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Construir um conceito de inteligência não é tarefa simples devido a sua complexidade, como afirmam os estudiosos (GARDNER, 1999, 2000; PÉREZ, 2004). Desde a antiguidade, a inteligência é vista enquanto uma capacidade humana diferenciada. Gardner (2000) relaciona fatores biológicos e de interação com o meio físico, social e cultural, na gênese e no desenvolvimento da inteligência. Pérez (2004) cita que desde a época do Renascimento os gênios eram alvo de mitos e por isso as pessoas com altas habilidades/superdotação têm sua identidade distorcida. A crença de que o superdotado é um sujeito “esquisito” e que raramente pode ser encontrado convivendo naturalmente na sociedade ainda faz parte da cultura popular.

Enquanto se debate sobre a diversidade de interpretações sobre o que é inteligência, os caminhos de problematização também são conduzidos ao termo a ser utilizado, como por exemplo: superdotado, talentoso, dotado, habilidoso. Em Pérez (2008) é apresentada a diferença que certos autores (GARDNER, 1994; RENZULLI, 2004), principalmente norte-americanos e europeus, realizam entre superdotação e talento. Compreendendo que o destaque de algumas áreas do conhecimento em supremacia a outras precisa ser superado, principalmente no campo da educação, este estudo parte da concepção de inteligência fundamentada na perspectiva das Inteligências Múltiplas de Gardner (1994, 1998, 1999, 2000).

Outro fenômeno intrigante é o desconhecimento das características que pode apresentar uma pessoa com altas habilidades/superdotação, que são várias. Claro que é preciso levar em consideração os contextos culturais e os acessos a informações sobre o tema das altas habilidades/superdotação.

Os meios de comunicação, de circulação/acesso massivo, contribuem algumas vezes na disseminação de informações especulativas e errôneas

(WINNER, 1998, EXTREMIANA, 2000; PÉREZ, 2008), identificando a pessoa com altas habilidades/superdotação como diferente fisicamente, que apresenta comportamentos negativos, uma maior vulnerabilidade emocional e propensão ao suicídio, ou também quando as presenteia com o rótulo de esquizofrênicas. Imbricado às situações anteriores, existe a confusão entre alguns termos, como por exemplo: gênio, prodígio, precoce, ou ainda, a falsa ideia de que as altas habilidades/superdotação podem ser fabricadas/compradas.

Perguntas sejam feitas: – apenas a pessoa com alta

habilidades/superdotação é instável emocionalmente? – apenas estas pessoas

podem se suicidar? – eu enquanto pessoa com altas habilidades/superdotação e

com minhas faculdades mentais saudáveis posso ter a liberdade de não aceitar o presente/rótulo esquizofrênico(a), isso porque algumas pessoas me consideram “estranho”? Obviamente, estas questões envolvem elementos intrapessoais de todos os seres humanos, e não exclusivamente das pessoas com altas habilidades/superdotação. Outros esclarecimentos são importantes:

1) Gênio (situação atual – morto) pessoa que em algum momento da sua

vida deixou uma grande contribuição para humanidade, normalmente são reconhecidos depois do advento do falecimento.

2) Prodígio (situação atual – exemplo: famoso) criança que domina

habilidades em certas áreas e que geralmente só são dominadas por pessoas com idade mais avançada. Algumas continuam a dominar com excelência estas habilidades quando adultos, enquanto outros não o fazem após certo período.

3) Precoce (situação atual – assunto delicado) está relacionada ao fato de

uma criança ter apresentado desenvolvimento/habilidades antes do esperado para média de crianças, como por exemplo: ler, escrever, falar, entre outros. O fato é que a precocidade não necessariamente indica altas habilidades/superdotação, esta criança em algum momento pode equiparar seu desenvolvimento com as demais crianças de sua idade, ou seja, foi uma criança precoce, mas não um adolescente, adulto com altas habilidades/superdotação.

Em caminhos que conduziram e auxiliaram a análise dos dados, este estudo apresenta sete categorias pertinentes à compilação de mitos e crenças populares apresentados por autores referência da área (RENZULLI, 1986; WINNER, 1998; SANCHES, COSTA, 2000; EXTREMIANA, 2000; GARDNER, 2000; ALENCAR,

FLEITH, 2001; PÉREZ, 2003) relacionadas por Pérez (2003) ao falar dos mitos e concepções equivocadas sobre o tema das altas habilidades/superdotação.

Na primeira categoria, Pérez (2003) elenca mitos sobre a constituição que especulam sobre possíveis origens das atas habilidades/superdotação e características inatas a essas pessoas. Estão organizados nas subcategorias: as altas habilidades/superdotação enquanto característica exclusivamente genética; as altas habilidades/superdotação característica que depende exclusivamente do estímulo ambiental; pais organizadores (condutores); a pessoa com altas habilidades/superdotação é egoísta e solitária; aluno com altas habilidades é “metido”, “sabichão”, “exibido”, “nerd”, “CDF” e; as pessoas com altas habilidades são fisicamente frágeis, socialmente ineptas e com interesses estreitos.

A segunda categoria apresenta mitos sobre distribuição. Nesta esfera, Pérez (2003) sinaliza as subcategorias: todos têm altas habilidades/superdotação, basta

estimulá-las e se pode “fabricar”; a incidência das altas habilidades/superdotação

na população é muito pequena; existem mais homens do que mulheres com altas habilidades/superdotação; as pessoas com altas habilidades/superdotação provêm de classes socioeconômicas privilegiadas.

A terceira categoria é composta por mitos sobre a identificação, que buscam omitir ou justificar a desnecessidade dessa identidade. De acordo com Pérez (2003), existe imbricado a este mito quatro subcategorias: a identificação fomenta a rotulação; a identificação fomenta atitudes negativas na pessoa com altas habilidades/superdotação; não se deve identificar a pessoa com altas habilidades/superdotação e; não se deve comunicar à criança que ela tem altas habilidades/superdotação.

Na quarta categoria criada por Pérez (2003), são encontrados os mitos sobre níveis ou graus de inteligência, decorrentes de equívocos sobre o conceito de inteligência. Dentro deste grupo existem as subcategorias: a pessoa com altas habilidades/superdotação é apenas aquela que tem um quociente de inteligência (QI) excepcional; pessoa talentosa, mas não com altas habilidades/superdotação e; as pessoas inteligentes também são criativas, na mesma proporção.

Mitos sobre desempenho, que transferem expectativas e responsabilidades descabidas e irreais às pessoas com altas habilidades/superdotação, fazem parte da quinta categoria desenvolvida por Pérez (2003). As subcategorias apresentadas foram: a pessoa com altas habilidades/superdotação se destaca em todas as áreas

de desenvolvimento humano e; a pessoa com altas habilidades/superdotação se destaca em todas as áreas do currículo escolar e; tem que ter boas notas.

Existe ainda a sexta categoria, que traz os mitos sobre consequências, onde são atribuídas às pessoas com altas habilidades/superdotação características psicológicas ou de personalidade não vinculadas a seu comportamento. Segundo Pérez (2003), nesta categoria podem ser visualizadas as seguintes subcategorias: a pessoa com altas habilidades/superdotação desenvolve doenças mentais, desajustamento social e instabilidade emocional; o QI se mantém estável durante toda a vida; crianças com altas habilidades/superdotação serão adultos eminentes; tudo é fácil para a pessoa com altas habilidades/superdotação e; as pessoas com altas habilidades/superdotação se autoeducam.

Por fim, a sétima categoria elencada por Pérez (2003) é referente aos mitos sobre o atendimento, que muitas vezes reflete na precariedade ou na ausência de

serviços públicos eficientes à população de estudantes com altas

habilidades/superdotação. As subcategorias elencadas foram: as pessoas com altas habilidades/superdotação não precisam de AEE; o atendimento especial fomenta a criação de uma elite; alunos com altas habilidades/superdotação devem ir a escolas especiais; a aceleração é a abordagem de atendimento mais correta para os alunos com altas habilidades/superdotação e; não se deve incentivar o agrupamento de pessoas com altas habilidades/superdotação.

As categorias supracitadas serviram de fundamentação e interpretação dos dados coletados. É compreendido que existe uma pertinência de estudos mais aprofundados sobre: os mitos, concepções errôneas e/ou percepções equivocadas sobre o tema das altas habilidades/superdotação. O presente estudo divaga sobre os atravessamentos das percepções de profissionais de uma Instituição de Acolhimento, ao se referirem à criança com comportamento de altas habilidades/superdotação.

3 MÉTODO: A PAISAGEM

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Enquanto ensino, continuo buscando, (re)procurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1997, p. 32).

Figura 2– Louis Leopold Boilly – Jovem lendo em uma paisagem (1798) The Hood Museum of Art.

O elemento chave que norteia essa pesquisa busca responder ao seguinte problema: em que medida as experiências de profissionais de uma Instituição de Acolhimento, junto a crianças em situação de acolhimento, elucidam percepções acerca do tema das altas habilidades/superdotação?

O método qualitativo de pesquisa é o que conduz o estudo, que é caracterizado como sendo de campo. É compreendido que “só podemos conhecer o conhecimento humano (experiências, percepções) a partir dele mesmo” (MATURANA, VARELA, 1995, p.18). Em Chizzotti (2006), a pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as ciências humanas e sociais. A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, sendo que o objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações.

Como benefícios, este estudo apresenta conhecimentos sobre o tema das altas habilidades/superdotação. As contribuições aos participantes da pesquisa não ocorreram de forma direta, mas, sim, para a Instituição de Acolhimento como um todo, bem como refletiu na problematização social de percepções sobre o

fenômeno de altas habilidades/superdotação em crianças acolhidas

institucionalmente. Destaca-se que “na pesquisa qualitativa, todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como sujeitos, que elaboram conhecimentos e produzem práticas para intervir nos problemas que identificam.” (CHIZZOTTI, 2006, p.83).

Este estudo de campo seria realizado em uma Instituição de Acolhimento da cidade de Santa Maria/RS, no entanto, ela foi fechada em decorrência de demandas políticas e municipais. Devido ao fechamento repentino desta Instituição, o local de realização da pesquisa precisou ser revisto.

Com preocupação na manutenção da legalidade e destacando a importância social desta pesquisa de mestrado, uma seleção criteriosa de uma nova Instituição de Acolhimento transcorreu. Foi constatado que as duas demais Instituições existentes na cidade de Santa Maria/RS estavam passando por processos de readequação para as novas demandas políticas. Nestes termos, a realização da pesquisa na cidade supracitada se tornou inviável.

É importante notar que o fechamento da Instituição de Santa Maria/RS ocorreu após a aprovação do projeto de Dissertação pelo Comitê de Ética.

Tratando-se de uma situação excepcional, a autora desta Dissertação reenviou o projeto referente ao presente estudo ao Comitê de Ética, adequando o local da realização da pesquisa, como será descrito a seguir.

Uma nova busca foi realizada, tendo em vistas as Instituições de Acolhimento presentes no estado do Rio Grande do Sul e que se encontravam nas normas nacionais (BRASIL, 2009) de funcionamento de Instituições de Acolhimento. A partir de contatos telefônicos, ficou acordado que a pesquisa seria realizada em uma Instituição da cidade de Erechim/RS.

A cidade de Erechim é referência no estado do Rio Grande do Sul com o trabalho de assistência social a crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. A Instituição de Acolhimento onde foi realizado o estudo (fundada em 18 de outubro de 1980) é uma associação civil, sem fins lucrativos, beneficente, filantrópica, que atua no acolhimento a crianças e adolescentes da cidade de Erechim/RS e municípios vizinhos. A Instituição de Acolhimento conta com três casas lares. No dia 10 de setembro de 2014 haviam 35 acolhidos de zero a 18 anos de idade. Importante observar que a rotatividade de crianças é contínua, variando mensalmente.

A coordenadora da Instituição de Acolhimento manifestou interesse em participar desta pesquisa e comentou que esse estudo seria bem vindo, mas primeiro a implementação da pesquisa precisaria passar pela aprovação de todos os demais profissionais da Instituição. Nas reuniões semanais da Instituição, foi acordado por todos os profissionais da Instituição que a pesquisa estava aceita, podendo ser realizada.

A atitude da coordenadora em buscar anuência entre os profissionais da Instituição está de acordo com as boas práticas indicadas em Lück (2009), pois a participação de todos, nos diferentes níveis de decisão e nas sucessivas faces de atividades, é essencial para assegurar o eficiente desempenho da organização. Lück (2009) destaca que é importante compreender que a participação ocorre como processo dinâmico e interativo que vai muito além da tomada de decisão, pois é caracterizado pelo apoio mútuo do grupo na convivência do cotidiano do espaço de trabalho, na busca pelos seus agentes do bom cumprimento da sua finalidade social.

Importante observar que, decorrente da mudança de instituição para a coleta dos dados, houve uma nova submissão do projeto referente ao presente estudo ao

Comitê de Ética, a data da relatoria registra 30/09/2014 sob o número do parecer: 811.843. Os horários das entrevistas foram previamente agendados com a coordenadora da Instituição de Acolhimento selecionada em Erechim/RS, sendo que a carta de apresentação (APÊNDICE E) oficializou o início da pesquisa. A Autorização Institucional foi assinada pela representante legal (APÊNDICE D), bem como o Termo de Confidencialidade (APÊNDICE A) foi entregue para a representante legal.

No dia agendado para a realização das entrevistas em Erechim/RS, a recepção da pesquisadora aconteceu primeiramente pela coordenadora e educadora, estas manifestaram interesse em saber mais sobre o estudo e o tema altas habilidades/superdotação. Como parte do processo da coleta de dados, as entrevistas semiestruturadas com a educadora e a coordenadora foram realizadas logo após a chegada da pesquisadora à Instituição de Acolhimento. Ainda no mesmo dia, foram entrevistadas duas mães sociais e outras duas cuidadoras.

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