1 Introdução 19
5.3 Minando a resistência: fotoprodutos induzem apoptose em células de glioma
Os resultados obtidos com TMZ imediatamente levantam a hipótese de que o tratamento com este agente seleciona células mutadas em p53, o que pode levar ao aparecimento de tumores recorrentes, que seriam então irresponsivos ao mesmo tratamento. O próximo passo do projeto era tentar induzir apoptose em células de glioma mutadas em p53. Se após tratamento com TMZ, p53 sensibilizava as células devido a sua função pró‐apoptótica, a estratégia agora era o de tentar sensibilizar células mutadas em p53, buscando lesões cujo reparo fosse mais eficaz na presença de p53 funcional. Conforme descrito na Introdução, a via de reparo NER é influenciada por p53, pois este controla não só a expressão de XPC e DDB2, proteínas pertencentes à via GGR do NER (FORD, 2005), mas também facilita o acesso das enzimas de reconhecimento do dano ao sítio da lesão, através do relaxamento da cromatina (ALLISON et al., 2004).
Os resultados mostram que a geração de fotoprodutos por luz UV funciona como um forte indutor de apoptose em células de glioma mutadas em p53. A maior sensibilidade que células com p53 comprometido apresentam à indução de apoptose por luz UV foi confirmada por diferentes métodos. Primeiramente foram realizados experimentos em diferentes pares de células de glioma (mutados ou não em p53). Foram também realizados experimentos com células selvagens expressando uma seqüência de siRNA para p53, que apresentaram uma sensibilidade maior do que células p53wt, mas menor do que células mutadas em p53. Outra estratégia foi a inibição farmacológica de p53, que também acarretou em aumento da sensibilidade de células p53wt à indução de apoptose por luz UV. Já a estratégia inversa, a transfecção de p53 selvagem em células mutadas neste gene não surtiu efeito, ou seja, não aumentou a resistência frente à luz UV. Isto se deve provavelmente ao fato de p53 agir como um tetrâmero, e mesmo com moléculas funcionais dessa proteína, ainda existe a chance de moléculas mutadas interferirem na ligação ao DNA (vale lembrar que a linhagem utilizada U138MG não é deletada em p53, somente mutada, apresentando alta expressão desta proteína que é seqüestrada no citoplasma). O perfil apoptótico também foi confirmado de diferentes maneiras, como análise de fragmentação de
DNA por citometria, teste TUNEL e ativação de caspases. Os resultados indicam que o tipo de morte celular observada é de fato apoptose.
A seguir foi verificado se a sensibilidade que células de glioma apresentam à luz UV é decorrente de uma menor eficiência da via NER. Experimentos de análise protéica mostram que existe uma rápida estabilização de p53 após irradiação UV, seguida de uma rápida degradação dessa proteína, o que indica a participação desta proteína em um evento imediato da resposta ao dano, como por exemplo, o reparo de DNA. Experimentos de “dot‐blot” utilizando anticorpo específico para CPDs confirmaram esta hipótese, já que em células onde p53 se encontra mutado ou mesmo inibido por siRNA, existe uma menor eficiência na remoção dessas lesões, que permanecem na dupla‐hélice mesmo após 24 h da irradiação. Já em células selvagens para p53, após 8 h da irradiação já se observa uma significativa redução na quantidade de lesões e 24 h após essas lesões já foram completamente removidas. Como CPDs são as principais lesões geradas por luz UV (MITCHELL, 1988) e p53 não influencia o reparo de lesões do tipo 6‐4 PPs (EL‐MAHDY et al., 2000), pode‐se concluir que a baixa eficiência na remoção de CPDs após irradiação UV é o principal motivo levando à sinalização para apoptose em células de glioma mutadas em p53. Apesar de células mutadas em p53 não apresentarem aumento na expressão dos genes de NER XPC e DDB2 após irradiação UV, os resultados aqui mostrados não permitem concluir que este é o motivo por trás da menor eficiência na remoção de lesões do tipo CPD nestas células. Isso não só por já ter sido demonstrado que baixas concentrações das enzimas de NER são suficientes para remoção de lesões (MUOTRI et al., 2002), mas também por haver evidências de que a diminuição na eficiência da remoção de CPDs em células mutadas em p53 está também relacionada à inibição da acetilação de histonas após luz UV, o que prejudica o acesso das proteínas de reparo aos sítios de lesão, visto que nessas condições não ocorre o relaxamento da cromatina após irradiação (RUBBI et al., 2003). Como p53 atua principalmente em GGR (COSTA et al., 2003), pode‐se concluir que a sensibilidade destas células frente à luz UV deve‐se à presença de lesões na fita não transcrita do DNA. Essa hipótese é corroborada pela alta inibição de síntese de DNA em células mutadas em p53 após irradiação UV. Enquanto que em células selvagens para este gene verifica‐se uma recuperação da síntese de DNA a partir de 6 h após a irradiação (aproximadamente o mesmo período que se observa a remoção de
CPDs pelos experimentos de “dot‐blot”), células mutadas são incapazes de recuperar a síntese de DNA mesmo 24 h após a irradiação. Além disso, quando mantidas em condições de baixa proliferação celular (depleção de soro fetal bovino do meio de cultura), estas células apresentam uma proteção à indução de apoptose por luz UV. Este resultado, que corrobora nosso trabalho anterior (BATISTA et al., 2006), aponta para um papel de lesões presentes na fita não‐transcrita do DNA como importantes sinais indutores de apoptose por luz UV.
No entanto, os resultados de síntese de RNA após irradiação UV vão contra a hipótese de que seria uma deficiência em GGR, e não em TCR, a responsável pela sinalização para apoptose em células mutadas em p53. Isso porque essas células não apresentam recuperação na síntese de RNA após UV, o que seria esperado se TCR estivesse funcionando normalmente. Os resultados apresentados aqui não permitem concluir os motivos responsáveis por essa “contradição”. No entanto é tentador especular que p53 poderia também de alguma forma regular o reparo de CPDs na via TCR, o que na verdade foi recentemente proposto em células humanas irradiadas com luz UV (DREGOESC et al., 2007). Apesar de resistentes à indução de apoptose por TMZ, células mutadas em p53 também induziam esta resposta após tratamento. Cabe ressaltar que o faziam pela via mitocondrial de apoptose. Imaginamos, portanto, que para um agente genotóxico ser capaz de induzir altos níveis de apoptose nestas células, teria de ser capaz de ativar essa via mais eficientemente. Esse foi o caso com a luz UV. Além da inibição da via extrínseca (tanto por inibição farmacológica quanto por uso de células DN‐FADD) não ter acarretado em nenhuma diferença na sensibilidade destas células, diversas características específicas da via mitocondrial foram observadas após irradiação UV. Entre elas a degradação da proteína anti‐apoptótica Bcl‐2 e o aumento na expressão das proteínas pró‐apoptóticas Bax e Bak. Como a concentração destas proteínas no citoplasma é que determina a execução de apoptose pela via mitocondrial (SPIERINGS et al., 2005), pode‐se concluir que é por esta via que células de glioma mutadas em p53 executam o processo de morte celular. Curiosamente, células selvagens para p53 também apresentaram degradação de Bcl‐2, porém esta degradação não foi acompanhada de um aumento na expressão de proteínas pró‐apoptóticas. Esta degradação pode ter sido ativada pela presença de fotoprodutos no genoma celular,
mas como estes foram rapidamente removidos, não houve a indução de Bax e Bak, impedindo desta maneira a permeabilização da membrana externa da mitocôndria. Na Figura 53 está esquematizado um modelo com as principais observações descritas nesta tese sobre aindução de apoptose por luz UV em células de glioma.
Apesar da luz UV não ser uma alternativa viável para o tratamento de gliomas em pacientes humanos, o conhecimento que um diferente tipo de lesão pode sensibilizar células irresponsivas a tratamentos clássicos como a TMZ poderia ter implicações para o tratamento de GBM. Para avaliar esta hipótese, foi utilizado um “UV‐mimético”, ou seja, um agente genotóxico capaz de induzir lesões semelhantes à luz UV, reparadas pela via NER. Um destes agentes é a cisplatina, que assim como luz UV, gera lesões intra‐fita no DNA que são alvo de reparo pela via NER (JAMIESON et al., 1999). No entanto, o tratamento com cisplatina mostrou‐se mais tóxico em células selvagens para p53 do em células mutadas neste gene (ao contrário da luz UV). Uma possível explicação para isso é o fato da cisplatina ser capaz de ativar quinases de estresse, como por exemplo a JNK, independente da geração de danos ao DNA (FRITZ et al., 2006). Curiosamente, outro grupo, trabalhando com a mesma linhagem, U87MG (p53wt), mostrou que a inibição farmacológica de p53 por transfecção de oligonucleotídeos “antisense” aumentava a sensibilidade dessas células ao tratamento com cisplatina (DATTA et al., 2004). Isso implica na constatação que o efeito de cisplatina em células de glioma permanece fundamentalmente desconhecido, e novos experimentos devem ser realizados para esclarecer esta questão.
Figura 53: Modelo de indução de apoptose por irradiação UV em células de glioma. O modelo, construído principalmente a partir de dados gerados nesta tese, está descrito em detalhes na Discussão.
5.4 Células de glioma mutadas em p53 apresentam elevada