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CAPÍTULO 1 O PROJETO MINEIRO DE MODERNIZAÇÃO SOB A LÓGICA DO

1.1. Minas rumo ao projeto de diversificação econômica

A FIEMG tem suas raízes fincadas no processo de modernização conservadora ocorrido em Minas Gerais, por meio da diversificação econômica de sua estrutura produtiva, por seu turno, fundamentada num projeto desenvolvimentista nacional. Conseqüentemente, torna-se imprescindível que as análises aqui discutidas tenham como marco inicial o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas Gerais, realizado em Belo Horizonte, de 13 a 19 de maio de 1903. Foi neste evento, que a camada empresarial industrial começara a adquirir destaque dentre as demais frações pertencentes às classes produtoras mineiras.

Figura 3:Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, de 1903 Fonte: http://www2.fiemg.com.br/exposicao%5Findustria/painel-19.htm

O Primeiro Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais, foi um dos mais significantes momentos da História Mineira para suas três camadas dirigentes que juntas, constituíam a classe produtora do estado: a agricultura, o comércio e a indústria. Pois foi neste evento que, pela primeira vez, os membros mais expressivos da política e da economia se reuniram em torno de um só objetivo: o desenvolvimento econômico de Minas Gerais e a diversificação de sua estrutura produtiva. E o fruto desses esforços se congregou num rigoroso diagnóstico da realidade regional e nacional (PEREIRA, 2001, p. 22). Por isso, não há como negligenciar como ponto de partida deste estudo de cunho historiográfico sobre Minas, a importância deste encontro.

Foi por meio das resoluções dos congressos e conferências realizados pelas classes produtoras, que tanto a FIEMG quanto as demais entidades empresariais mineiras acompanhariam a partir de então, a definição do papel a ser desempenhado pelo estado e pelo capital estrangeiro no processo de industrialização, além de configurar sua própria atuação. Tanto que, os principais mecanismos de pressão dos empresários foram os eventos designados de “Congressos das Classes Produtoras.” (DELGADO, 1997, p. 82). Além disso, o ensino industrial era um tema recorrente abordado em tais eventos, que por sua vez revela a preocupação do empresariado na elaboração de projetos educacionais voltados para a capacitação da força de trabalho necessária para o projeto de modernização do estado (DELGADO, 1997, p. 57).

Neste evento, o projeto de “recuperação” e dinamização da economia mineira foi esboçado pelo estado e pelas elites, ou seja, pelo Estado em conjunto as classes produtoras de Minas Gerais. E, como a própria denominação do congresso sugere, tal projeto nasceu do cerne da aliança composta pelo Estado e as diferentes classes produtoras mineiras. Segundo Silva (2007, p. 21), a realização deste evento se justifica por uma antiga evidência: discutir a transformação sofrida pelo processo de trabalho mediante a transição do regime de trabalho escravo, para o regime de trabalho livre – o que por sua vez, veio constituir o “problema da mão-de-obra” enquanto um dos principais obstáculos para a efetivação do projeto de desenvolvimento econômico em Minas Gerais. Além disso, o encontro foi decorrência da crise que abalava a economia mineira e nacional, principalmente em relação à produção cafeeira e à notável situação de atraso econômico, na qual se encontrava o estado (PEREIRA, 2001, p. 22).

Visando acima de tudo, o desenvolvimento da economia estadual, contemplando as diferentes frações que constituíam as classes produtoras mineiras, o Congresso de 1903 foi organizado e realizado em nome do progresso e da “união na diversidade”. Por trás dessa

organização, estava o principal mentor do evento: João Pinheiro5 – político, industrial e articulador político, além de Governador de estado mineiro entre os anos 1906 e 1908 (SILVA, 2007, p. 19).

A finalidade última do evento era efetivar o Projeto de “restauração econômica” fundamentado na diversificação do sistema produtivo mineiro (explorando seu mercado interno), no intuito de superar a idéia de “atraso econômico” inerente ao desenvolvimento estadual (em relação aos avanços vivenciados em São Paulo e Rio de Janeiro) e a notável desarticulação e dispersão presentes na geografia e na economia em Minas. O que para Silva (2007, p. 25) evidenciava uma imagem de estagnação, associada à idéia de atraso.

Todos estes esforços se justificavam pelo fato de que Minas Gerais era considerada uma unidade essencialmente política e não econômica: nas diversas regiões do estado mineiro estavam dispersas áreas econômicas isoladas, que se relacionavam com mercados de outros estados e sem contar com uma articulação por meio de um pólo econômico.

É fundamental o fato de Minas não ser uma região, mas um mosaico de sete zonas diferentes ou sub-regiões.6 [...] Por outro lado, cada zona desenvolveu- se numa linha diferente de tempo, dando ao estado uma longa história de crescimentos desarticulados e descontínuos. Em suma, sete zonas em que se costumam dividir o estado apresentam histórias particulares e problemas especiais que desafiam as soluções comuns. (WIRTH, 1982, p. 41).

Neste contexto, a emergência da indústria em Minas Gerais, onde vigorava uma economia essencialmente agrária e dispersas regiões econômicas, ocorreu

[...] de forma marcadamente descentralizada, num espaço econômico desarticulado em que eram baixos os índices de urbanização. [...] Além disto, na indústria mineira prevaleciam os pequenos e médios estabelecimentos, fundamentalmente por conta do peso da indústria de alimentos na estrutura industrial do estado. (DELGADO, 1997, p. 50).

Somente com o posterior desenvolvimento da indústria do ramo siderúrgico, é que a atividade industrial viria se concentrar na região central do estado, de modo a fundamentar o projeto de consolidação de um pólo que pudesse articular as diversas regiões industriais dispersas no território mineiro (DELGADO, 1997, p. 50).

5 João Pinheiro foi figura de destaque enquanto estimulador do desenvolvimento da economia mineira até 1930,

tendo como foco principal de suas ações a expansão e consolidação do ensino agrícola no Estado. Maiores informações, vide pasta 29 do Inventário Analítico do Arquivo Privado de João Pinheiro da Silva, disponível para consulta no Arquivo Público Mineiro.

Foi assim que, mediante esta situação econômica, foram apresentadas pela Comissão do evento 12 teses, que por sua vez, foram distribuídas para os participantes, para que os mesmos pudessem analisá-las. No espaço do congresso se faziam presentes aqueles que representavam municípios e setores econômicos do estado. E na hierarquia de suas preocupações, a lavoura do café vinha em primeiro lugar e a indústria, o que mais interessa neste contexto, ocupava a quarta posição nas referidas teses:

Esses 12 temas ou teses desdobraram-se em 119 recomendações, que se constituíram no delineamento de toda uma política econômica a ser posta em prática pelos Governos mineiros que sucederam o de Francisco Salles, de modo muito especial de João Pinheiro, que ocupou a presidência do Estado entre 1906 e 1908. (PEREIRA, 2001, p. 23).

Como se pode perceber, essas 119 recomendações expressavam as tendências do estado naquele contexto, enquanto fruto dos esforços das classes produtoras em parceria com a elite intelectual do período. Embora o destaque principal estivesse centralizado no setor agrícola, a camada industrial e a comercial aproveitaram a oportunidade de, pela primeira vez, se fazerem ouvir e até mesmo participar das decisões políticas e econômicas do estado (PEREIRA, 2001, p. 23).

Um dos propósitos do congresso, presente em tais recomendações, era inserir o trabalhador dos diversos ramos produtivos, nas novas relações capitalistas ou via repressão ou via ensino profissionalizante – o que demonstra a preocupação com a educação desde os primórdios do processo.

Uma das conseqüências deste encontro, se materializou no desencadeamento do processo de organização dos representantes dos diversos setores da economia mineira em entidades de classe, de modo que as mesmas adquirissem autonomia e identidade civil. E este desdobramento contava com o respaldo e patrocínio do Estado, que tinha como responsabilidade o estímulo e até mesmo o favorecimento desta tendência, pois com isso, tinha-se o intuito de apressar o desenvolvimento da economia mineira (PEREIRA, 2001, p. 23).

Deste fato, é possível depreender que, 30 anos mais tarde, se consolidava enquanto desdobramento do Congresso de 1903, a fundação da FIEMG (Federação das Indústrias do estado de Minas Gerais). O espaço cronológico de três décadas, que configura a lacuna entre o congresso e a organização da classe industrial mineira, pode ser justificado pelo próprio atraso econômico no qual o estado de Minas Gerais se encontrava, pela sua característica essencialmente agrícola e pelos interesses que estavam em primeiro plano no contexto do

evento. Até porque, era preciso esperar o desenrolar do complexo movimento da história, que no período do congresso, ainda era emergente o processo de urbanização e a respectiva florescência de vários estabelecimentos industriais.

O que caracterizava o projeto mineiro de modernização concebido pelo estado e pelas classes produtoras? Ele expressou a projeção do desenvolvimento da economia estadual, de modo que ela se adequasse à diversificação do sistema produtivo mineiro, de modo a privilegiar todos os setores econômicos que dele faziam parte:

Não se deve perder de vista que o roteiro seguido pelas classes dirigentes movidas pelo ideário do “desenvolvimentismo” partia sempre do mesmo ponto: da crise à idéia de superação do atraso econômico estadual. E o Congresso de 1903 não fugiu a esse script oficial do Governo mineiro. Foi justamente diante dos efeitos da crise cafeeira iniciada em 1896 que o Estado em busca da “restauração econômica” convocou os representantes dos diversos setores produtivos de Minas ao primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, em maio de 1903, na capital Belo Horizonte - MG. (SILVA, 2007, p. 27).

No contexto no qual foi realizado o Congresso, a gestão de Minas estava sob a responsabilidade de Francisco Sales, que em 1985, quando ainda era Secretário das Finanças do estado, revelara sua preocupação de que a vida financeira do estado podia mergulhar numa grave crise, caso permanecesse na dependência à comercialização do café (SILVA, 2007, p. 28). Por conseguinte, numa perspectiva futurista, justamente em sua gestão, foi proposta a realização do congresso, que congregava as três principais dimensões da estrutura produtiva mineira. Afinal, Minas não podia ficar estagnada no atraso econômico, sob a permanente dependência da agricultura.

Conseqüentemente, partiu-se do pressuposto de estímulo ao desenvolvimento e modernização das atividades ligadas à agricultura, à indústria e ao comércio, no intuito de alavancar a economia mineira. Abriu-se a partir de então, as portas para o projeto de industrialização em Minas, que agora incluíra nas suas decisões econômicas e políticas, a participação do seu empresariado industrial. As transformações históricas não acontecem de um dia para o outro, ou seja, somente em 1933, foi que a camada empresarial começou a se organizar oficialmente. Afinal, por mais que a decisão fosse agregar as classes produtoras do estado, visando a diversificação, continuava à frente do processo, o fomento pela modernização da agricultura voltada para a produção cafeeira. Além disso, a fundação da FIEMG neste período estava na contramão do que estava posto: sua emergência se deu num período no qual Minas Gerais era um estado essencialmente agrário, sob um discurso que não

tinha sustentação concreta, mas apenas a perspectiva futurista calcada no industrialismo. Tanto que suas estratégias educacionais, somente iriam emergir em meados da década de 1940, em que as indústrias passariam a investir na formação profissional de seus trabalhadores.

De acordo com Mello (1984, p. 98), não há qualquer sombra de dúvida que o que engendrou os pré-requisitos necessários para a emergência do capital industrial e para a grande indústria foi a economia cafeeira fundamentada em relações capitalistas de produção e em seu segmento urbano. O processo de industrialização tinha como pressuposto para a sua consolidação, a existência de um certo estágio de desenvolvimento capitalista e de divisão social do trabalho (numa economia mercantil).

A economia cafeeira capitalista cria, portanto, as condições básicas ao nascimento do capital industrial e da grande indústria ao: 1) gerar, previamente, uma massa de capital monetário, concentrada nas mãos de determinada classe social, passível de se transformar em capital produtivo industrial; 2) transformar a própria força de trabalho em mercadoria e, finalmente, 3) promover a criação de um mercado interno de proporções consideráveis. (MELLO, 1984, p. 99).

Mediante este contexto, o capital industrial se beneficiou de alguns fatores vinculados ao complexo cafeeiro: atração de capitais da economia cafeeira em virtude do auge exportador que a mesma vivenciava (entre 1890 e 1894); propícias condições de financiamento por parte da política econômica do Estado; queda da taxa de salários (baixa relação entre capital e trabalho e alta rentabilidade); isenções tarifárias para a importação de máquinas e equipamentos, etc.. Os desdobramentos dessa situação implicaram na conversão dos capitais cafeeiros excedentes em capital industrial:

Em suma, o complexo exportador cafeeiro, ao acumular, gerou o capital- dinheiro que se transformou em capital industrial e criou as condições necessárias a essa transformação: uma oferta abundante no mercado de trabalho e uma capacidade para importar alimentos, meios de produção e bens de consumo e capitais, o que só foi possível porque se estava atravessando um auge exportador. (MELLO, 1984, p. 101).

Em função disso, Mello (1984, p. 143) depreendeu que a matriz social da burguesia industrial não teria podido deixar de ser a burguesia cafeeira, pois esta foi a única classe que tinha a capacidade de acumulação necessária para impulsionar a grande indústria. E, enquanto isso, no que se refere aos projetos do capital industrial, bastava que tivessem assegurada uma

rentabilidade positiva, de modo a garantir que seus lucros fossem globalmente reproduzidos e transformados em decisões de investimento (MELLO, 1984, p. 144).

Dessa realidade, consolida-se gradativamente no Brasil uma indústria produtora de bens de consumo assalariado e não uma indústria de bens de produção. Tal fato se justifica na contraditória articulação entre o capital cafeeiro e o capital industrial – ora o primeiro estimula o segundo e ora o bloqueia (MELLO, 1984, p. 103). Além disso, o capital industrial dependia duplamente do capital cafeeiro para que pudesse se expandir: 1) sua reprodução e ampliação estava circunscrita à capacidade de exportação da economia cafeeira; 2) sua geração de mercados estava subordinada aos mercados externos criados pelo complexo exportador cafeeiro (MELLO, 1984, p.104). Ou seja, a economia industrial dependia da acumulação cafeeira e subordinada à dominância mercantil do capital cafeeiro.

Em suma, o próprio complexo exportador cafeeiro engendrou o capital- dinheiro disponível para transformação em capital industrial e criou as condições a ela necessárias: parcela de força de trabalho disponível ao capital industrial e uma capacidade para importar capaz de garantir a compra de meios de produção e de alimentos e bens manufaturados de consumo, indispensáveis à reprodução da força de trabalho industrial. (MELLO, 1984, p. 147).

Por isso, se fez presente a necessidade de estar em constante busca do nexo entre a dinâmica regional e a dinâmica nacional, que articuladas contextualizam os limites e possibilidades das elites econômicas mineiras. Até porque, desde 1930, a firmação do discurso emergente que sustentava a industrialização enquanto caminho apropriado para a superação das crises e dos atrasos econômicos tendia a atribuir papéis definidos para o estado, para o capital estrangeiro e para a agricultura mediante o processo de construção da Nação sob a liderança da indústria (DELGADO, 1997, p. 76). Por conseguinte, os pronunciamentos deste discurso eram levados a diante pelas entidades empresarias, como a FIEMG, sem se romper com a estrutura agrária e sob a reorientação do Estado.

Mas com a crise da superacumulação, o ciclo cafeeiro sofreu um declínio e embora por pouco tempo, o capital industrial e sua taxa de rentabilidade relativa, subiu e ajudou a manter a taxa de acumulação da economia. Mas quando a crise definitivamente se alocou na economia brasileira, ambos os capitais foram por ela arrastados. O capital industrial foi beneficiado com a quebra da capacidade de importação, pois foi a partir daí que ele começara paulatinamente a se recuperar por meio da gradual utilização da capacidade ociosa, de modo a

iniciar um novo ciclo de expansão, no momento no qual os preços externos e internos voltavam a subir (MELLO, 1984, p. 107 e 108).

Tal configuração pode justificar tanto a fundação quanto a fragilidade inicial característica dos primórdios da FIEMG. Por um lado, a mesma foi criada em virtude da constante busca de afirmação e autonomia por parte do capital industrial neste complexo e contraditório período de transição. Por outro lado, no início de sua fundação apresentava certa fragilidade em sua ainda tímida atuação, em virtude da sobreposição dominância mercantil da economia cafeeira sobre a economia industrial.