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1.3.2 - A espacialidade: O sítio

O sítio constitui-se no principal elemento espacial para o migrante norte mineiro em seu local de origem, onde se concentra toda sua vida cotidiana. Quando nos referimos ao sítio, como um espaço, temos a compreensão das três dimensões espaciais sugeridas pelo desenvolvimento teórico proposto (o espaço absoluto, relativo e relacional). Assim, o sítio para o migrante, vai corresponder ao espaço onde a sua espacialidade será expressa e estruturada.

Nos dois agrupamentos estudados, as propriedades pertencentes aos migrantes estudados são de pequeno porte, com uma média de 7 (sete) alqueires(cf. questionário). Esta dimensão está relacionada à fragmentação da terra, segundo os moradores locais este processo é proveniente de um histórico de divisão das terras através das seguidas heranças56

A estrutura interna constituinte dos sítios do espaço de origem do grupo de migrantes estudados é formada basicamente por um núcleo famíliar, que fundamenta toda a organização e a atividade produtiva: a família.

. Desse modo, a conformação das propriedades atuais são resultantes de divisões sucessivas entre os herdeiros dos antigos proprietários.

Internamente, a família dos sitiantes estrutura-se de modo muito simples. Geralmente é composta pelo pai, a mãe, irmãos e irmãs, além de agregados (idosos ou filhos adotivos). Em termos hierárquicos, observamos a subordinação das mulheres aos homens e dos mais jovens aos mais velhos. A característica fundamental do grupo conjugal formado nos sítios estudados no norte mineiro é, portanto, a dominação paterna 57

No espaço do sítio, existe uma divisão de trabalho relativamente rígida, que atribui ao grupo masculino (pai, filhos e agregados) a obrigação da execução das tarefas extras domésticas, nos espaços direcionados à agricultura e pecuária , e

.

56 Todos os indivíduos do grupo responderam no questionário aplicado que receberam suas

propriedades através de heranças familiares.

57 A preparação da terra não é iniciada de forma ou em local aleatórios. Elas seguem sempre uma

direção definida, chamada na região de “direção de produção”, que vai das proximidades da casa para o mato. A direção do processo é determinada pelo pai de família, detentor do governo do trabalho. É ele que “dá a direção”. O fato de ser o homem quem define a direção do deslocamento espacial indica que ele também detém o controle do processo como um todo.

tende a confinar os trabalhos femininos no âmbito da casa, das hortas e dos pomares.

Lá em Minas não tem esse negócio de mulher dar parpite, quem manda é o homem, e filho é mesma coisa até ele formar família. Aqui, já é um pouco diferente, a mulher trabalha e quer palpitar também, às vezes dá briga, mas quem continua mandando lá em casa ainda é eu, apesar da minha mulher ganhar mais... (CLAUDINHO, servente pedreiro, 53 anos)

Lá em Minas, quando morava com o pai no sitio, era assim, o pai é que mandava em tudo, ele que comandava a roça, o que nóis ia plantar. Eu e meus dois irmão mais novo ia com a pai para a roça. Só no tempo da colheita, que tinha muito trabalho minha irmã e às vezes minha mãe ia também. (BUGRÃO, servente geral, 42 anos)

Eu lembro da cozinha e do quintal do sitio do meu pai, era um brinco. Minha mãe levava aquilo nos trinques, as panelas areadas o chão limpinho, limpinho. Na cozinha ela que mandava, meu pai não metia o bedelho não, se não ela se ofendia. Já o quintal era bem cuidado. A mãe plantava flor, tinha um hortinha que era uma beleza. Quando era pequeno lembro de ajudar ela mexer na horta. (JOSÉ, pedreiro, 34 anos)

Portanto, o processo de trabalho 58

A hierarquia patriarcal também está presente e refletida no conhecimento técnico do trabalho que se realiza na unidade produtiva. Assim, observamos que o saber para o trabalho na propriedade se faz no próprio trabalho – pois o saber é um saber-fazer, que é parte e um dos pilares da hierarquia familiar – sempre vai configurar o espaço da unidade familiar, o sítio, reflete os espaços sociais do homem e da mulher: o que o homem faz está restrito ao espaço da produção e das relações externas; o que a mulher faz está referido ao espaço da casa e do consumo. O que o homem faz tem uma finalidade diversificada: tanto pode ser insumo interno para a produção, como pode se tornar mercadoria. O que a mulher faz tem apenas valor de uso no âmbito doméstico.

58 Aqui cabe uma observação que foi constatada em todo trabalho de campo, a ênfase que o

migrante dá ao trabalho. Na realidade, sua vida na cultura rural gira em torno do trabalho, ao falar sobre o trabalho, o migrante acaba se expressando também sobre muitas outras coisas, para eles, partes componentes do trabalho. Falavam, por exemplo, do parentesco, de homens e mulheres, da comida, de Deus e dos homens. Para nós como pesquisadores, há sempre a necessidade de se fazer cortes temáticos para um enquadramento cientifico do objeto, mas isso não ocorre para o grupo, na realidade, para os migrantes, trabalho, terra e família são indissociáveis e falar de um é falar dos outros.

subordinado ao chefe da família. É este quem comanda o modo pelo qual se realiza o trabalho, como dizem os migrantes,

Tudo que eu sei da roça foi meu pai que ensinou, ele vai passando pra gente. Na verdade ele aprendeu com meu avó, o pai dele, e assim por diante. Então, devagar, e eu também ficava observando como faz, você vai aprendendo a mexer na roça alem de outras coisas. (ABELARDO, servente geral, 38 anos)

Então, é o chefe familiar, também, quem governa o fazer-aprender. A transmissão do saber é mais do que transmissão de técnicas: ela envolve outros valores; ela envolve a cultura e a construção de papéis sócio-espaciais.

Portanto, dentro da cultura rural, as técnicas com seus símbolos e significados (a cultura) são transmitidas através do trabalho. Isso pode ser observado na evolução do aprendizado do labor; quando menino, o migrante começa aprendendo (brincando) na horta da mãe, para depois sair com o pai, realizando atividades mais simples até alcançar certo conhecimento. Neste momento o menino já se formou homem, abrindo a possibilidade de constituir sua própria família (organograma 1).

Organograma 1 – A evolução da inserção do homem do espaço rural de Monte Azul Organização: Adriano Corrêa Maia.

Devido aos processos colocados em tela, o ordenamento espacial característico de um sítio do norte de Minas segue um modelo padrão, em que as espacialidades e sociabilidades são estruturadas e estruturam um espaço singular. Um sítio padrão é compartimento nos seguintes espaços: o espaço da casa, do gado, do pomar, da mata, do algodão, dos itens básicos (cf. Esquema 14).

Esquema 14 – Croqui modelo do sítio norte mineiro