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Embora as ex-colônias portuguesas da África sejam, hoje, países independentes, em algumas delas os conflitos se arrastaram por muito mais tempo e as divergências políticas alimentaram as guerras civis, num processo difícil e sangrento.

Sendo nosso centro de estudos um romance que retrata condições de vida dos moçambicanos, traçamos, a seguir, breve panorama histórico de Moçambique do período pós-independência aos dias atuais. Em Moçambique, depois de mais de uma década da guerra de libertação, finalmente, a FRELIMO constituiu um Governo liderado por Samora Machel, sendo empossado como o primeiro presidente da República de Moçambique. A partir de então, implementou várias medidas para restituir ao povo moçambicano os direitos que lhes foram usurpados ou negados28.

Entretanto, a guerra civil que se instaurou em 1976, entre a FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), esta financiada pela Rodésia e, posteriormente, pela África do Sul, foi outro grande obstáculo. Marcada por intensas lutas que assolaram o país, deixou um rastro de um milhão de mortos, em combates e de fome, inúmeros amputados, vítimas das minas terrestres e milhões de civis retirados de suas regiões. Entre as várias fracassadas tentativas de negociação de paz, somente em 1992 assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim ao conflito de quase duas décadas, que teve como saldo um legado de miséria e desolação a ser superado para que o povo moçambicano tivesse a possibilidade de se reconstruir. Com o apoio da ONU, realizou-se, em 1994, as primeiras eleições multipartidárias. A FRELIMO foi a grande vencedora, e Joaquim Chissano eleito para Presidência da República.

Nas duas décadas seguintes, Moçambique passou por grandes transformações, a população pôde vislumbrar um renascimento. Foi indicado Pascoal Mocumbi como Primeiro-Ministro, responsável por levar o país à reconstituição econômica e social, além de encabeçar o processo de reintegração dos guerrilheiros da RENAMO. Em 1995, firmou, com o Banco Mundial e o FMI, um acordo para a implementação de reformas económicas e de redução da pobreza, desse modo Moçambique passou a ser membro da Commonwealth29.

Outro marco importante na história moçambicana aconteceu em 1996, quando o país integrou à Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), criada também em 1996,

28 Mais informações a respeito das primeiras medidas da administração de Samora Machel, estão disponíveis em:

http://www.dw.de/momentos-de-instabilidade-pol%C3%ADtica-em-mo%C3%A7ambique-uma-cronologia/a- 16912568 . Acessos em 13,14 e 15 de agosto/2014 e 8 de setembro/2014.

29Commonwealth é uma organização intergovernamental composta por 53 países membros independentes. Todos

constitui-se como “o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concentração político-diplomática e da cooperação entre seu Membros” tais como: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, juntamente ou não com outras línguas nacionais, além daqueles em que a língua portuguesa é língua de uso, como é o caso, entre outros, de Goa (Índia) e Macau (China). (cf. Brito e Bastos, 2006, p. 73).

Embora, o país estivesse tentando seguir adiante após o acordo de paz de 1992, as divergências entre FRELIMO e RENAMO continuaram. Entre os anos 1998 e 2001, os conflitos políticos se intensificaram, irregularidades nas eleições foram apontadas, a RENAMO não aceitou os resultados, promoveu manifestações pelo país, com inúmeros manifestantes mortos em confronto com a polícia. Opositores foram detidos na cadeia de Montepuez, na província de Cabo Delgado e, muitos também morreram. A falta de entendimento entre o Presidente Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama constitui o maior entrave na busca por uma solução que ponha fim nesses desentendimentos.

Não bastasse todos os confrontos políticos, Moçambique, vem sofrendo tanto com a fome, a miséria, quanto com chuvas e com períodos de seca grave. Em 2000, foi devastado pelas chuvas, grandes cheias destruíram todo o sul do país, obrigando a população a abandonar as suas regiões, e o pouco que lhes restavam. Também padece com a grande incidência, em todo o país, de doenças endêmicas e epidêmicas, tais como: malária, cólera, dengue, febre amarela, gripe suína e as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), principalmente a AIDS, matando em torno de cem mil pessoas por ano (sendo que, segundo informações da ONG Médicos Sem fronteiras (MSF), cerca de metade dessas vítimas tinham entre 30 e 44 anos), resultado de um sistema de saúde precário, da falta de informação e de recursos financeiros. Em várias partes do mundo, nações, instituições e pessoas se unem em campanhas de ajuda humanitária não só para Moçambique, mas para diversos países africanos.

Além de ter que lidar com todas os problemas sociais e as intempéries naturais, o governo, liderado pela FRELIMO, e a RENAMO, de Afonso Dhlakama, não conseguem chegar a nenhum consenso. No entanto, mesmo com todas as dificuldades decorrentes dessa condição conflituosa, observamos que no período de 2000 até 2011, o governo, com o apoio de países aliados, conseguiu investimentos e promoveu ações capazes de trazerem algum

desenvolvimento para Moçambique e amenizar a situação de miséria a que a população está exposta.

Em 2012, após 21 anos do acordo de paz em Moçambique, a situação entre a FRELIMO e a RENAMO se tornou insustentável depois de divergências sobre a formação da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Em outubro, Afonso Dhlakama, retornou à antiga base do partido, a Casa Banana, em Satunjira, na zona de Gorongosa, centro de Moçambique, de onde declarou o fim do acordo de paz. Teve início as negociações entre o Governo e a RENAMO, mas, fracassaram. Começaram, em abril de 2013, os ataques armados e, à medida que não chegavam a um consenso, crescia a violência.

Cansados da onda de violência que assolava várias partes do país, o povo saiu às ruas das cidades de Maputo, Beira e Quelimane, em manifestação contra o Governo e o estado de guerra e a favor da paz. A FRELIMO, no poder desde a independência, tem agora que enfrentar a insatisfação declarada da população. Mesmo assim, continuou uma caçada aos líderes e guerrilheiros da RENAMO, principal partido de oposição ao Governo. Diante da negativa de Afonso Dhlakama, em negociar sem mediação estrangeira, confrontos entre o exército e a guerrilha resultaram em mortes e prisões, de ambos os lados.

Ainda que sem a participação da RENAMO no processo eleitoral, as eleições aconteceram no dia 20 de novembro de 2013, sem maiores problemas, com vitória da FRELIMO, que se mantém no poder há 38 anos, mas se vê, também, diante do crescimento e fortalecimento do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), partido de oposição criado em 2009, liderado por Daviz Simango, a partir de uma dissidência da RENAMO.

Com a continuidade dos confrontos, parceiros de Moçambique como a União Européia (UE) e o Japão se juntaram pedindo um final pacífico para os conflitos. Entretanto, as negociações em nada avançaram. Parecia um imbróglio difícil de resolver, e quem sofria era a população de civis, que se encontrava encurralada, à mercê dos ataques por militares fortemente armados e da intransigência dos dirigentes, tanto do Governo (FRELIMO) quanto da RENAMO.

Somente depois de quase um ano e meio de conflitos, em 24 de agosto de 2014, o Governo e a RENAMO chegaram a um entendimento para o fim dos confrontos militares no país, num

documento assinado pelo Presidente Armando Guebusa e o líder Afonso Dlakhama, na presença de observadores internacionais30.

30 Mais dados sobre os confrontos, ocorridos entre 2012 e 2014, e o acordo de paz, firmado entre FRELIMO E

RENAMO, podem ser verificados no site http://www.dw.de/momentos-de-instabilidade-pol%C3%ADtica-em- mo%C3%A7ambique-uma-cronologia/a-16912568 . Acessos em 13,14 e 15 de ago /2014 e 8 de set/2014.

CAPÍTULO 2

MOÇAMBIQUE, PAÍS MULTICULTURAL E MULTILINGUÍSTICO

Se quiseres me conhecer, Estuda com olhos de bem ver Esse pedaço de pau preto

Que um desconhecido irmão maconde De mãos inspiradas

Talhou e trabalhou em terras distantes lá do norte. ...

Se quiseres compreender-me

Vem debruçar-te sobre a minha alma de África, Nos gemidos dos negros dos cais

Nos batuques frenéticos do muchopes Na rebeldia dos machanganas Na estranha melodia se evolando Duma canção nativa noite e dentro.

Noémia de Souza (1958)31

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