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IV. Conclusões

2. Modelo de gestão

3. Centralização, Descentralização e Conceito de “Local”

4. Intersetorialidade

5. Negociação e Controle Social

Cada um dos pontos será aprofundado a seguir.

8 Um estudo interessante que destaca esta postura inovadora de sucessivas gestões estaduais no governo do estado

do Ceará foi realizado por Tendler, J. “Bom Governo nos Trópicos: Uma Visão Crítica”, Revan/ENAP, Brasília, 1998.

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1. POLÍTICA DE SAÚDE E O PAPEL DO NÍVEL

ESTADUAL

Em relação ao caráter de política pública a proposição dos sistemas microrregionais de serviços de saúde restabelece a idéia de parceria e cooperação entre os níveis da federação. O nível estadual assume-se como co-responsável na implementação de políticas descentralizadas de saúde.

A idéia central é a de “unir a força dos municípios” e que expressa bem esta postura do nível estadual de assumir o seu papel de coordenador no espaço intraestadual e supramunicipal. Isto fica bastante claro em uma das falas do Secretário Estadual da Saúde, quando coloca: ”por quê não sentarmos com todo o corpo técnico dos municípios e com os Prefeitos e discutir essa questão, a tal ponto que nós possamos negociar e, conseqüentemente, investir um pouco mais nas unidades ou nos serviços e fazer com que essa Microrregião se torne auto-suficiente pelo menos até a atenção secundária?”

Estabelece-se assim uma clara distinção entre os conceitos de descentralização e municipalização colocada na perspectiva de se “manter a descentralização sem nenhum prejuízo para os municípios, mas fortalecendo os municípios, fortalecendo o Estado, fortalecendo o Sistema e beneficiando mais a população”.

Partindo desta diretriz a SESA começou um processo de capacitação dos gestores municipais na área da saúde, processo este que envolveu tantos os técnicos que atuam nos municípios quanto os que atuam no nível estadual. Esta capacitação teve como objetivo central desenvolver as habilidades necessárias para que estes técnicos passasem a atuar em todas as suas atividades com uma “visão microrregional”.

Foram definidos alguns focos estratégicos de atuação da SESA, figurando entre eles, com destaque, a “cooperação técnico-financeira; a articulação e integração política, institucional, intersetorial; e a atenção integral à saúde da população”.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 1 / 2 0 0 1 Num momento em que a maior parte dos governos estaduais encontra-se em crise quanto ao seu papel no âmbito da descentralização, a SESA demonstrou claramente “ter” uma política estadual de saúde, buscando integrar a participação do Conselho Estadual de Saúde e a sociedade em sua formulação. Preocupou-se em viabilizar a implantação desta política através da organização de um sistema de informações e da formação profissional. Sobretudo procurou implantar esta política de forma descentralizada e buscando a cooperação SESA/Secretarias Municipais de Saúde.

A política de saúde definida pela SESA procurou romper com a visão medico- hospitalocêntrica dando ênfase à promoção da saúde com um foco mais coletivo que individual. Partiu-se do entendimento que “sem organização da atenção primária nós não teremos uma atenção secundária fortalecida e consolidada”.

Neste sentido cabe ser destacada a ênfase dada a formatação de programas inovadores e, em alguma medida experimentais, de organização da atenção primária. O melhor exemplo é o Programa Agente Comunitário de Saúde - PACS - uma experiência que praticamente nasceu no Estado do Ceará e que conseguiu “ levar às populações mais distantes e mais carentes, um profissional que pudesse dar algumas orientações que pudessem impactar - principalmente em situações voltadas à mortalidade infantil no nosso Estado - que eram as questões ligadas à diarréia e às infecções respiratórias infantis”.

Apoiado nos resultados positivos da atuação do PACS, a SESA elegeu a estratégia da implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em todos os municípios para organizar a atenção primária no Ceará, já que constatou-se que somente se a atenção primária (PSF) funcionar bem serão garantidos mecanismos de acompanhamento bastante próximos das necessidades da população, iniciando um processo que “vem de baixo para cima - vai subindo... ( e pode ser que um dia chegue ao nível federal)”.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 1 / 2 0 0 1 A política de saúde adotada também denota uma ênfase em resultados efetivos e uma postura de co-responsabilização do nível estadual - expressa na intenção de se “desenvolver instrumentos e ações que possam assegurar que essa população tenha a garantia da qualidade de vida que se busca no nível estadual”. Isto significa assumir efetivamente o papel do nível regional num estado federativo – fazer a coordenação no espaço intraestadual e supramunicipal a fim de evitar desequilíbrios regionais e dar um apoio especial às localidades mais carentes.

Com a implantação das microrregiões o nível estadual atuou preparando e apoiando a descentralização, garantindo maior transparência na pactuação e repactuação dos recursos e responsabilidades. “A responsabilidade do município é a atenção primária, e atenção secundária é responsabilidade ( no momento) ainda do Estado. Então quando for repactuado, aí é que o município passará a ter a responsabilidade secundária.”

Por fim, a devida ênfase na questão da preparação de gente para dar sustentabilidade à proposta. Para o Curso de Aperfeiçoamento de Gestores, por exemplo, a Escola de Saúde Pública da Secretaria Estadual de Saúde teve papel fundamental. Deve-se destacar a importância de se ter uma escola envolvida com a política de saúde proposta, com uma vinculação orgânica à rede de prestação de serviços e procurando atender às demandas da SESA. Deve-se destacar, ainda, o esforço em desenvolver e adaptar metodologias aos resultados esperados da política de saúde.”Esse curso não é um curso para capacitação. É mais uma tentativa de organizar o serviço. Ele tem um produto bem definido”.

2. MODELO DE GESTÃO

Em relação ao modelo de gestão percebe-se um esforço em unir uma reorganização da atenção e dos serviços de saúde ao desenho organizacional da SESA. Definiu-se uma estratégia de ação e buscou-se a estrutura adequada para viabilizá-la. Isto

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 1 / 2 0 0 1 parece bastante óbvio ou natural, mas não raro verifica-se a definição de diretrizes arrojadas que acabam sendo inviabilizadas por inadequação da máquina administrativa (pessoas, valores, cultura organizacional, estrutura de cargos e funções). Em outras palavras é mais fácil ter-se posturas avançadas ou elaborar políticas públicas inovadoras que efetivamente garantir a efetiva implementação das ações propostas.

Partiu-se, ainda, para a definição desta política de um diagnóstico amplo – considerando-se desde a postura do governador, secretários municipais de saúde até cidadãos nas filas das unidades. Ou seja, ao invés de uma postura “tecnicista” – contratar o “melhor planejador” e fazer o “melhor plano”, procurou-se garantir a legitimidade e o enraizamento da proposta9.

Na busca de dar real sustentabilidade ao modelo de gestão proposto realizou-se investimentos em informatização, redesenho e racionalização das ações. Também percebeu-se a importância estratégica de dar-se ênfase à dimensão gestão: “mudamos talvez vinte e cinco por cento dos gerentes, já nessa perspectiva de trazer pessoas que tenham um perfil gerencial, não necessariamente só técnico”. Como colocou um de nossos entrevistados: “a estrutura da secretaria teve a visão microrregional”.

Entre o desenho final das microrregiões e a sua operacionalização a SESA “realiza dois movimentos táticos: um para adequar sua estrutura organizacional à missão de gestão do sistema estadual de saúde com foco na função de regulação para a eqüidade pautada na pactuação com o nível local, o outro para viabilizar a implantação de 21 sistemas microrregionais de serviços de saúde”.

9 Para uma crítica desta visão tecnicista ver Mintzberg, H. “The Raise and Fall of Strategic Plannining, Prentice

Hall, 1994; além dos diversos trabalhos de Matus, C. dos quais destacamos “Política, Planificação e Governo”, Brasília, IPEA, 1993.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 1 / 2 0 0 1 Busca-se uma intervenção “real” e negociada na área da saúde, e não apenas formulações expressas “no papel”. Procura-se garantir a proximidade com as condições efetivas de sobrevivência, ao mesmo tempo que busca-se uma ênfase na resolução efetiva dos problemas de saúde, começando pela atenção primária.

Simultaneamente realiza-se uma reorganização no território e inicia-se um processo de racionalização da prestação dos serviços de saúde. “Quando descentralizamos para municipalização autárquica - hoje, fazendo essa avaliação - alguns serviços ficaram em excesso e outros em falta. Um fator fundamental era exatamente rediscutir essa relação, o que estava em excesso, mal utilizado, deficitário, com dificuldades, e aqueles que precisavam ser implementados no nível microrregional”.

O principal aspecto a ser destacado, além da reorganização dos serviços num sistema de referência/contra-referência claro, num território geográfico mais “lógico” e prático, é a conseqüente melhor resolutividade nas ações de saúde em nível secundário. Houve ganhos de escala, maior qualidade, resolutividade.

Para consolidar este processo não foram poupados esforços em termos de capacitação e formação de recursos humanos com uma visão estratégica. Percebe-se como a equipe está integrada e preparada para a implementação da política de saúde proposta. O discurso é afinado, a informação disseminada, “falam a mesma língua”.10

A proposta de se implantar uma forma realmente nova de se pensar a organização dos serviços de saúde parece ter sido altamente bem sucedida. Buscou-se iniciar um processo de efetiva mudança na cultura organizacional dos gestores da saúde, trabalhando a questão de seus valores, crenças e ideologias.

10 Um estudo interessante que coloca a questão da disseminação da informação como um fator estratégico para

garantir a flexibilização da gestão é o consagrado trabalho de Morgan, G. “Images of Organization”, Sage, London, 1996 – especialmente no capítulo “Organizações vistas como Cérebros”.

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RE L A T Ó R I O D E PE S Q U I S A Nº 5 1 / 2 0 0 1 A ênfase nos aspectos simbólicos e intangíveis da gestão não descuidou, tampouco, do lado subjetivo e das questões de poder presentes em qualquer grupo social. Assim, “um lado afetivo, da descoberta, do sentimento de pertencer, do que eles têm em comum, a origem deles - quer dizer, tem um lado que eu chamaria lado afetivo mesmo, a questão um pouco romântica mas que é importante nesse processo”. Também enfatizou –se a dimensão política “porque trabalhamos lidando com o jogo de interesses, e vamos ter todo um processo de pactuação que as microrregiões vão ter que dar conta, e a PPI também”.

Efetivamente observou-se ganhos qualitativos no processo de pactuação: “Nós costumeiramente fazíamos uma PPI baseada em ofertas de serviços, quem tinha mais serviços “apertava” mais e com isso barganhava mais recursos. Com a microrregião despojamos dessas coisas e discutimos assim: esse é o bolo de dinheiro que tem na microrregião. O quê fazer dele, para onde vai e como vai, e quem recebe o quê. O compromisso é político, se compromete em resolver”.

Verificou-se avanços também nos esforços de priorização, ação essencial para garantir melhores resultados e maior eqüidade, uma vez que consegue-se partir das “necessidades reais, dentro das áreas de controle que nós iremos atuar no município, ou seja, o quê era prioridade para o município, quais eram os problemas: era tuberculose, era hanseníase, era imunização, era atenção à saúde da mulher? Qual era o problema mais gritante? Então selecionamos cinco áreas, quatro, cinco áreas de prioridade. Nós traçamos os procedimentos que iríamos precisar dentro delas e depois desses procedimentos nós fomos para a mesa de negociação, ou seja, entre gestores dizer quem faria o quê”.

Por fim esta postura inovadora evitou o isolamento e garantiu permeabilidade à uma discussão mais geral que se processa em âmbito mundial: a questão da reforma do Estado. “Sentimos, evoluímos, estamos lá na Microrregião; estamos discutindo uma perspectiva de organizações sociais, de cooperativa ou, quem sabe, consórcios”.

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3. CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E O

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