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A vulnerabilidade desta população pode ser considerada um traço latente, i.e., que para se conhecer o pesquisador depende de outras variáveis que indiquem a condição ou característica. Assim, o estudo da vulnerabilidade é possível de forma indireta, através de itens que forneçam informações sobre comportamentos e situações de risco. A heterogeneidade da população deve ser considerada ao avaliar a participação de cada indivíduo e a informação de cada item na construção do perfil de vulnerabilidade. Isto significa dizer que pode haver grupos distintos na população, típicos, mas que nem todos os indivíduos, necessariamente, devem ter similaridade total a um único grupo, apresentando, assim, graus de similaridade que podem ser parciais a mais de um conjunto.

O Modelo de Grade of Membership – GoM, ou grau de pertinência, é uma técnica de classificação multivariada, baseada na teoria dos conjuntos nebulosos (fuzzy sets), que visa superar a teoria clássica dos conjuntos (crisp sets), onde se apresenta o problema da classificação limitada a um único conjunto. Esta teoria de conjuntos nebulosos permite uma aproximação maior do mundo real, onde existe algum grau de “nebulosidade” ou de “inexatidão”, podendo um indivíduo ser classificado em diferentes grupos ou perfis através de escores atribuídos (graus de pertinência) a cada um dos perfis (MANTON, WOODBURY & TOLLEY, 1994).

O GoM fornece informações sobre classificação na forma de “tipos puros”, denominados pelo símbolo λkjl (lambda), que representa a probabilidade de que o nível de comportamento l da variável j será atribuído a alguém com completa pertinência ao perfil k. O modelo também atribui aos indivíduos graus de pertinência em cada um destes tipos puros através de um parâmetro chamado gik (g – grau de pertinência, i – indivíduo e k tipo puro), que varia de 0.0 (completa falta de pertinência a um grupo) a 1.0 (pertinência total a um grupo). A maioria dos indivíduos geralmente pertence a mais de um grupo. O GoM possibilita não apenas que se conheça esses conjuntos ou perfis extremos da população, mas também avalia a heterogeneidade individual, através de um parâmetro para cada indivíduo da população, que representa o grau de pertinência de cada indivíduo a cada perfil formado.

Este modelo de análise já foi aplicado em várias situações, como em um estudo avaliando a vulnerabilidade entre pacientes iniciando o tratamento anti-retroviral (BONOLO et al., 2005). BEISER, CARGO & WOODBURY (1994) mostraram as potencialidades do modelo GoM para estabelecer equivalências psicopatológicas nos pacientes de diferentes grupos etnoculturais. Em um estudo piloto internacional, patrocinado pela Organização Mundial de Saúde, MANTON et al. (1994) mostraram que uma classificação psiquiátrica baseada no modelo GoM identificou com maior clareza pontos fundamentais do processo do transtorno mental, do que classificações baseadas em outros modelos multivariados convencionais. CASSIDY et al .(2001), por exemplo, apresentaram a utilidade do GoM para validar os subtipos de mania no transtorno afetivo bipolar. SZÁDÓCZKY et al. (2002), estudaram os padrões de sintomas depressivos e ansiosos, encontrando resultados que demonstraram a heterogeneidade dos quadros na comunidade.

Podem ser encontradas ainda outras importantes aplicações do modelo GoM nas áreas de mortalidade em saúde (PEREIRA, 2005). SAWYER & BELTRÃO (1992) investigaram perfis de famílias mais saudáveis e menos saudáveis. MACHADO (1997) utilizou o modelo GoM para definir perfis de morbimortalidade para menores de um ano, no estado de São Paulo, tendo em vista a similaridade dos indivíduos a dois ou mais perfis de condições mórbidas.

O estudo de vulnerabilidade a determinadas doenças como a AIDS é, sem dúvida desafio bastante atual para pesquisadores da área da saúde. A identificação de perfis de vulnerabilidade de populações das regiões Nordeste e Sudeste brasileiras foi feita por BARBOSA (2001), com o uso do modelo GoM, a partir de um conjunto de atributos pessoais e comportamentais dos indivíduos, bem como de características das comunidades em que os mesmos se inserem.

AYRES et al.(2003) aponta a lógica fuzzy como um notável progresso dos recursos computacionais, capaz de fortalecer a vocação do quadro da vulnerabilidade para melhor configurar a modelagem epidemiológica, ao “resgatar a dignidade epistemológica das relações partes-todo na apreensão teórica dos fenômenos da saúde coletiva”. Não há registro de estudo publicado relacionado à análise de perfis de vulnerabilidade em usuários de saúde mental utilizando o GoM.

O Projeto PESSOAS (Pesquisa de Soroprevalência de AIDS em Saúde Mental) é um Estudo Multicêntrico Nacional de soroprevalência da infecção pelo HIV, Sífilis, Hepatites B e C em instituições públicas de atenção em saúde mental sob a coordenação do Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em Saúde (GPEAS-DMPS-UFMG) com o apoio do Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de DST/AIDS e Coordenação Técnica de Saúde Mental.

Trata-se de uma pesquisa de corte transversal, com o objetivo de investigar aspectos da vulnerabilidade para infecção pelo HIV e outras DST em usuários de serviços de saúde mental no Brasil, por meio de entrevista semi-estruturada, pesquisa em prontuário, coleta de sangue e testagem sorológica (ELISA e Western-Blot para o Anti-HIV; HbsAg, Anti-Hbc total e Anti-Hbs para hepatite B; Anti-HCV para hepatite C; VDRL e FTA-Abs para sífilis), aplicação de questionário sobre serviços e um enfoque qualitativo complementar. Serão avaliados 3.400 pacientes hospitalizados ou inscritos em serviços substitutivos, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), excluindo Centros de Atenção para Usuários de Álcool e outras Drogas e Centros de Atenção para Infância e Adolescência (CAPSad e CAPSi). Os pacientes serão selecionados de 26 instituições, ponderando por região do país, tipo de serviço de saúde mental e distribuição de casos de Aids notificados (GUIMARÃES et al., 2004). Os usuários de serviços de saúde mental serão convidados a participar do estudo e serão incluídos após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Foi realizado um estudo piloto preliminar para avaliar a viabilidade e os instrumentos deste estudo. Esta dissertação enfoca um dos aspectos do piloto, i.e, a avaliação da entrevista semi-estruturada, quanto à confiabilidade e perfis de vulnerabilidade captados pelo instrumento.

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