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Se até aqui enfatizamos o papel desempenhado pelas funções latentes do trabalho, este novo modelo vai realçar o papel ocupado pela privação financeira (função manifesta), na fase do desemprego, não ignorando as características pessoais e de contexto onde os sujeitos estão integrados.

O modelo de restrição da acção ou agência pessoal apresentado por Fryer e Pain, 1984, contraria a ênfase colocada na privação dos benefícios latentes e enfatiza a forma como o indivíduo interioriza a situação de desemprego. Salienta que o indivíduo por natureza é um agente activo e a situação de desemprego vai obrigá-lo a estar numa posição contra natura. Dito de outro modo, a situação de desemprego, por si só, vai impedi-lo de estar em actividade e limitá-lo a vários níveis. Se até à situação de desemprego o sujeito era responsável por desenvolver actividades, programar/planear acções futuras e tomar decisões, assumindo-se como proactivo e interferindo de forma lógica nos ambientes que contactava, com o desemprego estas capacidades são bloqueadas e restringidas (Fryer, 1988).

Ao contrário de Jahoda, considera-se que a principal consequência nefasta do desemprego é a perda do benefício manifesto, que consequentemente leva os desempregados a experienciarem situações de pobreza. Estas irão impedi-lo de alcançar um futuro melhor e consequentemente ser o principal motivo para a redução da saúde mental. O facto de o indivíduo estar desempregado faz com que a sua essência activa e proactiva fique limitada, a limitação financeira irá originar dificuldades económicas e limitações no acesso a recursos importantes para a sua evolução futura (Fryer & Payne, 1986; Fryer, 1988).

As duas abordagens acima explicadas, quando analisadas em conjunto e de forma interdependente, contribuem significativamente para a explicação do bem-estar psicológico dos desempregados. Confirma-se assim que os benefícios manifesto e latentes do trabalho, possibilitam em conjunto, explicar de alguma formam a variação do bem-estar psicológico dos desempregados (Creed & Macintyer, 2001). De facto, estas propostas conduzem-nos a uma análise mais abrangente do trabalho e das consequências da situação de inactividade, acabando por dar mais ênfase aos benefícios latentes na vivência da referida situação do que a privação financeira.

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2.4. Revisão da investigação

Considerando os modelos teóricos relatados anteriormente, de Jahoda e Fryer, vários autores usaram uma escala, a qual apelidaram de Lamb scale (Sousa-Ribeiro & Coimbra, 2008) para realizar a medição da percepção de privação no acesso aos benefícios manifestos (disponibilidade financeira) e latentes (estruturação do tempo, contacto social, propósito colectivo, estímulo à actividade e estatuto) relacionados com o trabalho. No presente ponto, realiza-se uma breve resenha de alguns estudos que foram realizados através da Lamb Scale, sobre o acesso aos benefícios manifesto e latentes em situação de inactividade/desemprego. As evidências empíricas têm demonstrado que os sujeitos em situação de inactividade/desemprego experienciam uma menor estruturação de tempo em comparação com os activos (Wanberg, Griffits & Gavin, 1997). Também apresentam baixos níveis de actividade (Waters & Moore, 2002), baixo envolvimento em actividades sociais (Underlid, 1996) e pouco envolvimento no propósito colectivo, conduzindo à percepção de um baixo estatuto (Creed & Muller, 2003 cit. in Creed & Watson, 2003). Para reforçar Goede, Spruijt, Maas e Duindam (2000) constataram que a situação de desemprego leva a uma diminuição das oportunidades de contacto social e partilha de experiências e saberes, levando a uma redução da rede de relações de apoio social. Relativamente à restrição financeira existem evidências empíricas que demonstram que as mulheres sofrem um maior impacto do que os homens (Waters & Moore, 2002), havendo no entanto outros estudos que referem que não encontraram diferenças significativas entre homens mulheres na privação financeira ou bem-estar psicológico (Creed & Macintyre, 2001). Jackson (1999) demonstrou que os desempregados vivenciam um menor suporte financeiro e como tal apresentam níveis baixos de envolvimento em actividades sociais, reforçando que o salário desempenha um papel fundamental na manutenção do bem- estar.

Quanto ao impacto, em termos de género, as investigações não são consensuais, verificando-se que a situação de inactividade/desemprego é percepcionada como mais desgastante nos homens do que nas mulheres, uma vez que estas se encontram ocupadas com as tarefas domésticas (Kauffman & Fetters, 1980; Lahelma, 1992). Porém, há estudos que contradizem este registo (Warr et al., 1985; Warr & Payne, 1983) e outros que não encontraram diferenças significativas (Creed & Watson, 2003). Com a crescente igualdade de oportunidades e cada vez maior na participação da mulher no

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mercado de trabalho, é esperado que as mulheres experienciem níveis de privação económica tão elevados como os homens.

Em relação a estudos desenvolvidos junto de jovens adultos diplomados com qualificação superior, em situação de desemprego, confirma-se que o grupo de indivíduos que vivencia experiências de desemprego mais prolongadas difere significativamente dos outros, apresentando níveis mais elevados de percepção de privação global e específica no acesso às dimensões do propósito colectivo, contacto social e estatuto. Os resultados também apontam que a idade não influencia de modo significativo a experiência de bem-estar nem a percepção de privação no acesso aos benefícios, a não ser nas dimensões estruturação do tempo e contacto social. Efectivamente, os indivíduos mais jovens experienciam níveis mais elevados de privação na estruturação do tempo do que os mais velhos, todavia os mais velhos experimentam níveis menos elevados de percepção de privação no contacto social do que os mais novos (Paulino, 2008).

Por sua vez, num estudo desenvolvido com indivíduos com poucas habilitações profissionais (menor ou igual ao 9º ano e 12ºano), mas com a possibilidade de estarem ou não integrados em percursos formativos, verificou-se que os que não frequentam percursos formativos apresentam níveis mais elevados de percepção de privação no acesso aos benefícios latentes e manifesto do que os desempregados em formação, exceptuando a dimensão da privação financeira que ocorre em sentido contrário. Ainda segundo a autora, existem diferenças significativas nos níveis de percepção de privação no acesso aos benefícios manifesto e latentes associados ao trabalho entre sujeitos desempregados à mais de um ano e os desempregados que estão integrados em processos formativos, nas subescalas de privação financeira, estruturação do tempo e estímulo à actividade (Martins, 2010).

Concluída a contextualização da problemática e a apresentação do enquadramento teórico, no próximo capítulo explorar-se-á dados que nos permitem conhecer o impacto da artrite reumatóide na percepção da qualidade de vida e na percepção das funções manifesta e latentes do trabalho, uma vez que representa o cerne da presente investigação. Neste sentido, considerou-se pertinente explorar o modo como os indivíduos com artrite reumatóide e indivíduos saudáveis percepcionam as questões da qualidade de vida e as funções manifestas e latentes do trabalho, problema estruturante da presente investigação, cuja metodologia se apresenta no capítulo seguinte.

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Capitulo III – Metodologia

O presente capítulo pretende explicitar os procedimentos metodológicos usados ao longo desta investigação. Realizar-se-á uma descrição e justificação das opções metodológicas, identificando-se o objecto e objectivos da investigação, instrumentos utilizados e a caracterização da amostra (procedendo à caracterização sociodemográfica e clínica a qual inclui pacientes com artrite reumatóide e um grupo de indivíduos “saudáveis/normais”).