• Nenhum resultado encontrado

Como já exposto, esta tese compara de que forma ocorreu a definição do problema, bem como o processo de elaboração de alternativas de políticas públicas de juventude no Brasil e no México para, com isso, compreender as semelhanças e diferenças na trajetória da política. O

grande expoente na literatura sobre agenda governamental é John Kingdon (2003)16. Para este autor, a agenda governamental é definida como o conjunto de assuntos sobre os quais o governo e pessoas ligadas a ele concentram sua atenção em um determinado momento.

A análise da formação de agenda visa compreender os mecanismos causais, relacionais e o contexto que explicam como um determinado tema adentra na agenda de governo. É possível compreender como ocorre a dinâmica da política e o papel dos atores sociais e políticos no processo da formulação. As contingências políticas e ações de governo são variáveis definidoras de determinada política pública. O modelo proposto por Kingdon (2003) considera a política pública com um ciclo composto por estágios. Dessa forma, a definição da agenda está dentro de um processo maior da formulação de políticas públicas, que inclui pelo menos: o estabelecimento de uma agenda; a especificação das alternativas; uma escolha final entre as alternativas específicas, por meio do Legislativo ou do presidente; e a implementação dessa decisão (KINGDON, 2003, p. 225). O autor pondera, no entanto, que o sucesso alcançado em uma etapa não implica o sucesso em todos os outros. Dessa forma, por exemplo, um item pode ocupar um lugar de visibilidade na agenda, sem que obtenha aprovação em instâncias de decisão, como no legislativo. Bem como, a sua aprovação não garante necessariamente a sua implementação pelos aparatos administrativos do Executivo.

Kingdon (2003) apresenta três tipos de agenda, constituindo uma tipologia para análise dos casos. São elas: a agenda não-governamental (ou sistêmica), a governamental, e a de decisão. A agenda não-governamental contém os temas e questões que são reconhecidos pelo público e atores, no entanto, sem receber atenção das autoridades governamentais. A agenda governamental é a lista de temas públicos reconhecidos como relevantes e, portanto, recebem atenção dos formuladores de políticas públicas. Como são muitos temas na agenda governamental disputando espaço e prioridade no orçamento e no tempo dos políticos, somente alguns problemas se destacam. Estes problemas constituem a agenda de decisão, ou seja, onde

16 Os estudos de agenda têm longa tradição na ciência política norte-americana, sendo os pioneiros Cobb e Elder

(1971). O termo agenda é definido por um conjunto de discussões políticas, compreendidas como questões legítimas e que chamam a atenção do público e do sistema político. Para esses autores, há dois tipos de agenda: a sistêmica e a governamental. A agenda sistêmica é o conjunto de questões que recebem atenção da sociedade e são entendidas como assuntos do governo. As questões se inserem na agenda sistêmica a partir do momento que chama a atenção da opinião pública, que passa a demandar do Estado ações para solucionar ou minimizar o problema. A agenda governamental é aquela formada pelas questões consideradas relevantes pelos políticos ou tomadores de decisão.

os problemas listados receberão atenção, recurso, tempo e ação dos gestores públicos17. É na agenda de decisão que se efetiva a formulação e implementação de políticas públicas. Nas palavras de Kingdon, “a agenda de decisão é a lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção, tanto da parte das autoridades governamentais como de pessoas fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades” (KINGDON, 2003, p. 222).

De acordo com o autor, a agenda de governo, ou a lista de temas que são objeto de atenção pelas autoridades governamentais varia de acordo com os diferentes setores do governo. Ele cita, por exemplo, o nível hierárquico do Poder Executivo. O presidente e seus assessores mais próximos têm em suas agendas os itens mais estratégicos e importantes em termos de dimensão nacional (crises internacionais, economia, decisões orçamentárias, pauta legislativa no Congresso Nacional). Existem as agendas especializadas, como as dos setores de políticas públicas – saúde, educação, transporte, meio ambiente etc. Mesmo dentro de um setor, por exemplo, a política de juventude, há agendas mais especializadas, listas de temas que dominam o setor em um determinado momento. Além dos temas que compõem a lista da agenda de governo, há também o conjunto de alternativas, isto é, as propostas de políticas públicas. Cada setor de política pública tem um conjunto de proposta de alternativas a serem avaliadas pelo governo. Para cada alternativa proposta tem um conjunto de atores com visões e interesses diferentes.

O processo de estabelecimento da agenda governamental filtra um conjunto de temas que poderiam de alguma forma disputar a atenção governamental. As perguntas que Kingdon realiza são: Por que alguns assuntos são priorizados nas agendas enquanto outros são negligenciados? Por que algumas alternativas recebem mais atenção do que outras? Segundo o autor, algumas respostas para esses questionamentos estão no papel desempenhado pelos participantes, que, segundo ele, são os que influenciam o estabelecimento das agendas e as especificações das alternativas.

Há três fluxos (streams) de processos que ajudam a compreender o ingresso de um tema na agenda de decisão: o dos problemas (problems), o das soluções (policies) e o da política (politics).

17 No original “We should also distinguish between the governmental agenda, the list of subjects that are getting

attention, and the decision agenda, the list of subjects within governmental agenda that are up for an active decision” (KINGDON, 2003, p. 4).

2.3.1 Fluxo dos problemas

Kingdon (2003), em sua análise, coloca a seguinte pergunta: Por que alguns problemas recebem mais atenção do que outros por parte das autoridades governamentais? O autor discute que há uma diferença entre situação e um problema. Segundo ele, as pessoas vivenciam constantemente diversas situações que lhes incomodam, sem que, no entanto, tais situações sejam objeto de ação por parte dos governos. Em função da grande quantidade de situações problemáticas e a incapacidade de resolver ou pelo menos lidar com elas, a atenção dos formuladores de políticas depende da forma como eles percebem e interpretam essas situações e, sobretudo, como essas situações são definidas como problemas. Tais circunstâncias passam a ser consideradas como problemas quando as pessoas ou atores sociais acreditam que devem se mobilizar para mudar tal situação.

As situações se transformam em problemas, chamando a atenção dos formuladores de políticas por meio de três mecanismos: indicadores; eventos, crises e símbolos; e o retorno das ações do governo. Os indicadores servem para demonstrar a existência e a abrangência de uma determinada situação (por exemplo, o número de jovens desempregados, jovens fora da escola, taxa de mortalidade juvenil etc.). A existência dos indicadores pode chamar a atenção das autoridades governamentais para que a situação passe a ser socialmente percebida, transformando-se em um problema. Obviamente os indicadores não garantem por si o reconhecimento, antes são interpretações que auxiliam a demonstração da existência de uma situação. O segundo grande mecanismo compreende a ocorrência de eventos (focunsing events), crises e símbolos. Ou, em outras palavras, a ocorrência de desastres ou uma crise que afeta muitas pessoas chamando a atenção da mídia. No entanto, os eventos são passageiros e se não forem acompanhados por uma indicação mais precisa de que há um problema a ser resolvido, a atenção das autoridades governamentais dispersará. O terceiro conjunto de mecanismos ocorre por meio dos feedbacks (retornos) a programas existentes (KINGDON, 2003).

A existência de indicadores, eventos e feedbacks embora sejam muito importantes, não transformam automaticamente situações em problemas. As situações se tornam problemas a partir de sua interpretação social por parte dos atores interessados. Estes mecanismos contribuem para isso, porém, a lógica social é fundamental: “Problems are not simply the conditions or external events themselves: there is also a perceptual, interpretative element”. (KINGDON, 2003, p. 109).

Na lógica da construção da política pública, a definição do problema é muito importante. A forma como um problema é definido, pensado, articulado, reunindo os formuladores da política pode determinar o sucesso de uma questão no processo altamente competitivo que envolve a definição da agenda.

2.3.2 Fluxo das soluções

No segundo fluxo – policy stream – Kindgon afirma que há um conjunto de alternativas e soluções disponíveis para os problemas. As soluções surgem de forma desordenada, não há uma linearidade; as ideias surgem de forma desarticulada, sem organização. As ideias surgem e se chocam com antigas, se combinam e recombinam. Kingdon (2003) afirma que é muito difícil mapear a origem exata das ideias de determinada política pública, pois a dinâmica é formada por diversos caminhos, misturando várias influências e ideias em diferentes arenas com diversos atores. Contudo, nesse caos inicia-se um processo com um método para impor racionalidade na dinâmica das ideias, por meio da imposição de critérios, tais como “viabilidade técnica, congruência com os valores dos membros da comunidade de especialistas na área, antecipação de possíveis restrições, incluindo orçamentárias, aceitabilidade do público e receptividade dos políticos” (KINGDON, 2006, p. 232). As alternativas que não atendam a esses critérios – custos financeiros adequados, valores da comunidade de especialistas, ou apoio dos políticos eleitos – são consideradas inviáveis para serem propostas como política pública.

Nesse fluxo, as comunidades de políticas (policy communities) têm um papel fundamental. As comunidades de políticas são compostas por especialistas – pesquisadores, assessores parlamentares, acadêmicos, funcionários públicos, analistas pertencentes a grupos de interesses, entre outros – que compartilham uma preocupação em relação a uma área (policy area). No processo de seleção das alternativas, quando uma proposta é entendida como viável, ela é difundida rapidamente, ampliando a consciência dos atores sobre uma determinada ideia. Apesar disso, não significa que todos os especialistas de uma determinada comunidade compartilhem das mesmas crenças: algumas comunidades são fragmentadas, reunindo especialistas com diferentes pontos de vistas. À medida que ocorre o “arredondamento” da alternativa, isto é, que atenda aos critérios mencionados anteriormente, a comunidade passa a promovê-la em diferentes fóruns.

2.3.3 Fluxo da política

O terceiro fluxo é composto pela política. Como os demais fluxos – reconhecimento de um problema e solução disponível –, o fluxo da política segue sua própria dinâmica. Diferentemente do fluxo de alternativas (policy stream), em que o consenso é construído com base na persuasão e na difusão das ideias, no fluxo político (politics stream) as coalizões são construídas a partir de um processo de articulação e negociação política.

A eleição pode promover a mudança de governo, e, com isso, alterar as configurações partidárias tanto no Executivo quanto no Legislativo. O ingresso de um novo grupo no governo abre possibilidades de agendas e de acesso aos grupos iniciantes de interesse do novo governo. De acordo com Kingdon, são três os elementos que exercem influência sobre a agenda governamental. O primeiro é denominado de “clima” ou humor nacional (national mood) e é caracterizado por um momento em que diversas pessoas compartilham das mesmas questões, ou, em outras palavras, de que uma ideia geral é aceita por todos. O humor nacional, ou em outros termos, a conjuntura nacional, é a base para as ideias ou alternativas surgirem, e ajuda a explicar por que algumas questões adentram na agenda de governo e outras não. A percepção dos políticos de um humor nacional favorável os incentiva a promover algumas questões e desestimular outras. O segundo elemento é caracterizado pelas forças políticas organizadas, exercidas, sobretudo pelos grupos de pressão. O apoio ou oposição das forças políticas indica o consenso ou conflito nas arenas políticas (comissões do Congresso, grupos de trabalho do Executivo, instâncias decisórias dos partidos políticos etc) permite aos formuladores avaliarem se o ambiente é propício para a recepção da proposta. Se houver grande oposição e resistência, o tema dificilmente entrará na agenda devido aos custos políticos. O terceiro elemento são as mudanças dentro do próprio governo: pessoas localizadas em posições estratégicas dentro do Executivo, mudanças de gestão, mudanças na composição do Congresso etc.

Outro tema abordado dentro da agenda é como ocorre a escolha das alternativas. De acordo com Kingdon (2003), existem duas respostas possíveis: (I) as alternativas de soluções são geradas na dinâmica de debates e discussões de políticas públicas; (II) o envolvimento dos participantes invisíveis, que são os especialistas em áreas temáticas de políticas públicas. Os participantes invisíveis – especialistas em áreas temáticas de políticas públicas – são os que têm maior peso na formulação de alternativas, propostas e soluções. Este grupo é composto por acadêmicos, funcionários de carreira do Executivo e Legislativo, entidades que atuam na defesa

de causas, consultores etc. A tarefa desses participantes é pensar no desenho das propostas, sua viabilidade técnica e orçamentária junto à burocracia dos governos. O grupo de participantes “visíveis” são aqueles que recebem atenção da imprensa e do público, incluindo o presidente e seus assessores de alto escalão, importantes membros do Congresso, a mídia, partidos políticos e políticos profissionais. Cabe, portanto, aos participantes visíveis determinar a agenda, e aos participantes invisíveis apresentar as alternativas.

A dinâmica política segue uma dinâmica própria: eleições, disputas e acordos entre os partidos políticos. O fluxo das alternativas também é desenvolvido por dinâmicas próprias, com critérios de seleção e formulação independentemente do cenário político existente ou da relevância do problema. E, por sua vez, o fluxo dos problemas existe em função do reconhecimento de uma situação social como algo que deva merecer atenção das autoridades. Quando ocorre a junção dos três fluxos – alternativa, problemas e política – cria-se a abertura da “janela de oportunidades”.