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Intuitivamente, o volume de um sólido geométrico5 é a “quantidade de espaço” por ele ocupada. Nesta seção, é apresentado um modelo matemático6 para o processo de medição abstrata do volume dos sólidos geométricos.

Inicialmente, define-se uma função – função volume – num conjunto S de sólidos geométricos, assumindo valores em + (conjunto dos números reais não

negativos), e que possua três propriedades ditas essenciais para caracterizar a grandeza volume:

 Positividade – Um sólido geométrico que possua interior não vazio tem volume positivo;

 Aditividade – Se A e B são dois sólidos geométricos que, no máximo, têm em comuns pontos de suas fronteiras, então o volume do sólido geométrico A B é soma do volume de A com o volume de B.

 Invariância por isometrias – Se um sólido geométrico A é transformado em outro sólido B, de modo que a distância entre dois pontos quaisquer de A fica inalterada em B, então, A e B têm o mesmo volume.

A primeira propriedade associa o volume de um sólido de interior não vazio a um número real positivo. A segunda garante que o volume de um sólido composto por partes disjuntas ou justapostas é igual à soma dos volumes dessas partes. A terceira estabelece que, se um sólido é transformado em outro por um movimento rígido, seu volume não se altera.

Adotadas as propriedades acima, determina-se o domínio da função , isto é, quais sólidos geométricos são mensuráveis pela função . Supondo as propriedades mencionadas, é possível demonstrar – essa é uma das tarefas da denominada teoria da medida – que a função volume está definida em domínio que inclui os sólidos geométricos estudados na matemática escolar, entre eles: paralelepípedos, prismas, pirâmides, cilindros, cones, esferas, entre muitos outros. Assim tais sólidos são mensuráveis com respeito ao volume, ou, mais simplesmente, possuem volume.

5

Subconjunto limitado do espaço euclidiano tridimensional. 6

As ideias usadas nessa abordagem foram baseadas em Lima (1995) e em Bellemain e Lima (2002), os quais discutem área na perspectiva de Douady e Perrin-Glorian (1989). Em se tratando de volume, essas ideias baseiam-se também em Barros (2002) e em Oliveira (2002).

Adotamos um cubo , cuja aresta possui comprimento igual a 1 u (uma unidade de comprimento), como um sólido mensurável básico. Usando recursos mais avançados, o que não é nosso propósito nesta investigação, é possível mostrar que existe uma única função fc, definida no conjunto dos sólidos geométricos

mensuráveis, e que associa o valor 1 ao volume do cubo. ( ) = 1

Diz-se que é o sólido unitário. Pela propriedade de invariância por isometrias, sabemos que os cubos congruentes a possuem, também, medida de volume igual a 1. Por isso, os chamaremos de cubos unitários. Com isso, fica estabelecida a função volume . O valor numérico (A) é denominado medida de

volume do sólido geométrico A, segundo a função . Dessa forma, um sólido A que se possa construir com uma união finita de cubos unitários que se interceptam apenas nas suas fronteiras será mensurável e sua medida, (A), é o número de cubos unitários cuja união é igual ao sólido geométrico em foco.

Dando sequência à construção da função , chega-se a uma ferramenta importante que são as fórmulas de volume. Se B é um cubo qualquer, cujas arestas tenham medida de comprimento dada por um número natural , na unidade de comprimento escolhida. É possível demonstrar, apoiando-se nas propriedades de que (B) = 3. De fato, basta decompor o cubo A em 3 cubos unitários justapostos.

Logo, a medida do volume de B, segundo a função , será 3

.

Com um pouco mais de esforço técnico, podemos mostrar que, se um cubo B possui arestas de medida de comprimento dada por um número racional , vale também: (B) = 3. O caso em que o comprimento das arestas tem medida

irracional, na unidade de comprimento adotada, demanda novas propriedades para a função volume. Para resolver esse caso, são necessários axiomas adicionais, que lidam com a ideia de limite de uma sequência, a serem usados para a função volume, para assegurar que a fórmula de volume do cubo para medidas irracionais também seja a mesma que vale nos dois casos iniciais. Além disso, esses axiomas permitem, satisfeitas as condições iniciais para a função , a demonstração de que uma função volume está definida em todos os sólidos geométricos que possam ser obtidos como uniões enumeráveis de cubos, cujos interiores sejam disjuntos dois a dois.

Vejamos, agora, o que ocorre se partirmos de outro sólido unitário . Define- se a função volume , que satisfaz às condições acima mencionadas, inclusive:

( ) . Seja = ( ) e tome a função , definida pela igualdade . Podemos provar que tal função é também uma função volume em S. Tem-se, portanto, que

( ) ( ) ( )

Mas como a única função que satisfaz essas condições é , conclui-se que

ou seja,

e

Portanto, mudando-se a unidade de medida, é possível deduzir que as medidas do volume de qualquer sólido geométrico B, obtidas com duas funções volume fC, fB, geradas a partir de sólidos geométricos unitários distintos C e V,

cumprem a relação:

( ) ( ),

para todo sólido geométrico mensurável B. Em outras palavras, as duas funções volume acima diferem apenas por um fator de proporcionalidade. Em consequência, se dois sólidos e têm o mesmo volume segundo , também tem o mesmo volume segundo .

A função volume , definida no conjunto dos sólidos mensuráveis, é sobrejetora, ou seja, para todo θ  +, existe um sólido mensurável tal que

( ) = θ. Basta, para isso, tomar o cubo de arestas com comprimento na unidade de comprimento escolhida. Porém, dois sólidos diferentes podem ter mesmo volume, o que implica que não é injetora. Isso nos conduz à construção

de uma relação de equivalência em . De fato, define-se em a relação M N (M) = (N). Pode-se verificar que tal relação é reflexiva (M ≈ M), é

simétrica (M ≈ N N ≈ M) e é transitiva, (M ≈ N e N ≈ P M ≈ P), portanto, é uma relação de equivalência.

O que se pode extrair do parágrafo anterior é que dado um sólido mensurável , ao considerar o subconjunto V de todos os sólidos mensuráveis tais que ≈ , resulta, conforme já descrito acima, que o conjunto V não depende da função volume escolhida. O conjunto V é denominado a classe de sólidos mensuráveis equivalentes a pela relação de equivalência ≈ . Esse conjunto, V, é uma classe de equivalência de sólidos geométricos de mesmo volume segundo (e, portanto, segundo qualquer função volume ). O conjunto dos sólidos geométricos mensuráveis pode, assim, ser dividido em classes disjuntas, cuja união é o próprio conjunto . Tal conjunto de classes de equivalência é denominado espaço quociente de pela relação de equivalência ≈. O conjunto dessas classes D é o conjunto dos volumes. Dado um sólido geométrico mensurável , sua classe V, é o volume V, que é o conjunto de todos os sólidos geométricos mensuráveis que têm o mesmo volume que , quando medidos por qualquer função volume do tipo prescrito pelos axiomas adotados.

Em particular, o conjunto dos sólidos geométricos C que possuem volume 1, é denominado unidade de volume. Além disso, podemos associar à função inicial uma função fC definida no conjunto D, dos volumes, que denominaremos função volume na unidade C, por meio da igualdade:

fC(V) = ( ).

O número = fC(V) = ( ) é a medida do volume V na unidade C. No esquema abaixo, procuramos visualizar as ideias expostas:

A função associa cada elemento de D à sua classe de equivalência e, como a função fc, é sobrejetiva, mas não injetiva. Da construção realizada, resulta que a

+

D= /≈

 

função fC é uma função bijetiva, o que permite estabelecer um isomorfismo entre D e +.