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Modelo Transteórico de Estágios Motivacionais para Mudança

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2.2 Modelo Transteórico de Estágios Motivacionais para Mudança

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O sucesso da reabilitação de adultos com algum problema de saúde, dentre muitos fatores, requer mudanças nas cognições e comportamentos destes indivíduos. Diversos estudos ressaltam que o modelo transteórico (MTT) pode ser considerado um instrumento promissor de auxílio à compreensão da mudança comportamental relacionada à saúde, uma vez que, centra-se na prontidão de uma pessoa mudar adotando e mantendo comportamentos saudáveis (PROCHASKA et al., 2009).

O MTT foi desenvolvido por dois pesquisadores norte–americanos, James O. Prochaska e Carlo DiClemente (1979) que realizaram um estudo comparativo com os principais modelos e mais de 29 teorias das abordagens psicoterápicas, com foco nos processos de mudança. Na década de 80, os mesmos autores mediante estudos com tabagistas observaram que muitos fumantes conseguiam abandonar o vício sem auxílio de psicoterapia, enquanto outros somente tinham sucesso com esse tipo de tratamento. Segundo Prochaska, DiClemente e Norcross (1992) o estímulo para as pesquisas que culminaram na elaboração do modelo foi segundo a hipótese, posteriormente confirmada, de que existiam princípios básicos que explicariam a estrutura da mudança de comportamento que ocorria na presença ou não de psicoterapia.

A mudança comportamental é vista como um processo no qual os indivíduos passam por diferentes estágios de prontidão ou motivação. Para isto o MTT se baseia em três dimensões principais: Estágios, Processos e Níveis de Mudança (PROCHASKA; NORCROSS, 2010) e incluem outros dois constructos relacionados aos demais: a balança decisória e autoeficácia (PROCHASKA et al., 2009).

Os estágios de mudança apontam o “quando” da mudança. Eles foram redefinidos ao longo dos anos; no entanto, quatro estágios são mais frequentemente descritos: pré- contemplação, contemplação, ação e manutenção (MCCONNAUGHY et al. 1983; MCCONNAUGHY DICLEMENTE; PROCHASKA; VELICER, 1989; PROCHASKA DICLEMENTE; NORCROSS, 1992. DICLEMENTE e VELÁSQUEZ, 2002; PROCHASKA, 2008). São eles:

 Pré-contemplação: neste estágio as intenções de mudança no indivíduo são nulas, acreditando que os pontos negativos da mudança são maiores que os positivos. Na justificativa de que o que deve ser mudado são o ambiente ou as outras pessoas.

 Contemplação: o indivíduo começa a admitir a existência de um problema, sendo possível visualizar uma menção em mudar, mas com certa

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25 ambivalência. Encontra-se mais consciente dos prós e contra, porém detém-se o quanto os aspectos positivos da mudança demandariam em esforços para superação do problema.

 Ação: é o estágio em que mudanças são evidentes no indivíduo que já é capaz de tomar decisões e realizar esforços contra comportamentos prejudiciais e modificações na rotina diária para alcançar objetivos de hábitos saudáveis.

 Manutenção: o indivíduo busca consolidar os ganhos adquiridos na ação, com a capacidade de manter-se no novo comportamento e prevenir a recaída, isto é, evitar retornar aos padrões anteriores.

A preparação ou tomada de decisão tem sido proposta como uma etapa entre contemplação e ação, na qual a mudança é iminente (PROCHASKA et al., 2009). Neste estágio é que o indivíduo começa a pensar em mudar num futuro próximo, temporariamente definido.

O término é o estágio em que o indivíduo encontra consolidado em si o comportamento almejado, como se nunca estivesse em situação diferente. Embora, o ideal seja a recuperação total, é importante reconhecer que para alguns pacientes (com algumas barreiras) o estilo de vida em manutenção é uma expectativa mais realista (PROCHASKA, 2008).

Os defensores do modelo argumentam que as pessoas nos estágios mais avançados da mudança são mais propensas a procurar o atendimento, aderir à intervenção e apresentar melhores resultados. A entrevista motivacional propõe que o estágio de mudança no qual a pessoa se encontra, pode informar necessidades de intervenção e aconselhamento (MILLER; ROLLNICK, 2002).

A outra dimensão do MTT refere-se aos processos cognitivos e comportamentais que descrevem “como” a mudança ocorre e englobam as atividades implícitas ou explícitas que o indivíduo realiza para modificar uma emoção, um pensamento, um comportamento relativo a problemas particulares ou padrões de vida. É nesta dimensão que os terapeutas formulam seus planos de tratamento e em como alterar os processos de seus clientes (PROCHASKA; NORCROSS, 2010).

Os processos cognitivos se concentram nos pensamentos e/ou sentimentos do indivíduo acerca do comportamento e segundo Prochaska, DiClemente e Norcross (1992) e

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Prochaska, Redding e Evers (2008) tendem a ser mais importantes nos estágios de mudança iniciais (pré-contemplação e contemplação). São estes descritos a seguir:

 Conscientização: abrange maior consciência a respeito das causas, consequências e as formas de modificar um comportamento. As intervenções que podem aumentar este processo incluem feedback, confrontações, interpretações, biblioterapia e campanhas de mídia ou material informativo.

 Alívio dramático ou catarse: causa o aumento da experiência emocional, seguido da percepção de alívio antecipado de que tomou a atitude correta.  Auto-reavaliação: centraliza-se em como o indivíduo sente e pensa ao seu

respeito em relação do seu comportamento problema.

 Liberação social: refere-se à existência do aumento das possibilidades e alternativas sociais para o indivíduo, especialmente em relação à defesa dos direitos das populações relativamente oprimidas e carentes. Procedimentos e políticas apropriadas podem aumentar as oportunidades para a promoção da saúde, ajudando a pessoa a mudar.

 Reavaliação socioambiental: avaliam-se os efeitos do problema sobre o ambiente social e físico, bem como o custo financeiro e emocional para a sociedade e para a família.

Os processos comportamentais fornecem as ferramentas necessárias para levar o indivíduo à ação, uma vez que a pessoa está pronta para a mudança e, segundo Prochaska et al. (1994) estes processos são mais usados nos estágios de preparação, ação e manutenção, sendo estes:

 Gerenciamento de reforço/recompensa: reconhecimento do esforço que vem sendo feito frente à mudança de comportamento, podendo envolver a autorrecompensa ou recompensa de outras pessoas.

 Contracondicionamento: diz respeito ao aprendizado de um comportamento saudável para substituir o comportamento prévio não saudável.

 Controle de estímulos: viabiliza a reestruturação ou até evitar o ambiente que estimula o comportamento não saudável.

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27  Relações de ajuda: o indivíduo necessita de uma relação aberta e verdadeira com pessoas que reconheçam o esforço realizado frente à mudança de comportamento, como o próprio terapeuta e grupos de apoio.  Autoliberação: o indivíduo escolhe e se compromete com a ação a ser

realizada e/ou acredita na sua capacidade para mudar.

O terceiro constructo refere-se ao Nível de mudança utilizado para delinear o “quê” mudar. São cinco os níveis de mudança, os quais representam uma organização hierárquica, porém inter-relacionados de problemas psicológicos: sintomas ou problemas situacionais (estímulos imediatos que desencadeiam o comportamento e suas consequências); cognições mal-adaptativas (pensamentos que remetem aos padrões de comportamento); conflitos interpessoais atuais (dificuldades em lidar com o mundo fora do círculo mais íntimo); conflitos familiares (problemas dentro do círculo familiar e de amizades, que podem alimentar e desencadear o problema) e conflitos intrapessoais (impulsos e ansiedades que refletem um estilo de vida destrutivo). A relação entre os níveis é hierárquica, pois que os primeiros níveis são mais suscetíveis de mudança dos que os últimos, no entanto a mudança de um deles pode desencadear a de outros (PROCHASKA; NORCROSS, 2010).

Outras variáveis importantes relacionados aos demais são: a balança decisória e autoeficácia, que influenciam no sucesso e movimentação do indivíduo através dos estágios de mudança. Prochaska, Prochaska e Levesque (2001) afirmam que a balança decisória deriva do modelo de tomada de decisão de Janis e Mann (1977) o qual incluiu quatro categorias de prós (ganhos para si e para os outros e aprovação de si e dos outros) e quatro categorias de contras (custos para si e para os outros e desaprovação de si e dos outros). No entanto, de muitos estudos que tentaram produzir esta estrutura de oito fatores revelaram uma estrutura de dois fatores muito mais simples que era quase sempre encontrada os prós e os contras da mudança. Prochaska et al. (1994) em um estudo integrativo em 12 diferentes comportamentos encontraram que a balança de “prós e contras” foi sistematicamente relacionada com os estágios de mudança em todos os comportamentos analisados no estudo: os “contras” superando os “prós” no estágio de pré-contemplação havendo um cruzamento entre eles nos estágios intermediários (contemplação e preparação) e os “prós” compensando os “contras” no estágio de ação.

O constructo de autoeficácia é muito importante, sobretudo nos estágios de ação e manutenção e envolve confiança e tentação. A confiança que o indivíduo tem em si mesmo para superar situações de desafios em sua mudança comportamental e a habilidade de

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enfrentar as tentações contrárias a esta mudança (PROCHASKA; DICLEMENTE; NORCROSS, 1992). Este constructo foi incorporado da Teoria de Bandura (1982) a qual propõe que a percepção pessoal de confiança a respeito das habilidades de modificar comportamentos está relacionada ao sucesso de realmente modificá-los.

A partir do MTT algumas medidas foram propostas para identificar os estágios de mudança, mas duas delas são genéricas e podem ser aplicadas a todas as populações na área da saúde. A primeira medida é o algoritmo de teste, no qual cada fase de mudança é representada por uma declaração e os respondentes devem identificar aquela que melhor representa a sua situação: I- Não pretendo mudar nos próximos seis meses (pré- contemplação); II- Tenho a intenção de mudar nos próximos seis meses (contemplação); III- Eu mudei nos últimos 6 meses (ação); IV- Eu mudei há mais de 6 meses atrás (manutenção). Os autores observam que o critério de tempo de seis meses pode ser revisto para uma estimativa de tempo mais relevante em algumas populações. Por exemplo, 12 meses tem sido utilizado para o rastreio mamográfico (PROCHASKA et al., 1994).

A segunda medida é a escala University of Rhode Island Change Assessment (URICA), proposta por McConnaughy, Prochaska e Velicer (1983) que foi, inicialmente, criada para problemas relacionados ao tabagismo e composta por 32 itens, com 8 itens para cada um dos estágios de mudança sendo a estrutura de quatro fatores compatíveis com os quatro estágios de mudança pré-contemplação (Eu não tenho quaisquer problemas que precisam mudar), contemplação (Pode ser interessante trabalhar o meu problema), ação (Estou trabalhando ativamente em meu problema), e manutenção (Eu tenho sido bem sucedido em trabalhar no meu problema, mas eu não estou certo de que possa manter este esforço). As cinco opções de resposta são: (1) discordo totalmente, (2) discordo, (3) indeciso, (4) concordo, e (5) concordo muito.

Desde então, surgiram estudos controlados que tem permitido analisar as qualidades psicrométricas da URICA (ABELLANAS; MCLELLAN, 1993; CARNEY; KIVLAHAN, 1995; PANTALON; SWANSON, 2003; DOZOIS et al. 2004). Atualmente, existe também uma versão com 24 itens utilizada em estudos internacionais e locais que demonstra bons resultados, onde são dispostos 6 itens para cada estágio (NIDECKER et al., 2008; SZUPSZYNSKI; OLIVEIRA, 2008). Em todas as versões, também é calculado o escore de “Prontidão para a Mudança”, subtraindo o resultado referente à fase de pré- contemplação da soma do resultado das fases de Contemplação, Ação e Manutenção, e quanto

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29 mais alto for o valor encontrado no escore, maior a motivação para a mudança (NIDECKER et al., 2008).

No Brasil, a URICA está sendo validada por meio de vários estudos em diversas populações pelo Grupo de Pesquisa em Intervenções Cognitivas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grane do Sul (PUC/RS), sob a coordenação da Professora Doutora Margareth da Silva Oliveira. Dentre estes estudos, Szupszynski e Oliveira (2008) realizaram a adaptação e validação da escala, em versão reduzida de 24 itens, para usuários de drogas ilícitas. Para isto, foi realizada a tradução da língua inglesa para a portuguesa por meio dos procedimentos de tradução, aplicação de piloto, tradução reversa e avaliação de comitê de juízes. Neste estudo a escala apresentou-se adequada para avaliar os estágios motivacionais, tanto para uso em pesquisa quanto na prática clínica. E, as propriedades psicométricas da versão reduzida de 24 itens foram satisfatórias e similares a outras validações americanas. Em estudos do mesmo grupo, a URICA foi adaptada e validada para fim de identificar a configuração dos estágios motivacionais em alcoolistas internados em unidades especializadas (OLIVEIRA et al. , 2003), para a população com comportamento de comer compulsivo (BITTENCOURT, 2009) e jogadores patológicos (SOUZA, 2011) e que concluíram que aplicação da URICA permite o melhor delineamento das técnicas a serem adotadas durante o processo terapêutico.

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