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33 A miosina exerce múltiplas funções, designadamente: formação de filamentos, actividade

catalítica (ATPase) e apetência para se combinar com a actina (18). Por cada vez que um filamento de miosina se une a outro de actina é formado um complexo de actomiosina (actina- miosina). Esta união potencia, em cerca de 100 a 200 vezes, a actividade catalítica da miosina, localizada na extremidade flexível (S1) de um dos seus componentes estruturais, a meromiosina pesada (19). Na presença de ATP, a actomiosina dissocia-se nos componentes originais e produtos da hidrólise daquele nucleótido (ADP e Pi) dando reinício a nova união e formação de actomiosina (20); caso contrário, se não houver ATP disponível no meio celular, a actomiosina não se dissocia, originando a rigidez muscular característica do rigor mortis .

CICLO DE CONTRACÇÃO E RELAXAMENTO MUSCULARES

Durante a contracção muscular são identificáveis vários estados do ATP e ADP (21) e de interacção dos filamentos de miosina e actina (15), enquanto a interdigitação destes filamentos proteicos progride em ciclos sucessivos de aproximação dos filamentos de actina do centro dos sarcómeros (15, 22).

No decurso do ciclo de contracção e relaxamento muscular são identificáveis quatro principais etapas, nas quais o ATP e o catião Ca 2+ são essenciais (Fig.6):

1ª Etapa- Relaxamento muscular, após a hidrólise do ATP pela ATPase da miosina, de que resulta a formação de um complexo de alta energia, constituído pela miosina, ADP e Pi. Os centros de união para a miosina que existem nos filamentos de actina estão revestidos por complexos de troponina C- filamentos de tropomiosina que impedem a formação de pontes cruzadas.

2ª Etapa - Início da contracção muscular, potencial, após a estimulação nervosa do músculo. Nesta fase, o efluxo do Ca2+ do retículo para o sarcoplasma fixa-se à troponina C (até quatro catiões por molécula), induzindo a deslocação dos complexos troponina C- filamentos de tropomiosina (que cobriam, em repouso, os centros de união existentes na actina). A união dos complexos de miosina-ADP-Pi aos pontos de união acessíveis nos filamentos de actina, origina a formação de complexos de actomiosina-ADP-Pi.

3ª Etapa – Segue-se a dissociação do ADP e Pi da actomiosina, ficando esta num estado de energia mais baixo; esta alteração induz a flexão das cabeças dos filamentos de miosina em relação às de actina, de que resulta algum arrastamento destas para o centro dos sarcómeros.

4ª Uma nova molécula de ATP liga-se à actomiosina, originando o complexo actomiosina-ATP; segue-se a dissociação da actina, restando os complexos de miosina-ATP que precedem o reinício do ciclo. Embora a actina tenha elevada afinidade para o complexo miosina- ADP-Pi, passa a ter baixa afinidade para o complexo miosina – ATP.

A energia resultante da hidrólise do ATP é essencial para a dissociação da actomiosina e para aumentar o potencial energético da miosina . Quanto maior for o trabalho muscular mais elevada será a quantidade despendida de ATP e de energia libertada (efeito Fenn) (23). Por conseguinte, o aumento da velocidade de hidrólise do ATP é proporcional à rapidez do ciclo de formação e dissociação das pontes entrecruzadas (16, 24)). Este mecanismo requer também a participação das proteínas reguladoras que coexistem nos filamentos finos, a tropomiosina e a troponina. Os filamentos da tropomiosina (organizados em par e dupla hélice), localizados na goteira formada dupla hélice em que se dispõem os filamentos de actina, asseguram que os pontos de união potencialmente acessíveis para a fixação das cabeças de miosina permaneçam inacessíveis á miosina, na ausência de Ca2+ e ATP.

MARTINS E SILVA J.

34 FIGURA 6

Ciclo de associação e dissociação da actina e miosina, dinamizado pelo ATP.

O anião cálcio é um regulador essencial da contracção muscular (25). No músculo esquelético (e também no cardíaco), actua em associação com a actina, sendo os seus níveis intracelulares dependentes do retículo sarcoplásmico (26) Em repouso, a concentração (entre 10-8 e 10-7 M) do cálcio presente no sarcoplasma é muito baixa; estes níveis são assegurados por um mecanismo de transporte activo dependente da Ca2+-ATPase da membrana do retículo sarcoplásmico, através da qual os excedentes daquele anião são imediatamente removidos para seu interior (27), onde se ligam a moléculas proteicas específicas (calsequestrina); os complexos calsequestrina- Ca2+ armazenam o catião junto da face interna da membrana do retículo sarcoplásmico até ser requerida a sua mobilização para o sarcoplasma (28). Este efluxo é desencadeado por uma onda de despolarização, encaminhada através do sistema T, de que resulta um rápido aumento da concentração de Ca2+no sarcoplasma, até cerca de 10-5 M (ou pelo menos 10 vezes a concentração em repouso). No citosol, iões Ca2+ ligam-se à troponina C , de que resulta a interacção desta com as moléculas de troponina T e I (29,30), as quais induzem uma alteração alostérica na conformação da actina que torna acessíveis os seus pontos de união à miosina, dando assim início à contracção muscular (31-33). A contracção prossegue enquanto a concentração de Ca2+ se mantiver elevada no líquido sarcoplásmico (Fig.7).

(Estimulação da contracção) Actina ATP Actina Actina-Miosina Miosina-ADP-Pi Miosina-ADP-Pi Actina ADP+Pi (Contracção) Miosina-ATP H2O (Relaxamento muscular) (Fim da contracção)

ENERGÉTICA MUSCULAR Actas Bioq. 1989; 1:27-44

35 FIGURA 7

FIGURA 7

Sequência de etapas que conduzem à contracção muscular após um impulso nervoso.

O processo inverte-se com a interrupção do influxo nervoso e a repolarização do sarcolema e túbulos transversos; segue-se uma rápida diminuição da concentração do Ca2+ no sarcoplasma para valores iguais ou inferiores a 10-7 M (34); na sequência da substituição do anterior efluxo pela recaptação ião Ca2+ pela Ca2+-ATPase, do sarcoplasma para o retículo endoplásmico; a falta do ião Ca2+ no sarcoplasma para a torna inacessíveis os pontos de união necessários à formação da actomiosina; havendo ATP são igualmente interrompidas as pontes entre os filamentos de actina e miosina (Fig.8).

Por fim, a carência de ATP em situações de dispêndio excessivo ou menor regeneração metabólica exerce um efeito duplo duas no ciclo de contracção e relaxamento muscular: (i) Redução da actividade da Ca2+-ATPase da membrana do retículo sarcoplásmico, de que resulta a acumulação de iões no sarcoplasma e indução de ligações da miosina à actina; (ii) Ausência de separação das cabeças de miosina das ligações a actina, com manutenção do complexo da actomiosina e subsequente rigidez muscular, como sucede, em caso extremo, após a morte.

EXCITAÇÃO- CONTRACÇÃO MUSCULAR

Impulso nervoso- placa motriz

(Acetilcolina)

Despolarização do sarcolema e difusão a toda a fibra, pelo sistema T

Efluxo de iões Ca 2+ do retículo sarcoplásmico para o sarcoplasma

Fixação dos iões Ca 2+ ao componente TpC da troponina, originando alterações de conformação local

Deslocação da tropomiosina relativamente à actina, de modo a permitir, em ciclos sucessivos, a fixação da extremidade S1 de uma molécula miosina aos centros de união da actina

MARTINS E SILVA J.

36 FIGURA 8

Sequência de etapas que conduzem ao relaxamento muscular após a interrupção do impulso nervoso.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS METABÓLICAS DAS FIBRAS MUSCULARES Existem, pelo menos, dois tipos de fibras nos músculos esqueléticos que, de acordo com o seu aspecto e cor, se designam por fibras vermelhas ou fibras brancas. As primeiras são habitualmente associadas a contracções mais lentas, sendo as segundas de contracção rápida (35). Porém, na generalidade, todos os músculos esqueléticos têm ambos os tipos de fibras musculares, ainda que em proporção variável, dependendo de características genéticas função realizada, localização anatómica e treino físico (36-38).

A designação das fibras vermelhas advém do seu elevado conteúdo em mioglobina, ao contrário do que sucede nas fibras brancas. Adicionalmente, as fibras vermelhas possuem maior sarcoplasma mais abundância de triacilglicerol em suspensão, mais núcleos celulares, mitocôndrias e citocromos mitocondriais do que as fibras brancas. Este tipo de estrutura justifica a existência de características metabólicas mais comuns em determinado tipo de fibras do que

RELAXAMENTO

Interrupção do impulso nervoso

Repolarização do sarcolema

Remoção do Ca2+ que se encontrava

associado à TpC, permitindo a esta molécula ligar-se à tropomiosina,

Diminuição da concentração de Ca2+ no sarcoplasma abaixo de 10-7M, após o

respectivo transporte (activo) para o retículo sarcoplásmico

As cabeças de miosina separam-se dos centros em que estavam unidos nas moléculas de actina e são impedidas novas uniões entre aquelas moléculas miosina à actina

ENERGÉTICA MUSCULAR Actas Bioq. 1989; 1:27-44

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