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Calabre (2009) conta que, entre 1960 e 1964, pouco antes do Golpe Militar, houve tentativas de ações para a estruturação de políticas de cultura. A década de 1960 busca condições favoráveis à produção cinematográfica, mas sofre oposição dos distribuidores e exibidores estrangeiros.

Em 1961, o Decreto nº 50.293, de 23 de fevereiro, promulga o Conselho Nacional de Cultura, diretamente subordinado à Presidência da República. O novo CNC não menciona o CNC criado na década de 1930, mas a desvinculação do Ministério da Educação e Cultura (MEC) já demonstrava a vontade do presidente Jânio Quadros de ter maior controle das políticas públicas de cultura. A redação do já citado Decreto nº 50.293 designava membro do Conselho Nacional de Cinema obrigatoriamente advindo do Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, Geicine, criado no mesmo ano.

O GEICINE (era) dotado de poder executivo, autonomia e poder decisório. Entre os membros natos do grupo estavam o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Educação e Cultural, o Ministério da Justiça e o Banco nacional do Desenvolvimento, BNDE, (...) ou seja, as questões da indústria cinematográfica passaram a envolver diversas instâncias do poder público. (...) era um órgão com previsão de dotação orçamentária, o que não resolveu os problemas financeiros do setor (CALABRE, 2009, p. 64).

De acordo com Lustosa (2011), os nomes que compuseram a Comissão40 de Cinema

eram: Flávio Tambellini (presidente e diretor do Ince a partir de 1966), Antonio Moniz Viana, Rubem Biáfora (do grupo de Paulo Emilio), Francisco Luiz de Almeida Salles (diretor da Cinemateca Brasileira) e Lola Brah. Para a autora, não há como afirmar que o CNC teve políticas claras, com exceção da Caravana Cultural, ou repasse de aportes orçamentários e, por isso, não deixou um grande legado para o seu futuro substituto, o Conselho Federal de Cultura.

O CNC não funcionou após a renúncia de Jânio e, em 1962, novo Decreto tira o órgão da Presidência da República e o coloca sob o MEC: o Decreto nº 771, de 23 de março de 1962, manteve a maioria das atribuições e comissões, como órgãos de assessoramento, mas sem a obrigatoriedade de serem consultados para deliberar sobre questões.

40 Os demais membros por comissão são: 1. Comissão Nacional de Literatura: Alceu do Amoroso de Lima, Jorge

Amado, Carlos Drummond de Andrade, Belarmino Austregésilo de Athayde (presidente), Antônio Candido de Melo e Souza e Mário Pedrosa; 2. Comissão Nacional de Artes Plásticas: Francisco Matarazzo Sobrinho (presidente), Augusto Rodrigues, Geraldo Benedito Gonçalves Ferraz, Lívio Abramo e Oscar Niemeyer; 4. Comissão Nacional de Teatro: Clóvis Garcia (presidente), Alfredo Mesquita, Cacilda Becker, Nelson Rodrigues e Décio de Almeida Prado; 5. Comissão Nacional de Música e Dança: José Cândido de Andrade Muricy (presidente), Otto Maria Carpeaux, Eleazar de Carvalho, Heitor Alimonda e Edino Krieger; 6. Comissão Nacional de Filosofia e Ciências Sociais: Djacir Menezes, Sérgio Buarque de Hollanda, Dom Clemente Isnard, Euríalo Canabrava e Gilberto Freyre. (LUSTOSA, 2011)

Eram membros natos das comissões de teatro, cinema e artes plásticas, os diretores do Serviço Nacional do Teatro, do INCE e do Museu Nacional de Belas Artes, respectivamente. Ao secretário geral cabia a tarefa de organizar um Plano Nacional de Cultura para cada exercício (CALABRE, 2009, p. 62).

As diretrizes implementadas pelo Governo Militar em meados de 1960 têm um forte apelo ao nordeste como personificador do Brasil Verdadeiro. Agentes como Aloísio Magalhães e Gilberto Freyre constroem um cenário para o Brasil Gigante desejado pelos militares (LAVINAS, 2014).

O Governo Militar arquivou iniciativas legislativas, conforme já vimos, e enterrou iniciativas políticas como as que aconteciam na prefeitura de São Paulo, com o Departamento de Cultura. Com o golpe, as poucas instâncias governamentais ainda abertas para diálogo se fecharam (SOUZA, 2009).

O golpe militar de 1964 movimenta mais uma vez toda a estrutura federal de agentes e agências, visando à integração nacional e ao controle dos meios de comunicação e de produção de bens. Os militares investem pesadamente na infraestrutura necessária, com a Telebrás e a Embratel (LUSTOSA, 2011).

Em 1966, a Política Nacional de Cultura (PNC) do Governo Federal acabara de ser redigida pelo também recém-criado Conselho Federal de Cultural (CFC),41 e é possível que

tenha havido um esforço dos militares para se articular com todos os setores da cultura, na esperança de legitimar a nova proposta. Lavinas (2014) comenta que a proposta da Política Nacional de Cultura possuía três objetivos a serem cumpridos pelas políticas culturais, todos a ver com patrimônio: preservar o patrimônio cultural brasileiro; incentivar a criatividade do brasileiro, de forma a aproveitar todo o potencial inventivo da cultura; e difundir as criações e as manifestações culturais. A preservação audiovisual se encaixaria muito bem na plataforma governamental, restava eleger um protagonista do setor para ser o porta-voz não só da Fundação Cinemateca, mas também de todas as outras instituições espalhadas pelo país.

O CFC42 só inicia seus trabalhos a partir de 1967, em substituição ao CNC. Apesar de

possuir quatro câmaras (Artes, Letras, Ciências Humanas e Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e estar regulamentado, o CFC não teve muito poder de ação porque houve uma reformulação da legislação federal sobre o limite das atribuições dos conselhos de Estado. No entanto, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes e o Arquivo Nacional foram

41 Decreto nº 771, de 23 de março de 1962. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decmin/1960-

1969/decretodoconselhodeministros-771-23-marco-1962-353623-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 28 maio 2019.

42 Decreto-lei nº 74, de 21 de novembro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

elencados como prioridades tanto na recuperação quanto nas suas posições de órgãos centralizadores das políticas dos setores respectivos. O decreto também criava uma câmara especial de patrimônio, que incluía, além do edificado, os acervos documentais e bibliográficos.

Em 18 de novembro 1966, o Decreto-lei nº 43 cria o Instituto Nacional de Cinema (INC), que absorve o Ince e o Geince: “Art. 31. São incorporados ao INC o Instituto Nacional de Cinema Educativo, do Ministério da Educação e Cultura e o Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica, do Ministério da Indústria e do Comércio.”

Além de poucos recursos, havia muitas regulamentações, a maioria sem efetividade, o que dificultava a execução de todas as atribuições do órgão.

Mesmo assim, o modelo burocrático foi utilizado para a criação da Embrafilme em 1969. O Decreto-lei nº 862, de 12 de setembro de 1969, traz a instituição com personalidade jurídica de direito privado, vinculada ao Ministério da Educação Cultura e com a função de distribuir, promover e realizar mostras de filmes, sempre em diálogo com o INC.

Desse período, podemos inferir que existiam normativas para o campo do cinema, em particular para o cinema educativo e para o cinema de entretenimento, com vistas ao controle e à propagação, em um binômio educação/propaganda. Existiam também normativas para o patrimônio, especificamente o histórico e o artístico com valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico e artístico. O que não havia era uma normativa que fizesse a intersecção desses dois campos, que seria uma normativa considerando o audiovisual como patrimônio artístico nacional e, por isso, digno de preservação. Isso porque, naquele período, conforme já vimos, além de as políticas públicas não serem articuladas, o entendimento do cinema era voltado tão somente para a sua produção e distribuição, e o conteúdo da legislação era de caráter muito mais coercitivo que regulamentador. O próprio campo do cinema não entendia a sua preservação como uma questão política.

Além disso, é possível afirmar que não havia uma articulação governamental com suas entidades de maneira transversal, visto que a relevância dada ao cinema como ferramenta educativa e de entretenimento não o incluiu como forma de arte ou manifestação cultural a ponto de ser qualificado como patrimônio artístico sob tutela do Sphan. Ademais, em nenhuma das normativas que incluem o cinema como ferramenta educativa e de entretenimento cita-se a necessidade da preservação desse material, mesmo considerando as filmotecas do Ince e do DNI, que posteriormente foram absorvidas pelo INC, mas que, aparentemente, não tiveram um diálogo com o Sphan.

Ao final de década de 1960, pode-se dizer que as políticas públicas culturais existiam tanto nas normativas quanto nas representações do Governo Federal, mas a preservação de

acervos audiovisuais não é contemplada por nenhum campo da cultura.