 1890, veremos que se compararmos Salvador com os resultados gerais da província, o número de pretos e brancos é maior em Salvador, enquanto o número de caboclos e mestiços é maior na porcentagem geral. No entanto, no caso do trabalho doméstico, a população migrante era consideravelmente mais branca, reforçando a tese de que o grosso da população migrante eram pessoas de pele mais clara, possivelmente pelos motivos trabalhados ao longo desse tópico.

Tabela 7- Distribuição dos matriculados naturais de Salvador e outras cidades da Bahia segundo cor

Cor Salvador Outras cidades

No % No %

Branca 4 1,9 13 4,8

Quase branca 3 1,4 7 2,6

Cabocla, acaboclada ou morena 8 3,8 13 4,8

Cabra 32 15,4 47 17,4

Parda 60 28,8 95 35,2

Fula 37 17,8 44 16,3

Preta 64 30,8 48 17,8

Total 208 100,0 267 100,0

A decisão por partir de uma localidade de origem não devia ser uma coisa simples. Se em parte o desejo por migrar pode estar ligado a situações de pobreza e vulnerabilidade na localidade de origem, deve ter sido a possibilidade de melhores condições de vida que levou essas pessoas a se movimentarem. O conceito de melhores condições pode ter variado a partir de trajetórias particulares: o reencontro de familiares, busca por melhores oportunidades de trabalho ou condições menos precárias de vida e saúde podem ser alguns

dos motivos que os levaram a sair de suas localidades de origem e cruzarem seus caminhos com o trabalho doméstico na capital.

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