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3. Fenómeno Moda

3.3. Moda ao Extremo

Tendo em conta que as análises aos vestuário ao longo da história em geral é filtrado através as nossas próprias ideologias (Wilson, 2003) e que o conceito de extrema é relativo tal como o de beleza, define-se neste estudo moda extrema como algo adotado coletivamente que coloca em risco a saúde do seu utilizador ou coloca o mesmo em perigo, em prol da estética.

A tradição do pé-de-lótus com origem na China é um exemplo da colocação da estética acima do bem-estar pessoal. A prática consistia em ligar os pés a meninas pequenas, impedindo ao máximo o seu crescimento, já que os pés pequenos eram considerados femininos e elegantes. Quando o processo estava completo eram utilizados sapatos de lótus ornamentados, feitos especialmente para este prepósito (Pendergast & Pendergast, 2004). Porém, esta não pode ser considerada como moda, mas sim um desenvolvimento de um costume dentro de uma cultura. Se esse fosse o caso, também teriam de ser levadas em conta os diversos piercings e ornamentos inseridos dentro de tribos.

Durante e após o aparecimento do fenómeno moda surgiram várias peças de vestuário menos funcionais, como as poulaines, com os seus bicos enormes que dificultavam o andar, porém indicavam o estatuto social do utilizador. Estas eram direcionadas a ambos os sexos, não existindo uma real distinção entre os mesmos na área do calçado. Porém, as modas extremas que se seguiram na história tiveram como alvo principalmente o sexo feminino, mesmo nas épocas em que o homem era igualmente deslumbrado pelo mundo frenético da moda.

A época do Renascimento nestes termos foi rica, sendo a época do nascimento das chopines. O aparecimento do salto alto em si não oferecia risco acrescido ao seu utilizador pois, como foi observado na análise história da evolução do calçado este apresentava tipicamente uma altura de 3 cm. Já as chopines possuíam plataformas que podiam variar dos 15 centímetros até aos 60. Criadas para serem utilizadas com outros sapatos mais delicados no seu interior, baseavam- se em socas ornamentadas que impediam a mulher de andar livremente, necessitando de apoio. Como resultado, as senhoras andavam sempre acompanhadas do seu marido ou lacaio. Apesar das desvantagens das chopines propagaram-se como as restantes tendências, porém nunca

chegaram aos países nórdicos. Esta moda coincidiu com o pico de extravagância no mundo da moda, espalhando-se de Itália até Espanha, França e Suíça (Pendergast & Pendergast, 2004). Não só reduzia o equilíbrio e dificultava o andar como podia provocar lesões graves. Apesar de existirem sapatos semelhantes noutras culturas e com diferentes propósitos, nunca amontoaram a tal elevação nem o seu uso foi contagiante como o observado. Enquanto o salto tradicional nascido em França era utilizado por ambos os sexos, as chopines eram confinadas às senhoras, possivelmente por tornar impossível uma vida ativa e ajudando a acentuar as diferenças entre os sexos no espetro social.

Na mesma época, século XVI, surgiu a primeira forma de espartilho utilizada de forma a obter um perfil reto desde a zona do peito e do decote até à cintura, possuindo formas em V ou U. A sua estrutura era rígida devido aos materiais utilizados: madeira ou ossos de baleia. Ao contrário do espartilho esta primeira forma era parte do vestuário exterior, sendo ornamentado de acordo. Apesar de sair de moda durante algum tempo, quando o vestuário se tornou rígido novamente o espartilho reapareceu, desta vez com a missão de realçar o peito das senhoras e forçar a silhueta de ampulheta ao seu corpo. Este já pertencia ao vestuário interior, sendo necessário para o uso de vestidos da época e continuava a utilizar tiras de ossos de baleia para manter a sua estrutura afunilada. Como a maioria das mulheres possuía uma forma bastante diferente da imposta pelo seu espartilho, estes provocavam lesões na pele, fraturas nas costelas ou até danos internos aos órgãos nos piores cenários (Pendergast & Pendergast, 2004). O constrangimento do tronco provocava grande desconforto e até dificuldade de respirar, porém eram considerados essenciais para corresponderem aos padrões de beleza da época.

Colocando de parte os exemplos históricos, é possível denotar atualmente o uso de vestuário e calçado extremo, criando afirmações sobre a mulher e o feminino inseridos na sociedade contemporânea. Apesar do seu aspeto atraente, é ao mesmo tempo intrigante e inesperado, transferindo estas características para o seu utilizador e criando uma espécie de performance para os outros. Existe uma transição do normal para o extraordinário, destacando-se dos demais. O calçado, tal como os restantes itens de moda, encontra-se carregado de significados, escolhendo a mulher o par que se adequa mais à persona social que esta quer criar. Porém, relacionam-se diretamente com a pele da utilizadora, criam uma relação de maior proximidade relativamente a outras peças de vestuário. Posto isto, existe uma relação emocional entre a utilizadora e o seu calçado, a escolha de um par novo é um processo intimo (Catalini, 2015). O desejo de utilizar e exibir algo fora do comum, que suscite interesse, que quebre convenções, sempre foi um dos motores da moda, incentivando à constante inovação e à constante atualização dos consumidores. Na história recente, o calçado extremo tem sido criado e produzido principalmente de forma a demonstrar a criatividade do designer. São como esculturas vestíveis, que seduzem e dão poder a quem os utiliza, satisfazendo as suas fantasias e escapando à realidade (Catalini, 2015). São criados para marcar a diferença, se bem que

dentro do socialmente aceitável, fazer o utilizador se destacar e sobretudo fazê-lo sentir-se especial.

Apenas alguns exemplos são suficientes de forma a perceber que o ser humano, principalmente a mulher, está disposto a grandes sacrifícios em prol do sentimento de pertença e adequação, bem como a distinção positiva, a realização das suas fantasias. Porém, não é respondido o porquê de optarem por itens que colocam a sua saúde em risco, e em especial, porquê o salto alto ser o objeto prominente para esta manifestação. Resta investigar as motivações para este tipo de adoção de indumentária.