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TERCEIRO CAPÍTULO

4.4 MOÇAS E CASADAS: OPERÁRIAS DA MACHARIA

Eu sempre digo pra minha mulher: prefiro trabalhar com duzentos homens, mas não com dez mulheres.

Verner Lemke80 Verner Lemke, em uma parte de sua entrevista, diz com satisfação ter participado da decisão de contratação da mão de obra feminina. Porém, em outro momento de sua fala, apresenta contradição ao dizer que a presença da mulher é incômoda e dá “dor” de cabeça. Essa manifestação é contrária, também, ao parecer da Indústria de Fundição Tupy S.A. quando esta se refere aos resultados positivos do trabalho das “novas” operárias.

Na Tupy, como em outras empresas de fundição, o processo de fabricação das peças fundidas envolve dois tipos de molde: o molde que determina o formato externo da peça, cujo nome é “Molde”; e o molde que dá o formato interno da peça final que se deseja produzir, cujo nome é “Macho”. Tanto o Molde quanto o Macho são feitos de areia, porém, são areias de tipos diferentes e os processos de fabricação de cada um também são diferentes. O Molde é fabricado num setor chamado de “Moldagem” e o Macho é fabricado na “Macharia”. Esses nomes não são adotados apenas pela Tupy. É uma nomenclatura tradicional na indústria de fundição. Dentro do processo de fabricação do “Macho”, existe uma etapa que é a de tirar as rebarbas e imperfeições presentes na parte oca da peça. É nessa atividade que se concentra a mão de obra feminina, segundo a empresa, não se exige força e sim cuidado com detalhes.81

Essas informações não estão baseadas em preocupações específicas e técnicas, aqui, o que se busca, é entendera movimentação das operárias num setor voltado aos homens. Os dados acima abrangem a fabricação e a transformação da peça “Macho”, passando pelo setor da

80LEMKE, Verner. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 28 jul., 1999. (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

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Relatório (0105000000C2967). Processo da peça na Macharia. Set.1978. Biblioteca Fundição Tupy S.A. Acervo privado. Mais informações no blog: <http://tupy.firbweb.com.br/a-empresa/o-setor-de-fundicao>.

“Macharia”. Fica evidente a divisão de tarefas nesse processo e é justamente aí que entra a participação da mulher.

O trabalho “leve” no setor da Macharia seria mais eficiente se fosse desenvolvido pela mulher, haja vista a desnecessidade de força física. No desenrolar dessa pesquisa identificam-se algumas explicações para a inserção do trabalho feminino nesse ramo industrial. A historiografia local aponta como principal fator o déficit de mão de obra. Já a Tupy, como evidenciou Niehues (2000) ao falar da existência da atividade “muito leve”, pondera que esta causava desconforto aos homens, já que boa parte desses operários das décadas de 1970 e 1980 era proveniente do campo e estava acostumada aos serviços “pesados” (NIEHUES, 2000). Assim, percebe-se a colocação da mulher nessas atividades, uma vez que, de acordo com a visão da empresa, os homens estavam acostumados ao serviço pesado e tal função (rebarbação da peça e observação de pequenas imperfeições) era “tão leve” que não condizia com sua força física ou condição social. Suas mãos não eram tão “delicadas” para manusear peças que exigem habilidade, cuidados e muita atenção.

A necessidade de mão de obra ou qualquer outra vantagem proveniente do trabalho feminino levou a Fundição Tupy S.A. a fazer a primeira contratação de um grupo de cinquenta operárias solteiras, as quais eram chamadas de “moças”82. Sebastião Rodrigues, responsável

por uma das seções do setor da Macharia entre os anos de 1974 e 1976, fala que o período foi uma das piores experiências de trabalho na empresa e na sua vida. Era sua responsabilidade supervisionar o trabalho dessas novas operárias que, segundo ele, eram “malvadas” e difíceis de lidar.83

Niehues (2000) aduz que a opção pelas “moças” solteiras para trabalhar na metalúrgica pode fazer parte de um plano psicológico da Tupy. Considerava-se importante a presença feminina na fábrica, onde o ambiente era quase sempre “embrutecedor” e carregado das mais variadas tensões (NIEHUES, 2000). Não existe consenso até o momento quanto aos motivos da inserção da mulher no ramo metalúrgico, nem mesmo porque, em 1976, dois anos após a contratação das operárias

82A expressão “moças” ou “moças operárias” no decorrer do texto é a forma como se referiam às mulheres solteiras, principalmente entre as décadas de 1970 e 1980.

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RODRIGUES, Sebastião. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 28 jul., 1999. (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

solteiras, a empresa optou pelas casadas. Segundo Niehues, a hipótese mais aceita é o déficit de mão de obra em Joinville no período já mencionado.

Em tese, a mulher solteira, entre 16 e 22 anos de idade, seria a figura que proporcionaria mais seriedade e responsabilidade ao trabalho na produção ou aos códigos disciplinares no interior da fábrica. Com isso, os homens equilibrariam melhor as tensões e produziriam mais e com satisfação? Essa indagação tem fulcro na fala do Sr. Laércio Goeder,84 ex-funcionário da Malharia Döehler e da Tupy. Esse senhor afirma que quando trabalhou na Döehler, a chefia decidiu colocar pelo menos uma mulher naqueles setores onde predominava homens. A justificativa era para que não houvesse “brincadeirinhas” e o trabalho fosse levado mais a sério. Ele até concorda com essa hipótese, mas afirma que isso poderia fazer parte de uma ideologia da empresa que ia além da produção referente ao trabalho feminino. Costuma se pensar que na presença de mulheres os homens não falariam “besteiras”, mas o Sr. Laércio discorda, pois diz que as mulheres entravam nas “brincadeirinhas” também. Enfim, o assunto é cercado de polêmicas, porém os dados bibliográficos e demais informações consultadas para essa pesquisa nos remetem ao déficit de mão de obra na cidade de Joinville no período.

Até 1938, em algumas regiões da Europa, as mulheres necessitavam de autorização (do pai, marido, irmão mais velho ou, na ausência desses, um tio) para trabalharem em espaços públicos. No Brasil, a situação era semelhante até início da década de 1970. Até 1962, a mulher casada era considerada relativamente incapaz (segundo o código civil de 1916), o que significava que precisava de autorização do marido para trabalhar. Isso só muda em 1962 com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada. Geroleti (2013), ao narrar a história de Dona Vênus, conta que a mesma foi impedida de voltar ao trabalho em um banco, pelo marido, após a licença-maternidade em 1938. Embora essa mulher já atuasse profissionalmente como bancária antes do casamento e por meio de concurso, o marido fez valer os artigos do estatuto da mulher casada após a união conjugal. Assim, o artigo 62 não reconhecia a capacidade (autônoma) da mulher casada. Já o artigo 242 do mesmo estatuto abordava a submissão da mulher em relação ao esposo.

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GOEDER, Laércio. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 28 jul., 2000 (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

A mulher que ocupasse antes do casamento uma profissão de carreira85, no caso das bancárias ou de qualquer outra atividade fora dos espaços domésticos, após a união civil, ficava sob o comando do marido. Talvez isso explique a decisão da Tupy de fazer sua primeira experiência com a mão de obra de mulheres solteiras. Mesmo com o fim do estatuto da mulher casada, muitos maridos não permitiam que suas esposas trabalhassem em espaços públicos. Na prática, a mulher solteira, principalmente, a partir de 21 anos de idade, gozava de maior liberdade nos espaços públicos comparada à casada. Estima-se que esse seja um dos motivos para a Fundição Tupy decidir contratar mulher solteira para os serviços do “chão” de fábrica na época.

A mulher sempre esteve presente, seja em postos de trabalho, seja em acontecimentos religiosos e até políticos. A sua invisibilidade social deve-se a uma produção cultural que é fruto da imaginação do homem, ou, ainda, a uma produção intelectual forjada na esteira do silêncio das histórias ou participações femininas (PERROT, 2012). É preciso, então, compreender que a presença e os feitos da mulher na sociedade foram silenciados pelas relações sociais determinadas historicamente pelos homens. Acredito que nos espaços de trabalho ainda se manifestem as relações de poder que fixam os papéis sociais e promovem a segregação profissional com prejuízos para muitas mulheres.

O trabalho feminino presente, principalmente, na economia metalmecânica, é apresentado com grandes desvantagens salariais, já que a participação delas nas linhas de produção fica quase que em sua totalidade restrita às funções consideradas mais leves e fáceis de manusear. Agrega-se a isso o fato de essas atividades em boa parte (até início do XXI) não necessitarem de qualificação profissional específica ou qualquer outra forma de conhecimento técnico. Logo, a mulher passa a ocupar as atividades que requer atenção aos detalhes e habilidade no manejo da peça, como, por exemplo, o controle de qualidade. Já o processo de fabricação de peças metálicas era considerado atividade qualificada e deveria ser exercida pelos trabalhadores homens.

Uma das dificuldades relativas a essa pesquisa sobre a história da mulher nas atividades do ramo metalúrgico (e possivelmente em outras áreas de atividades produtivas) está na própria produção historiográfica. Embora o campo de estudos acerca dessa temática seja

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O termo profissão de carreira ou plano de carreira está relacionado ao funcionalismo público em que na maioria das vezes o ingresso é por meio de concurso público.

vasto, existem poucas reflexões femininas. Essa lacuna é analisada por Perrot (1989) quando afirma que, “ os modos de registro das mulheres estão ligados à sua condição, ao seu lugar na família e na sociedade.” (PERROT, 1989, p. 15). A História permaneceu com o olhar de homens sobre outros homens, o que calava e silenciava as mulheres. Porém, sua presença em espaços públicos antes desconhecidos de sua participação gerou um choque cultural imediato e a construção de novas práticas sociais, além de configurações no mercado de trabalho.

Assim o Sr. Sebastião Rodrigues relatou em entrevista:

Em 1974 teve mudança, botaram alguns pra rua e admitiram mulheres e eles não colocaram mulheres, colocaram moças. Se colocassem mulheres casadas, seria melhor, mas colocaram moças. Eu era o mais velho e fui o líder delas. E eu era solteiro e não sei se você sabe, mas viver com uma mulher, a gente tem que saber viver, e viver junto com trinta e cinco mulheres que eu tinha era o caos. Justamente quando elas vieram trabalhar comigo eu parei de fumar. Foi o período mais difícil que eu tive aquele tempo, porque eu queria organizar elas, porque eu não conhecia nenhuma delas. Eram todas acima de vinte e dois anos de idade, todas solteiras. Não podia entrar na fábrica mulher casada. Então a dificuldade é que tem aquela dengosa, tem aquela que é braba, tem aquela que ri [...] Aquela mulherada tudo junto, uma trazia problema de namorado, outra chorava porque estava com dor de barriga, outra trazia fofoca, era o caos. Não sei se foi por causa da situação das mulheres, mas eu comecei a ficar doente [...] Um dia eu virei a mesa. Nunca esqueço aquele dia. Chamei o encarregado, que avisou o chefe de departamento: “A partir de amanhã, toda mulher que entrar na Tupy tem que ser casada”. Seu Castelo perguntou: “Por que Rodrigues? Porque mulher moça só dá trabalho”.86

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RODRIGUES, Sebastião. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 24 jun., 1999. (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

Diante do exposto, observa-se que a inserção das “moças” na Tupy causou mudanças substanciais nas relações de trabalho no interior da fábrica. O choque de “valores culturais” é talvez um dos mais notáveis desse relato, um quase “desabafo” do Sr. Rodrigues. O mesmo, em momento algum, reconhece vantagens no trabalho feminino; seu olhar volta-se para a “dor” dos problemas gerados, segundo ele, pelas “moças operárias”.

Para o Sr. Rodrigues, a falta de mão de obra não foi o motivo pelo qual a Tupy decidiu contratar as “moças”, mas a existência de atividades “muito leves”. Ele também não concorda com as atitudes de tratamento diferenciado às operárias, pois ao serem contratadas, elas recebiam ordens diversificadas. Eram lhes apresentados seus “protetores-homens” que tinham a missão de orientar e vigiar seus passos no interior da fábrica quanto aos “riscos” do ambiente de trabalho. Fica evidente, nesse cenário de “preocupações”, a “fragilidade” feminina, mesmo que elas trabalhassem em uma atividade “leve”. Talvez os cuidados estejam relacionados à circulação dessas operárias, já que o setor onde elas trabalhavam ficava no meio da fábrica. Importante ressaltar o olhar cultural desse depoente ao falar da mulher, mesmo que esta esteja compartilhando o mesmo espaço de trabalho fabril. Valores e sentimentos “machistas” são expressos em sua narrativa. Cabe ao pesquisador analisar e refletir sobre o que se esconde nas entrelinhas desse discurso (FOUCAULT, 2011).

Dona Evanir Matias (1999)87 aposentou-se como funcionária da Tupy. Sempre atuou na linha de produção e considera seu trabalho “um presente de Deus”. Afirma que sempre procurou atender às reivindicações da empresa e do encarregado/chefe. Embora não relate detalhes do seu cotidiano de trabalho dentro da fábrica, observa que o encarregado não era grato a ela. A operária não evidencia particularidades dos possíveis tratamentos hostis entre operárias e chefia direta. É a própria trajetória silenciada historicamente, como já observou Perrot (2012), que dificulta expor os fatos quando esses envolvem relações de poder.

Diante disso, observa-se a necessidade de se desenvolver mecanismos de controle e vigilância sobre essas trabalhadoras, aspecto este já bastante analisado a partir dos estudos de Foucault (2004). Nesse

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MATIAS, Evanir. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 28 jul., 1999 (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

caso, e levando em consideração o olhar dos homens (chefes e demais colegas de trabalho) frente à presença das operárias, o vigiar/cuidar para que nada coloque essas colaboradoras “frágeis” em situações de risco é apenas uma prática social. Assim, o controle dessas ações no interior da fábrica se justifica na ideia da segurança do trabalho e possivelmente no silêncio de boa parte da história dessas trabalhadoras.

O jornal interno Correio da Tupy registra em dezembro de 1973 as primeiras imagens das operárias solteiras. As frases Na produção de

peças Tupy, elas participam ativamente e Elemento feminino na área

industrial sugerem o bom desempenho dessas trabalhadoras e o reconhecimento da sua participação. Logo, percebe-se que a empresa, por meio do seu veículo de informações, demonstra satisfação quanto ao trabalho feminino na linha de produção do setor da Macharia. Novidade no período.

Figura12- Primeiras imagens de mulheres operárias. Dezembro de 1973.

O texto e as imagens divulgadas pela empresa, por meio do seu veículo de informações, o Correio da Tupy, não deixam dúvidas quanto à satisfação com o trabalho das mulheres nas atividades relacionadas à linha de produção do setor da Macharia. Esse periódico empresarial, com fotos e textos, valoriza seus colaboradores, exibindo-os enquanto executam atividades em seus postos de trabalho. O especialista em segurança do trabalho Christophe Dejours (1999) diz que esse recurso de marketing é uma importante ferramenta de autopromoção da empresa. A imagem ilustra o texto ou substitui o mesmo. Esse recurso demanda o funcionamento imaginativo, em vez da reflexão, da análise, e modo geral, da atividade de pensar com a qual compete o imaginário (DEJOURS, 1999). Por outro lado, as jovens operárias precisam se identificar com essas representações, pois o modelo deve ser tomado como algo positivo e que revele potencialidade de produção nesse campo de trabalho, além de atrair respeito e responsabilidade para o ambiente. Essa afirmação traduz as políticas internas da Tupy no período em que esta mais carecia de mão de obra e enfrentava problemas de violência entre os operários. Assim, a presença feminina dentro dessa fundição é interpretada além das práticas de trabalho.

Em seu relato oral, dado muitos anos após a inserção das trabalhadoras mulheres, o Sr. Sebastião Rodrigues88, não demonstra reconhecimento ou satisfação em relação à produtividade das primeiras operárias da Tupy, o que se contrapõe ao que foi publicado no Correio

da Tupy. Muito pelo contrário, o depoimento do indivíduo que, por determinação da empresa, tinha que supervisionar ou auxiliar o setor onde elas desempenhavam suas atividades, é marcado pela desaprovação e lamentações em relação a estas trabalhadoras. Já a empresa, pelo uso dos seus mecanismos de publicidade interna (jornal interno), valoriza a produtividade das moças operárias. A distribuição do jornal Correio da Tupy acontecia entre os funcionários e seus familiares, já que os mesmos os levavam para suas casas a fim de compartilhar informações, pois em algumas situações eram evidenciadas imagens ou histórias sobre suas pessoas.

A empresa a época organizou um ambiente somente para elas. Hoje não há mais essa separação. Homens também são a “força” de trabalho no setor da Macharia, embora sejam a minoria, pois permanece

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RODRIGUES, Sebastião. Entrevista concedida a Valdete Daufemback Niehues. Joinville, 24 jun., 1999. (Acervo Núcleo de História Oral – Arquivo Histórico de Joinville – AHJ).

a ideia de atividade “leve”, logo, mais adequada às mulheres. Dados atuais informam que no setor da Macharia existem aproximadamente mil operários, desses, 50% são mulheres que trabalham nas atividades de rebarbação e montagem da peça “Macho”. As demais funções de fabricação e os cargos de liderança são ocupados por homens. Existe a presença da mulher em algumas funções de lideranças dentro da fábrica, na ausência do “chefe”, mas isso é raro.89 Ou seja, as relações

hierárquicas são claras nesse campo industrial. É interessante observar o que Foucault fala sobre as técnicas de hierarquia que sancionam e normatizam as práticas entre os sujeitos a fim de manter o controle das relações de poder nos grupos: “É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade” (FOUCAULT, 2004, p. 154).

Para Foucault, as hierarquias manifestam as relações de poder no coração dos processos disciplinares, bem como a sujeição do outro. É nesse cenário de trabalho subsidiário que a mulher está inserida, sob a guarnição do homem. Assim, pode-se justificar também a baixa remuneração salarial atribuída a elas. Os mecanismos que qualificam e classificam os sujeitos, segundo Foucault, fazem parte dos rituais aos quais esses indivíduos estão sujeitados, dizem respeito aos exercícios do seu “papel social”, determinado pelo aparelho institucional da empresa, e pelas sanções normalizadoras inseridas. Aqui me reporto novamente à fala do Sr. Rodrigues sobre os “tutores” que a Tupy designava para “cuidar” das “moças operárias”. Essa ação tinha o intuito de “proteger” as trabalhadoras para que as mesmas não corressem o risco de se machucar. A partir do olhar empresarial, temos então uma mulher “frágil”, que pode cair ou esbarrar numa máquina, causando danos à sua integridade física. De forma explícita, não se apresenta, em nenhum momento, preocupação com as questões morais.

O Jornal O Estado publicou, em 1976, uma matéria sobre a experiência positiva da Tupy com o trabalho feminino na linha de produção da Macharia. O mesmo informa que o primeiro grupo de operárias (cinquenta “moças”), demonstraram resultados altamente positivos, modificando, inclusive, os padrões de rendimento estabelecidos pela empresa, que era baseado no trabalho masculino. A

89Repórter Tupy. Relatório interno da Tupy S.A. 2013. Acervo particular da Tupy.

mão de obra da mulher superou os índices de produção dos homens, situação anterior à sua presença. Esse é um dos motivos pelos quais a Tupy passou a valorizar cada vez mais a participação feminina nas atividades relacionadas às linhas de produção.90 Já entre os funcionários

homens que acompanharam a inserção das “moças operárias”, a opinião diverge. Para alguns foi louvável, para outros uma tragédia.

O Sr. Verner Lemke, funcionário do setor de Recursos Humanos (RH) da Tupy, destaca com orgulho ter participado da iniciativa que originou a contratação da mulher no período:

Modéstia à parte foi minha e da minha equipe a ideia de colocar mulheres aqui. A mulher, no entendimento nosso naquela época, era mais tolerante, aceitava melhor a instrução do chefe.