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1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E CONCEITUAL

1.6 Mito

Os mitos estão inseridos no pensamento simbólico. Para CHEVALIER e GHEERBRANT (1988, p. xix), estes são “transposições dramatúrgicas, desses arquétipos, esquemas e símbolos, ou como composições de conjunto, epopéias, narrativas, gêneses, cosmogonias, teogonias, gigantomaquias, que já começam a deixar entrever um processo de racionalização”.

CASSIRER também aponta a característica simbólica dos mitos, em seu livro

“Linguagem e Mito”. Assim, atribui aos mitos a função de dar significado à

“realidade”.

Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem como símbolos: não no sentido de que designam na forma de imagem, na alegoria indicadora e explicadora, um real existente, mas sim, no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo significativo. Neste domínio, apresenta-se este autodesdobramento do espírito, em virtude do qual só existe uma “realidade”; um Ser organizado e definido.

Conseqüentemente, as forma simbólicas especiais não são imitações, e sim, órgãos dessa realidade, posto que, só por meio delas, o real pode converter-se em objeto de captação intelectual e, destarte, tornar-se visível para nós. (CASSIRER, 1992, p. 22)

No entanto, as formas simbólicas não se constituem nem são reconhecidas por si próprias. Elas derivam, de alguma forma, de seu embrião que é o mito. Não se

pode dizer que o pensamento mítico é totalmente independente do pensamento lógico. Assim, é possível empreender tentativas de se entender os mitos – o que são e como atuam.

Estes têm uma importante função na vida cultural dos indivíduos, pois se relacionam com diversas atividades humanas, como às artísticas e às ligadas à linguagem. Compreender a relação de solidariedade existente entre a linguagem e o mito é, segundo CASSIRER (2003), a chave para o mundo mítico. O ato da denominação é a primeira manifestação do poder físico e intelectual que o homem exerce sobre o mundo, o submetendo a seu saber. Porém, mesmo possuindo uma relação tão estreita, o mito e a linguagem não são idênticos estruturalmente. A linguagem é fundamentalmente lógica, enquanto o mito possui um caráter aparentemente irracional e incoerente, apesar de possuir uma ligação com o pensamento lógico. Assim, não é possível intelectualizar o pensamento mítico, pois ele se fundamenta em elementos emocionais. Apesar disto, o mito foi relacionado com elementos empíricos, passíveis de estudos científicos, constituindo-se um sistema.

O entendimento do mito passa pelo entendimento dos ritos. Para CASSIRER (2003, p. 43) “o rito é um elemento muito mais profundo e duradouro do que o mito na vida religiosa do homem”. Ele é o elemento dramático ou teatral da vida religiosa, mas não apenas dela. Seria impossível enumerar os sujeitos do mito e os atos rituais, pois são diversos e incalculáveis, porém os motivos do pensamento mítico e a imaginação mítica são, de certa forma, muito semelhantes.

Através dos mitos é que os indivíduos exprimem e organizam seus instintos mais profundos, esperanças e temores, enfim, suas mais diversas emoções. Porém, isto não significa que os mitos não se encontram distante da realidade empírica, mas sim em contradição com ela. Para CASSIRER, o mito

parece constituir um mundo inteiramente fantástico, apesar disso, até o mito tem um certo aspecto “objetivo” e uma função objetiva definida. O simbolismo lingüístico conduz a uma objetivação das impressões sensoriais;

o simbolismo mítico leva a uma objetivação de sentimentos. Nos seus ritos mágicos, nas suas cerimônias religiosas, o homem age sob a pressão de profundos desejos individuais e violentos impulsos sociais. Ele realiza essas ações sem conhecer os seus motivos; estes são inteiramente inconscientes.

Mas se esses ritos se transformam em mitos aparece um novo elemento (CASSIRER, 2003, p. 66-67).

O mito é um dos elementos mais antigos das mais diversas culturas humanas. Entretanto, os mitos antigos e os mitos modernos possuem peculiaridades próprias, apesar de possuírem a mesma essência. Segundo CASSIRER (2003), os mitos modernos fundam-se em duas forças, que mesmo agindo juntas não são idênticas. Estas são: o culto ao herói – que se fundamenta nas palavras de CARLYE – e o culto à raça – postulado por GOBINEAU.

O fascismo e o nazismo são ótimos exemplos para ilustrar como estas idéias fizeram surgir e perdurar mitos modernos. Em épocas de graves problemas sociais e econômicos, nos quais o homem perde suas referências e se desespera – deixando a razão de lado – afloram os mitos (modernos), pois estes nunca foram realmente superados. Os mitos, ao surgirem, se tornam os referenciais da vida social, que deixa de ser baseada fundamentalmente na razão, passando ao misterioso.

A formação dos mitos modernos praticamente exige a identificação de um chefe, uma pessoa capaz de satisfazer o desejo coletivo de um povo. Tal chefe reúne as capacidades de um político trabalhador e de um mago social. Alia a racionalidade com a magia. Todavia, o mito moderno não nasce como um produto livre da imaginação, mas algo planejado a partir de métodos e técnicas, a fim de melhor cumprir seus objetivos. Dentre os quais se encontram as alterações dos valores éticos e da fala humana. Nesta nova fala, “a palavra mágica ganha precedência sobre a palavra semântica” (CASSIRER, 2003, p. 327).

Os ritos também aparecem como elementos fundamentais no nascimento, propagação e sobrevivência dos mitos modernos, pois é através deles que sua condição se legitima. Os ritos são planejados pelos chefes, a fim de estarem presentes em todas as instâncias da vida social. Deste modo, cada ação possui um ritual correspondente. Estes são regulares, inexoráveis e rigorosos, de modo que todos devem cumpri-los. Ao mesmo tempo em que legitimam o mito, os ritos são legitimados pelo chefe, que além de reunir as condições de líder político e mágico, acumula a função de representante divino.

Os mitos possuem a sua dinâmica. Ora afloram, ora se enfraquecem. Porém, estes nunca acabam, são apenas dominados e subjugados pelas forças intelectuais, éticas e artísticas. No entanto, quando tais forças diminuem, o caos surge acompanhado do pensamento mítico, que por sua vez, se alastra sobre toda a vida cultural e social do homem (CASSIRER, 2003).