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O MODELO LIBERAL PERIFÉRICO

No documento nelsonmachadopinhojunior (páginas 58-63)

2 CONSTRUÇÕES PÓS-CRISE DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO

2.3 O MODELO LIBERAL PERIFÉRICO

Consoante as diretrizes já abordadas acerca do novo desenvolvimentismo e sua proximidade com o liberalismo do Pós-Consenso de Washington, destacaremos a seguir o Modelo Liberal periférico (MLP), adotado por alguns países latino- americanos no final do século XX e início do século XXI (SAMPAIO JR, 2012).

Nesta seção apresentaremos os elementos centrais do que vem a ser o referido modelo a partir de algumas de suas maiores referências no Brasil: Gonçalves (2012) Filgueiras (2010 e 2014), Gurgel (2017) e Sampaio Jr. (2012). A seguir, apresentaremos a crítica que relaciona o MLP ao novo desenvolvimentismo e, por fim, abordaremos seus elementos constitutivos, na perspectiva dos autores mencionados.

O modelo liberal periférico tem como características centrais a liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro (SAMPAIO JR., 2012).

Para Filgueiras (2014), desde os anos 90 do último século, que países periféricos como o Brasil vêm implementando um novo padrão de desenvolvimento denominado modelo liberal periférico. Esta construção teórica pode ser encarada como a solução americana para a crise do capitalismo monopolista, de caráter ultraregressivo (SAMPAIO JR., 2012).

Tal fato se deve à desestruturação do modelo desenvolvimentista clássico em virtude da ruptura com seu padrão de financiamento, baseado no gasto público e endividamento externo como padrão de financiamento. O que provocou forte processo inflacionário e redução na capacidade de crescimento econômico (FILGUEIRAS, 2014).

Todavia, o novo padrão de desenvolvimento, apesar de manter a estratégia de dependência associada ao capital internacional, que ocorre no Brasil desde o Plano de Metas de JK, a partir do endividamento externo e incorporação de empresas estrangeiras em solo brasileiro, implicou em transformações estruturais de cunho econômico, político e social.

A partir das análises de Filgueiras (et al., 2017), Gonçalves (2012), Sampaio Jr (2012), sobre o que identificam como modelo liberal periférico implementado no Brasil, podemos sistematizar, de forma geral, as dimensões que apresentaremos a seguir: 1- a relação entre capital e trabalho 2- a relação entre as distintas frações do capital, 3- a inserção internacional – econômico-financeira – do país, 4- a estrutura e o funcionamento do Estado e 5- as formas de representação política.

Em relação às mudanças ocorridas na relação capital-trabalho, essas podem ser observadas a partir do processo de reestruturação produtiva das empresas, que enfraqueceu a capacidade política e de negociação da classe trabalhadora e de suas representações. Tal enfraquecimento ocorreu como produto do desemprego e de uma ampla desregulação do mercado, observado a partir do processo de precarização das condições de trabalho: formas de contratação instáveis – terceirização, contratos temporários –, extensão da jornada de trabalho, redução de rendimentos e benefícios, flexibilização de direitos trabalhistas e aumento da informalidade (FILGUEIRAS et al., 2010).

De modo breve, “a disputa capital/trabalho tornou-se mais favorável ao primeiro, em razão do aumento do desemprego e do enfraquecimento dos sindicatos, decorrentes da reestruturação produtiva” (FILGUEIRAS, 2014, p.35).

No que se refere à renda, no modelo liberal periférico, o montante relacionado aos rendimentos do trabalho, na renda nacional, perde espaço para o montante total dos rendimentos do capital, especialmente os juros do capital financeiro e as receitas fiscais do Estado.

Dessa forma, no tocante à relação capital-trabalho, a implementação do neoliberalismo em países de capitalismo periférico tem como resultado a

desregulamentação do mercado de trabalho e sua flexibilização, e o enfraquecimento do poder político e de barganha das entidades de representação dos trabalhadores, o que redefine, a favor do capital, a correlação de forças políticas (FILGUEIRAS et al., 2010).

No que tange à segunda dimensão, podemos observar, sob o olhar de Filgueiras (et al., 2010), que o modelo liberal periférico é fortemente atrelado ao processo de financeirização das economias e predominância da lógica financeira no interior dos processos de decisões. Tal processo revela-se como causa e consequência do fortalecimento dos grandes grupos financeiros, nacionais ou internacionais, e também do surgimento de novos grupos financeiros a partir de empresas de origem não financeira.

A abertura comercial, financeira e as privatizações, ocorridas sob o espectro neoliberal, levam à intensa centralização de capitais, através de aquisições, incorporações e fusões de grupos empresariais. Processo este associado à internacionalização e desnacionalização das economias nacionais. Dessa forma, os grandes grupos econômico-financeiros que conseguem se transnacionalizar aumentam sua participação na economia e, por consequência, seu poder político. O mesmo ocorre com frações do capital ligadas ao comércio exterior, como o agronegócio, no caso brasileiro, que se fortaleceu a partir da importância estratégica das exportações do setor como expressão da dinâmica neoliberal de inserção nos países periféricos6.

Desse modo, em síntese, “a relação entre as distintas frações do capital, a abertura comercial e financeira, junto às privatizações, deslocou a hegemonia econômica e política do capital industrial e do capital estatal, típica do MSI [modelo de substituição de importações], para o capital financeiro” (FILGUEIRAS, 2014, p. 35-36).

Acerca da inserção econômica do país no cenário internacional, o modelo liberal periférico se caracteriza pelo conjunto: abertura comercial, com queda das alíquotas de importação e da desregulamentação financeira, que resultou na integração do mercado financeiro nacional ao internacional. Nessa sistemática, intensifica-se um processo deficitário na balança de pagamentos dos países

6 Como exemplo de empresas brasileiras que se expandiram nesse processo de aquisições associado à sua internacionalização, que resultou no aumento de seu poder econômico e político, ver JBS – agronegócio – (MENDES, 2017), e a holding AB InBev, dona da cervejaria Ambev (AMBEV, 2018).

periféricos, o que implica, para manutenção do equilíbrio dos seus saldos, na privatização de empresas públicas. Contudo, para prosseguirem em busca de equilíbrio fiscal, esses países necessitam alcançar superávits na balança comercial, de forma que atinjam superávits primários e garantam a remuneração do capital financeiro internacional (FILGUEIRAS et al., 2010).

Todavia, esse processo de abertura comercial e valorização cambial alimenta um processo de desindustrialização, no qual setores associados ao uso intensivo de tecnologia perdem espaço para os produtos importados. Dessa forma, ocorre uma especialização regressiva da economia nacional, no qual o setor industrial que permanece relativamente forte, se caracteriza pelo baixo dinamismo das atividades, intensivas no uso de recursos naturais e mão de obra (FILGUEIRAS et al., 2010).

Em síntese, acerca da inserção internacional de um país periférico na tentativa de implementar uma política neoliberal, observa-se um processo complexo de reprimarização das exportações – agronegócio e indústria de baixo valor agregado – de um lado, e, de outro, a produção industrial típica da 2ª e 3ª Revolução industrial – automotiva, petroquímica etc. – integrada ou não a empresas transnacionais (GONÇALVES, apud FILGUEIRAS et al., 2010).

A esse respeito, nas palavras de Filgueiras (2014),

a abertura comercial e financeira, com a articulação/incorporação do mercado financeiro nacional ao mercado financeiro mundial, também redefiniu a inserção internacional comercial e financeira do país, transformando-o cada vez mais em um produtor/exportador de commodities agrícolas e minerais e em mais uma plataforma de acumulação para o capital financeiro internacional (p.36).

Em relação ao 4º ponto destacado por Filgueiras: estrutura e funcionamento do Estado; a redução da presença do mesmo nas atividades diretamente produtivas, fortalecendo grupos privados nacionais e internacionais, é fruto do processo de desregulamentação descrito anteriormente e reforço de uma estrutura de inserção periférica na dinâmica capitalista mundial. Além disso, propostas de reformas administrativas que visem a desburocratização e aumento da capacidade gerencial do Estado, flexibilizam as relações trabalhistas no setor público e facilitam as demissões que, somada à reformas na previdência pública, reduzem benefícios e direitos em nome do equilíbrio fiscal.

Ainda em relação à nova dinâmica do Estado, Filgueiras (et al., 2010) nos fornece elementar síntese descritiva do papel assumido pela instituição nacional:

a retirada do Estado de setores estratégicos da atividade econômica, juntamente com o agravamento da sua fragilidade financeira, a redução de sua capacidade de investimento e a perda de autonomia da política econômica, enfraqueceu-lhe a possibilidade de planejar, regular e induzir o sistema econômico. O crescimento acelerado da dívida pública – com encargos financeiros elevadíssimos –, juntamente com a livre mobilidade dos fluxos de capitais, é parte central da subordinação da política macroeconômica aos interesses do capital financeiro, ao mesmo tempo em que redefiniu a presença dos interesses das distintas classes e frações de classe no interior do Estado (p. 45).

Em outras palavras, Filgueiras (2014) assume que

a estrutura e o funcionamento do Estado foram redefinidos pelo processo de privatização das empresas estatais, seguida pela desregulação de uma série de atividades, bem como pela abertura financeira – que incorporou a rolagem da dívida pública ao circuito do capital financeiro em escala internacional (p.36).

Em relação ao último ponto destacado por Filgueiras (et al., 2010), referente às formas de representação política características de um modelo liberal periférico, pode-se observar a substituição do político pelo econômico ou pelo mercado. Essa despolitização das relações econômicas e sociais é um fenômeno operado no referido modelo, no qual “o social é substituído pelo econômico e o econômico pelo mercado” (p. 46). Essa “redução” da política é fruto, no plano ideológico, da maior influência dos mercados financeiros como reguladores da economia e, em última instância, da própria sociedade.

Dessa forma, o processo de desmobilização dos trabalhadores e desregulamentação do trabalho, Filgueiras (2014) infere que

o enfraquecimento do movimento dos trabalhadores e dos sindicatos decorrentes do processo de reestruturação produtiva, somado ao abandono do trabalho político de organização, implicou em um forte processo de transformismo do Partido dos Trabalhadores e de suas principais lideranças. Essa guinada, iniciada nos anos 1990, tornou-se evidente já no primeiro governo Lula e foi decisiva para a legitimação do novo padrão de desenvolvimento (p. 36).

Todavia, em relação a este último ponto, abordaremos melhor no capítulo 3 do trabalho.

Dessa forma, concluímos que esse novo padrão de acumulação, ora descrito como modelo liberal periférico, apresenta uma dinâmica de política macroeconômica que se caracteriza pela: vulnerabilidade externa estrutural, inserção passiva na economia mundial, instabilidade de sua macroeconomia e taxas de crescimento anuais baixas (FILGUEIRAS, 2014).

2.4 DESCONSTRUÇÃO DO NOVO DESENVOLVIMENTISMO À LUZ DO MODELO

No documento nelsonmachadopinhojunior (páginas 58-63)

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