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Modalização autonímica, modalização do discurso segundo, aspas e itálico

4 A construção discursiva dos eventos pela mídia: sua nominação e

4.2 A representação das vozes no texto midiático

4.2.1 As tendências de transmissão ativa dos discursos (outros) de outrem

4.2.1.2 Modalização autonímica, modalização do discurso segundo, aspas e itálico

Como já foi dito, o sujeito utiliza-se de diversas formas para marcar o outro no discurso, seja a partir de esquemas mais comuns – DD e DI – seja por meio de suas variantes que revelam outras tendências de apreensão do discurso de outrem. A teórica francesa Authier-Revuz (2004), denominando a inscrição do outro no discurso de “heterogeneidade mostrada”, explica que existe uma forma mais complexa dessa heterogeneidade que engloba as formas marcadas da conotação autonímica. Nessas formas, as quais designam o “estatuto outro”, não existe a ruptura do discurso com o seu autor que, ao mesmo tempo, aparece como se tivesse observando as próprias palavras que emprega, marcando-a por aspas, itálico e grupos modalizadores. No entanto, para Maingueneau (2004), a modalização autonímica se caracteriza não por limitar as palavras com qualquer sinalização, mas por reunir os procedimentos por meio dos quais o enunciador desenvolve seu discurso para comentar sua fala, enquanto a mesma está sendo produzida.

A teórica francesa Authier-Revuz (1995) realizou vários estudos sobre o que denomina de “modalizações autonímicas”, definidas como desdobramentos metaenunciativos da própria enunciação. Por meio delas, podemos representar explicitamente ou não o dizer e realizar comentários sobre as enunciações outras. Entre os tipos de modalizações autonímicas, há um conjunto de formas analisadas como “modalização transparente do discurso segundo” (AUTHIER-REVUZ, 1995) ou “modalização do discurso segundo” (MAINGUENEAU, 2004), caracterizadas pelo emprego de expressões como “segundo X”, “para X”, “como diz Y”, “para usar as palavras de X”, “de acordo com Y”, as quais aparecem quando um enunciador refere-se a outrem dentro do seu próprio discurso.

Acerca desse esquema, Maingueneau (2004) afirma que a modalização do discurso segundo corresponde a uma forma mais simples e “discreta” para o enunciador indicar que não é o responsável pelo enunciado. O sujeito apóia-se no discurso que está citando, utilizando expressões que fazem parte do grupo de modalizadores – “como dizem”, “conforme Y” –, que possibilitam ao enunciador comentar as falas relatadas, isentando-se, ao mesmo tempo, de assumir o que relata. Dessa forma, o autor mostra que está apenas se apoiando na enunciação citada, não sendo o responsável por ela. Para isso, o sujeito usa essas

expressões47 acompanhadas, algumas vezes, de um verbo no pretérito do indicativo, o que permite um maior afastamento do discurso citado. Maingueneau (2004) assinala ainda que esses modalizadores demarcam uma mudança de ponto de vista, podendo aparecer também acompanhado de aspas para isolar a citação: “intencionais ou não de parte do locutor, reconhecidos ou não pelo receptor, esses empréstimos, fragmentos...introduzem ao campo da heterogeneidade constitutiva do discurso” (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 17).

Entre outras formas de modalização autonímica, encontramos aquelas demarcadas por aspas, itálico e sinais tipográficos. De acordo com Maingueneau (2004), as aspas podem (1) indicar que as palavras não correspondem bem à realidade; (2) apresentar-se como um comentário acrescido ao enunciado; (3) chamar a atenção para o fato de que o enunciador emprega exatamente as palavras outras, por isso as está aspeando; (4) ser salientadas pelo enunciador, abrindo uma brecha em seu discurso, chamando a atenção do outro para que ele compreenda o motivo pelo qual está aspeando essas palavras; (5) transferir a responsabilidade do emprego das palavras para o outro. Assim, qualquer que seja o motivo do uso das aspas, é preciso que haja uma conivência entre o escritor e o leitor. Maingueneau (2004) explica que o primeiro usa as aspas onde o leitor imagina que ele deve colocar; ou então, em um local onde não se espera, a fim de surpreendê-lo, provocando algum estranhamento. O segundo, em contrapartida, deve conhecer o universo de valores do enunciador para obter a interpretação pretendida. Portanto, para desvendar o emprego das aspas em um texto, o leitor deve recorrer principalmente ao contexto, à situação de enunciação.

Não tão diferente, o itálico também é empregado na modalização autonímica. Entretanto, apesar de esses sinais serem usados com frequência e indistintamente, o itálico é preferido às aspas para acentuar palavras estrangeiras e chamar a atenção sobre alguma expressão. Já as aspas são mais usadas para indicar uma certa reserva do enunciador – uma distância diante de outras “vozes”, por exemplo. Em relação ao emprego dessas formas nos meios de comunicação impressos, Maingueneau (2004) afirma que os jornalistas empregam simultaneamente o itálico e as aspas nas citações em discurso direto.

Enfim, o itálico, as aspas, a MDS, o DD, DI, entre outras formas e variantes dessas tendências, inserem-se em um jogo discursivo que faz parte do “explícito”, da heterogeneidade mostrada, como “marcas de uma atividade de controle-regulagem do processo de comunicação” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 14, grifo da autora). Essas formas,

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Há também, conforme Maingueneau (2004), outros termos que caracterizam a MDS, como “talvez”, “manifestamente”, “provavelmente”, “felizmente”, “parece”, “de alguma forma”, os quais podem ser usados quando o sujeito quer tecer comentários sobre os discursos.

presentes na tentativa de demarcar o estatuto “outro” do estatuto “um”, designam no texto os fragmentos de heterogeneidade. Entretanto, para Authier-Revuz (2004), as remissões ao já- dito e os contatos discursivos nem sempre permanecem no campo do marcado. Elas inserem- se em um continuum que vai das formas mais delimitadas, passando pelas “sugeridas”, às menos marcadas, incertas da presença do outro. Nesse campo do explícito ao não-explícito, alcançando o horizonte da “presença diluída do outro no discurso” (AUTHIER-REVUZ, 2004), existem procedimentos que nos permitem reconhecer as palavras do outro, das quais nosso discurso não pode escapar.