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Modelo Cognitivo – Contextual

O modelo Cognitivo-Contextual de Grych e Fincham (1990, 1993), na linha dos modelos teóricos do Stress e Coping, enfatiza o papel mediador das interpretações dos eventos no ajustamento pessoal. O significado dos eventos deriva dos processos psicológicos que ocorrem durante o processo de appraisal da violência, que de acordo com esta

formulação teórica, é determinado pelas características do conflito, como a severidade, intensidade, qualidade de resolução e conteúdo e factores contextuais, como as características relacionadas com a criança, nomeadamente, o seu nível desenvolvimental, o género e relação com os pais. O modelo enfatiza a dimensão cognitiva do processo de avaliação, na medida em que as emoções resultam do processamento cognitivo, no entanto, a capacidade de regulação emocional das crianças também constitui um factor importante ao dar cor às percepções. Assim, cognição e emoção surgem como interdependentes e juntas moldam o significado da violência para a criança. O processo de appraisal é contínuo, não cessa mesmo quando a violência termina. As crianças podem ruminar sobre a interacção e elaborar ou mudar a sua compreensão da violência.

Os autores especificam três tipos de cognições particularmente determinantes na mediação das reacções emocionais e comportamentais das crianças: o grau da ameaça percebida, as atribuições de causa e culpa pelo conflito e expectativas de eficácia de coping (Grych & Fincham, 1990, 1993). Compreender as causas e consequências dos eventos significativos, particularmente os que são ameaçadores e aversivos, pode ser adapatativo porque permite desenvolver a capacidade do indivíduo de responder efectivamente, antecipar o comportamento dos outros e prever os eventos subsequentes (Van de Broek, 1997; cit. por Grych & Cardoza-Fernandes, 2001) e pode desempenhar um papel importante em determinar o foco dos esforços de coping do sujeito (Doherty, 1989; cit. por Grych & Cardoza-

descrença na capacidade de coping podem exacerbar o carácter stressante dos eventos.

Especificando, conflitos severos e intensos estão associados a elevada percepção de ameaça, a atribuições de culpa e baixas expectativas de eficácia de coping (Grych, 1998; Grych & Fincham, 1990, 1993; Grych & Cardoza-Fernandes, 2001). A ameaça percebida é ainda afectada pelas expectativas de eficácia de coping. O conflito é avaliado como menos ameaçador quando a criança se sente capaz de responder efectivamente (Grych, Seid & Fincham, 1992). Vários estudos documentam a relação entre appraisal de ameaça, culpa e baixa expectativa de eficácia e o desenvolvimento de problemas de internalização nas

crianças (Cummings & Davies, 1994; Grych & Fincham, 1990, 1993). O sentir-se ameaçado e a incapacidade de coping com a violência pode conduzir a sentimentos persistentes de tristeza e ansiedade. A criança que percebe o conflito como ameaçador desenvolve preocupações persistentes acerca do seu bem-estar físico e emocional, do futuro e sobre a impossibilidade de ter relações familiares estáveis e harmoniosas. Por sua vez, as crianças que acreditam ser responsáveis pela violência experienciam culpa, tristeza, e baixa auto estima. Dado que a criança é muitas vezes fonte de desacordo e tende a inferir responsabilidade quando o conteúdo lhe diz respeito (Grych & Fincham, 1990, 1993) há amplas oportunidades para a criança fazer este tipo de appraisal. Além disso, a culpa reflecte a crença de que a criança é responsável por acabar ou prevenir a violência, sendo que, quando são incapazes de tal, desenvolvem um sentimento de desesperança.

A literatura indica que o género constitui um factor contextual de relevo, na medida em que as diferentes experiências de socialização influenciam como as crianças percebem e respondem à violência. Em alguns estudos, os rapazes relatam maiores níveis de culpa do que as raparigas e mostram consistentemente relações entre culpa e comportamentos de

internalização. Estes resultados sugerem que as experiências de socialização dos rapazes que enfatizam a acção perante o stress conduz a maior responsabilidade para acabar com a

violência. As raparigas por sua vez, podem estar mais capazes em reconhecer que não são responsáveis pela violência (Grych, Fincham, Jouriles & McDonald, 2000). Por sua vez, Kerig (1998), verificou que as percepções de culpa e ameaça moderam as relações entre a violência interparental com problemas de externalização para os rapazes e internalização para as raparigas.

O nível desenvolvimental das crianças também influencia o appraisal da violência. A capacidade de compreender interacções sociais complexas é contingente ao nível do

desenvolvimento cognitivo sendo que, com o avançar da idade, as percepções das crianças das causas tornam-se tremendamente diferenciadas e sofisticadas, mudando gradualmente de factores observáveis e próximos como o seu comportamento, para factores mais psicológicos e distantes, como característica de personalidade dos pais (Miller & Aloise, 1989; cit. por Grych & Fincham, 1993). Crianças mais novas reportam mais ameaça, o que pode ser

explicado pela dificuldade em compreender as causas e implicações da violência, tendência de auto – culpabilização, que pode derivar do egocentrismo característico das crianças nesta faixa etária e menor esperança e optimismo sobre os resultados de coping, o que pode reflectir um repertório limitado.

Os autores alertam ainda para o facto de o modo como a criança percebe, compreende e recorda as interacções violentas afecta o modo como responde a conflitos subsequentes, fora ou não do contexto familiar (Davies & Cummings, 1994; Grych & Cardoza-Fernandes, 2001). Uma função principal dos modelos de funcionamento é ajudar o indivíduo a predizer o que vai acontecer em determinadas situações. As crianças que esperam que a agressão ocorra quando os pais se zangam podem sentir-se ameaçados ao primeiro sinal de discórdia e exibir maior reactividade a episódios posteriores de conflito (Grych, Wachsmuth-Schlaefer & Klockow, 2002). A investigação tem demonstrado de forma consistente que observar formas hostis e agressivas de violência interparental torna as crianças mais stressadas quando

testemunham conflito posterior, dando força à ligação entre as experiências a priori com o conflito e o appraisal de novos episódios de violência.

Considerações Finais

Da revisão feita, ficou claro que no plano empírico, embora a diversidade comece a surgir, os estudos neste domínio têm-se dirigido principalmente para a caracterização do fenómeno, sobretudo ao nível do impacto no ajustamento psicológico das crianças e na análise dos factores que influenciam o grau em que as crianças são afectadas. Sentimos, por isso, que outras abordagens e aproximações ao objecto de estudo são possíveis e necessárias, quer porque o desconhecimento da comunidade científica acerca do tema continua a ser amplo, quer porque as questões que se colocam neste domínio continuam a ser muitas e de natureza distinta. Uma das áreas ainda pouco exploradas diz respeito às representações das crianças sobre a violência e ruptura familiar. A investigação fornece ainda pouco insight sobre a perspectiva das crianças e sobre o modo como estas lidam com os eventos violentos e com a ruptura do sistema familiar (saída de casa e ingresso em Casa Abrigo). Pouco se sabe sobre o ajustamento psicológico das crianças em acolhimento e suas causas, o que nos tem

impossibilitado conhecer as interacções entre a violência experienciada, o processo de acolhimento e os padrões de ajustamento diferenciais das crianças. Importa por isso desenvolver esforços empíricos capazes de capturar as realidades das crianças sobre a sua experiência, com as suas categorias de significado, de forma a ancorar e sustentar o desenvolvimento de novas organizações teóricas.

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